Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil –
Entre eles está o Sulfoxaflor, liberado nos últimos dias do ano passado, que já foi acusado de exterminar as abelhas nos EUA
Quarenta novos produtos comerciais com agrotóxicos
receberam permissão para chegar ao mercado nos próximos dias. O
Ministério da Agricultura publicou no Diário Oficial da União de 10 de
janeiro o registro de 28 agrotóxicos e princípios ativos. Entre eles um
aditivo inédito, o Sulfoxaflor, que já causa polêmica nos Estados
Unidos. Os outros são velhos conhecidos do agricultor brasileiro, mas
que agora passam a ser produzidos por mais empresas e até utilizados em
novas culturas, entre elas a de alimentos.
Na edição desta sexta-feira (18/1) do Diário Oficial, a
Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério Agricultura
publicou lista com mais 131 pedidos de registro de agrotóxicos
solicitados nos últimos três meses de 2018. Eles ainda passarão por
avaliações técnicas de três órgãos do governo.
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam uma aceleração na permissão de novos registros, que estaria em “nível desenfreado”.
As autorizações publicadas em 10 de janeiro foram aprovadas
no ano passado, ainda durante o governo de Michel Temer (MDB). Nas duas
primeiras semanas do governo Bolsonaro, mais 12 produtos receberam
registro para serem comercializados, segundo apuraram a Agência Pública e
a Repórter Brasil. A aprovação sairá no Diário Oficial nos próximos
dias, diz o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Dos 28 produtos já publicados, um é considerado
extremamente tóxico, o Metomil, ingrediente ativo usado em agrotóxicos
indicados para culturas como algodão, batata, soja, couve e milho. Além
dele, quatro foram classificados como altamente tóxicos. Quase todos são
perigosos para o meio ambiente, segundo a classificação oficial.
Quatorze são “muito perigosos” ao meio ambiente, e 12, considerados
“perigosos”.
Os mais tóxicos são o Metomil e o Imazetapir, o qual foi
emitido registro para quatro empresas. Eles são princípios ativos, ou
seja, ingredientes para a produção de agrotóxicos que serão vendidos aos
produtores rurais.
Apenas três fazem parte do grupo de baixa toxicidade, o
menor nível da classificação toxicológica: o Bio-Imune, Paclobutrazol
250 e o Excellence Mig-66, indicados para culturas de manga e até mesmo
para a agricultura orgânica.
Segundo o Ministério da Agricultura, os produtos não trazem
riscos se usados corretamente. “Desde que utilizado de acordo com as
recomendações da bula, dentro das boas práticas agrícolas e com o
equipamento de proteção individual, a utilização é completamente
segura”, afirmou a assessoria de imprensa do órgão.
Dos 28 produtos com o registro publicado na última semana,
18 são princípios ativos e serão usados na produção de outros defensivos
agrícolas. Vinte e um deles são fabricados na China, país que vem se
consolidando como um dos maiores produtores, exportadores e usuários de
agrotóxicos do mundo.
No ano passado, 450 agrotóxicos foram registrados no Brasil, um recorde histórico. Destes, apenas 52 são de baixa toxicidade.
Sulfoxaflor ligado ao extermínio de abelhas
Um produto polêmico fora do país é o Sulfoxaflor, aprovado
nos últimos dias do governo Temer, em 28 de dezembro, o único novo
químico entre os 40 que tiveram o registro publicado.
O responsável pelo registro é a Dow AgroSciences, que faz
parte da gigante americana Dow Chemical Company. O produto entrou em
circulação nos EUA em 2013. Dois anos depois, organizações defensoras de
polinizadores levaram ao Tribunal de Apelações de São Francisco a
denúncia de que o uso do pesticida estaria ligado ao extermínio de
abelhas. Eles solicitaram revisão da permissão de comercialização.
“O tribunal considerou que o registro não era apoiado por
evidências que demonstrassem que o produto não era prejudicial às
abelhas, e por isso retiraram o registro”, relata a decisão da Agência
de Proteção Ambiental Americana (EPA). Em setembro daquele ano, o
registro de todos os produtos à base de Sulfoxaflor nos Estados Unidos
foram cancelados devido ao potencial extermínio de abelhas.
No ano seguinte, a agência americana deferiu uma nova
licença para o produto, mas com ressalvas.
“O Sulfoxaflor terá agora
menos usos e requisitos adicionais que protegerão as abelhas. A EPA
tomou essa decisão após uma análise cuidadosa dos comentários do público
e do apoio científico”, informou a agência. A partir daí, o produto
passou a ser proibido para culturas de sementes e só pode ser utilizado
em plantações que atraem abelhas após a época do florescimento. Entre
elas estão uva, tomate, pimenta, batata, feijão e cranberry.
As avaliações da Anvisa e do Ibama classificaram o
Sulfoxaflor como medianamente tóxico e perigoso ao Meio Ambiente. É
usado como ativo para agrotóxicos eficazes contra pragas de insetos que
se alimentam de seiva da planta. Foi indicado para culturas de algodão,
soja, citros, nozes, uvas, batatas, legumes e morangos.
A Dow AgroSciences abriu a solicitação de registro em 28 de
junho de 2013, mas a aprovação do projeto só se apressou no fim de
2018. “A Anvisa convocou consulta pública para o produto no fim de
novembro, que durou curtíssimo tempo. Com isso, debateu-se pouco um
ativo que nos Estados Unidos chegou a ser proibido por um tempo”,
explica Karen Friedrich, membro do grupo temático de saúde e meio
ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
A Anvisa abriu a consulta pública durante 30 dias em 23 de novembro de 2018. O deferimento do registro pelos três órgãos ocorreu 35 dias depois.
Proibidos fora do país
Dos 40 registros aprovados no Brasil, 11 não são permitidos
na União Europeia. Um deles é o Fipronil, inseticida que age nas
células nervosas dos insetos e, além de utilizado contra pragas em
culturas de maçã e girassol, é usado até mesmo em coleiras antipulgas de
animais domésticos. O produto é proibido em países europeus como a
França, desde 2004, também acusado de dizimar enxames de abelhas. É
permitido no Brasil e, segundo o registro publicado no Diário Oficial,
classificado como medianamente tóxico e muito perigoso ao meio ambiente.
Ele é legalizado e indicado para culturas de algodão, arroz, cevada,
feijão, milho, pastagens, soja e trigo.
A importância da preservação das abelhas é a relação direta
entre a vida dos insetos e da humanidade. Na busca por pólen, elas
polinizam plantações de frutas, legumes e grãos. “Na França, os apiários
registravam morte de cerca de 40% das abelhas, a partir daí países da
Europa começaram a proibir o Fipronil, que continua permitido no Brasil
mesmo após sofrermos impactos semelhantes”, explica Murilo Souza,
professor de recursos naturais do Cerrado na Universidade Estadual de
Goiás.
Produtos à base de Imazetapir, herbicida aplicado por
pulverização em culturas como a da soja, também são proibidos na União
Europeia desde 2004. Quatro deles tiveram registro deferido por aqui. O
Diquate, que está entre os ativos aprovados no Brasil na última semana,
teve registro cassado na União Europeia no fim de 2018 após comissão de
avaliação ter identificado alto risco para trabalhadores e residentes de
áreas próximas à aplicação do produto, além de risco para aves.
O Sulfentrazona foi banido em toda a União Europeia em 2009
e nunca chegou às mesas do continente. Já no Brasil, o registro foi
deferido no fim do ano para as empresas brasileiras Tradecorp, Rotam e
da Nortox – todas têm indústrias na China como endereço de fabricante. E
neste ano, mais três permissões, agora para as empresas brasileiras
Ihara, Allierbrasil e Helm.
Pressão para aprovar rápido
Antes de chegar ao mercado, a substância precisa passar por
avaliação do Ministério da Agricultura, Ibama e da Anvisa. Os órgãos
fazem diversos testes para medir, por exemplo, o grau toxicológico e o
potencial de periculosidade ambiental.
O prazo de avaliação de registro pode chegar a cinco anos,
mas vem se tornando mais rápido. De acordo com o Ibama, a diminuição dos
períodos de avaliação ocorre “devido ao aperfeiçoamento de
procedimentos e incorporação de novos recursos de tecnologia de
informação”, segundo a assessoria do órgão.
Já no Ministério da Agricultura, a aprovação mais rápida se
deve a uma nova política que prioriza os produtos de baixa toxicidade,
que contêm organismos biológicos, microbiológicos, bioquímicos,
semioquímicos ou extratos vegetais. Para estes, o tempo médio total
entre o pedido de registro e a conclusão do processo varia de três a
seis meses. O que explica a rápida aprovação do Bio-Imune e do
Excellence Mig-66.
O longo prazo de avaliação do registro é uma das principais
críticas dos ruralistas, que apostam no Projeto de Lei 6.299/2002 para
acelerar a liberação das substâncias. Conhecido pelos opositores como
“PL do Veneno”, uma das medidas previstas pelo texto é que, caso o
período de análise do químico passe de dois anos, o produto ganha o
registro automaticamente.
No momento, o Ministério da Agricultura, a Anvisa e o Ibama
estão avaliando o pedido de registro de mais 1.345 agrotóxicos e
ingredientes ativos. Grande parte das empresas que querem vender esses
produtos no Brasil é do exterior, como Estados Unidos, Alemanha e,
principalmente, a China.
Como “farmácias em cada quadra”
Dos 40 produtos autorizados, 39 são ingredientes ativos ou
pesticidas já permitidos no país. O pedido de registro de um produto
anteriormente liberado é comum, segundo quatro especialistas consultados
pela reportagem. “A partir do momento que as empresas produtoras
iniciais pedem a patente, as demais começam a solicitar registro para
usar esses ingredientes ativos e produzir novos produtos agrícolas”,
explica Murilo Souza, da Universidade Estadual de Goiás.
Para Leonardo Melgarejo, vice-presidente da regional sul da
Associação Brasileira de Agroecologia, a aprovação dos registros está
em ritmo “desenfreado”. “Temos aprovadas variações sobre o mesmo item.
Não precisamos de todos os produtos comerciais para uma mesma
finalidade. Estamos chegando perto do lance da ‘automedicação’, com duas
farmácias em cada quadra, todas vendendo variantes das mesmas drogas”,
afirma.
Para o professor Murilo Souza, é surpreendente a rapidez
com que as aprovações vêm ocorrendo. Ele critica também o fato de que
produtos originalmente aprovados para determinada cultura sejam
liberados para outras. “A maioria dos produtos são testados apenas em
plantações de grande escala, como soja, algodão e cana de açúcar. Poucas
pesquisas são feitas para entender os impactos nas culturas menores”,
explica.
*Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do
Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para
investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.
(#Envolverde)
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