Agrotóxicos liberados pelo governo intoxicaram 92 crianças e funcionários em escola de Goiás
Por Bruno Stankevicius Bassi, de Brasília
A manhã de 3 de maio de 2013 parecia ser mais um dia comum na rotina dos alunos e funcionários da Escola Municipal Rural São José do Pontal, localizada no assentamento Pontal dos Buritis, em Rio Verde (GO). Parecia.
Durante o recreio, enquanto as crianças brincavam na área externa, um avião da empresa Aerotex Aviação Agrícola, contratada para pulverizar uma plantação de milho vizinha, despejou acidentalmente uma nuvem do pesticida Engeo Pleno. Ao todo, 92 pessoas apresentaram sintomas de intoxicação aguda, como náusea, falta de ar, coceira na pele e dores de cabeça.
O Engeo Pleno é fabricado pela multinacional suíça Syngenta. A empresa e a Aerotex foram condenadas, em 2018, ao pagamento de danos morais coletivos em sentença do Ministério Público Federal (MPF). O agrotóxico leva em sua formulação dois inseticidas, o Tiametoxam e a Lambda-Cialotrina. Ambos aparecem na lista de 31 produtos liberados pelo Ministério da Agricultura na última semana.
Com o Ato nº 34, o governo amplia seu recorde no registro de novos agrotóxicos para 197 rótulos liberados desde janeiro. Desse total, 44% são classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como “extremamente tóxicos” ou “altamente tóxicos” – classes I e II, respectivamente – e 26% são proibidos na União Europeia.
IBAMA PROIBIU PULVERIZAÇÃO DE INSETICIDA EM 2012
Registrado pela consultoria paulista Syncrom Assessoria e Comércio de
Produtos Agropecuários Ltda, o Tiametoxam pertence ao grupo dos
neonicotinóides, derivados da nicotina, cujo uso tem sido associado à
morte em massa de abelhas no Brasil e na Europa.Apesar de ser classificado pela Anvisa como “medianamente tóxico”, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desautorizou em 19 de julho de 2012 – dez meses antes do caso Rio Verde – a pulverização aérea do Tiametoxam e de outros três neonicotinóides e seus derivados devido à sua toxicidade elevada para insetos polinizadores.
A proibição serviu como base principal para a sentença do MPF que condenou a Aerotex Aviação Agrícola Ltda e a Sygenta Proteção de Cultivos Ltda ao pagamento de R$ 150 mil em danos morais coletivos aos alunos e funcionários da escola São José do Pontal. Segundo as empresas, o próprio Ibama havia revogado temporariamente a proibição através do Ato nº 1, de 2 de outubro de 2012. No entanto, a revogação valia apenas para as culturas de arroz, cana-de-açúcar, soja e trigo, sem menção à pulverização aérea sobre milharais.
Gravado em 2018 pela cineasta Dagmar Talga, o documentário “Brincando na Chuva de Veneno: cinco anos depois” mostra os impactos do episódio na vida de alunos, professores e funcionários da escola, que, além dos efeitos diretos da intoxicação, incluem a discriminação e a perseguição política contra os atingidos.
FABRICANTE INDIANA É LIGADA À MORTE DE 28 CAMPONESES
Entre os 31 agrotóxicos liberados pelo Ato nº 34, oito são
classificados pela Anvisa como “extremamente tóxicos”, incluindo uma
formulação do inseticida Lambda-Cialotrina, um dos princípios ativos do
Engeo Pleno da Syngenta, cujo registro foi concedido à AllierBrasil Agro
Ltda.Fabricado na Índia pela GSP Crop Science, o rótulo é o segundo pesticida classe I registrado pela empresa em 2019. Em março, no Ato nº 17, a AllierBrasil recebeu a liberação para outro produto indiano, o fungicida Captana, indicado para culturas de alho, cebola, batata e pepino, além de frutas como maçã, melancia, melão, pêssego, tomate, uva e cítricos.
Outra empresa indiana recorrente nas aprovações do Ministério da Agricultura é a Gharda Chemicals, dona da patente de quatro agrotóxicos autorizados em 2019, dois deles aprovados na última semana. Uma das maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo, a empresa foi acusada em 2017 pelo governo do estado de Maharashtra pela morte de 28 camponeses em decorrência de contaminação pelo pesticida Police.
Considerado “extremamente tóxico”, o inseticida Indoxacarbe da Ghada teve registro concedido a duas empresas estrangeiras, a indiana Sulphur Mills do Brasil Importação e Exportação de Produtos Agrícolas Ltda e a paraguaia Tecnomyl Brasil Distribuidora de Produtos Agrícolas Ltda.
ADAMA É RECORDISTA NO ANO, COM 17 REGISTROS
A lista de produtos com grau elevado de toxicidade continua com duas
empresas estrangeiras autorizadas a comercializar o fungicida
Difenoconazol, tido como possível causador de câncer de fígado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês).Fruto de uma joint venture entre grupos chineses e israelenses, a Adama Brasil é a recordista em número de rótulos autorizados em 2019, com 17 pedidos deferidos, sendo seis”extremamente tóxicos”. Em 2015, a empresa teve uma de suas fábricas ocupadas por mulheres sem-terra.
A FMC Química do Brasil Ltda, por sua vez, faz parte do grupo estadunidense FMC Corporation, oitavo maior fabricante de agrotóxicos do planeta, multado em US$ 1 milhão após infringir um regulamento da EPA que restringe anúncios relacionados a pesticidas em 2017.
Junto com a Dow AgroSciences e a Makhteshim Agan (comprada pela Adama), a FMC pressionou o governo dos Estados Unidos para que ignorasse um estudo encomendado pela EPA que identificou a contaminação por pesticidas organofosforados em 38 espécies marinhas ameaçadas de extinção.
Fecham a lista de empresas beneficiadas pelas liberações as brasileiras Nortox S/A, América Latina Tecnologia Agrícola Ltda e Ouro Fino Química S/A, que receberam o registro de três formulações diferentes do glifosato.
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