A terra inabitável: o futuro segundo David Wallace-Wells, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A terra inabitável
[EcoDebate] O jornalista David Wallace-Wells publicou, no dia 09/07/2017, uma matéria denominada “The Uninhabitable Earth”, na revista New York Magazine (NYMag), pintando um cenário apocalíptico para o Planeta – um Armagedon climático – caso as tendências atuais se mantenham. O artigo se tornou viral e foi comentado amplamente em diversos países do mundo e passou a ser o artigo mais lido da revista (ALVES, 19/07/2017).O texto começou de forma assustadora: “It is, I promise, worse than you think” (Prometo, é pior do que você pensa). O subtítulo diz do que se trata: “Fome, colapso econômico e um sol que nos cozinha: o que as mudanças climáticas podem causar – mais cedo do que você pensa”.
Evidentemente, o autor estava tratando de um cenário extremo e de baixa probabilidade, mas que pode ocorrer se nada for feito para mudar os rumos da insustentabilidade do crescimento econômico e suas externalidades negativas sobre o meio ambiente. Naquele momento, o jornalista Wallace-Wells escreveu um artigo urgente e aterrorizante, mas sua premissa básica foi perguntar: e se a mudança climática for realmente um pouco pior do estamos pensamos?
Um ano e meio depois, Wallace-Wells manteve os seus argumentos e transformou o artigo da NYMag no livro “The Uninhabitable Earth: Life After Warming” (fevereiro de 2019). O livro começa quase na mesma linha do artigo: “É pior, muito pior do que você pensa”.
A maior parte do livro é uma avaliação expandida e horripilante do que poderíamos esperar como resultado da mudança climática, se não mudarmos o curso do consumismo num cenário de crescimento econômico e populacional. O resultado é um texto convincente que apresenta a questão: diante da ameaça real do aquecimento global e da degradação ambiental, que papel a narrativa ambientalista deve desempenhar?
Wallace-Wells é um jornalista extremamente competente e que explica o assunto com muita clareza, apesar da dificuldade técnica da matéria. Ele descreve o impacto das mudanças climáticas considerando as escalas espaciais e temporais. O espaço talvez seja o mais fácil dos dois, pois embora o aquecimento global e a degradação ambiental sejam fenômenos globais, as coisas serão piores nos países tropicais e pobres, que provavelmente vão enfrentar desastres simultâneos e em efeito cascata.
O aquecimento global vai ser abrangente, terá um impacto muito rápido e vai durar muito tempo. Isto quer dizer que os efeitos danosos das mudanças climáticas vão se agravar com o tempo e, embora todas as gerações já estejam sendo atingidas, são as crianças e jovens que nasceram no século XXI que vão sentir as maiores consequências do colapso ambiental. A degradação ambiental vai ocorrer em várias áreas, com a acidificação dos solos, águas e oceanos, a precarização dos ecossistemas e os desastres climáticos extremos (secas, chuvas, furacões e inundações de grandes proporções).
Todavia, mesmo que a humanidade pare de emitir gases de efeito estufa nas próximas décadas, a quantidade emitida desde a Revolução Industrial e Energética e o processo de retroalimentação poderá liberar o metano aprisionado no permafrost, que contém até 1,8 trilhão de toneladas de carbono equivalente, consideravelmente mais do que o atualmente suspenso na atmosfera terrestre. O metano, dependendo de como você mede, é pelo menos dezenas de vezes mais potentes do que o dióxido de carbono.
Na seção “Caleidoscópio do Clima”, Wallace-Wells explica o leque de possibilidades para a destruição do mundo físico, considerando como essas mudanças irão afetar os seres humanos. Ele contesta a ideia de progresso. Através da lente focada nas mudanças climáticas, percebe-se que a sociedade industrializada é uma tragédia na qual pensávamos que havíamos construído algo duradouro. O uso generalizado dos combustíveis fósseis funcionou como uma miragem temporária, mas que acaba sufocando o conjunto da vida no Planeta.
Para quem acredita nas propostas miraculosas dos tecnófilos cornucopianos, a crítica mais severa do livro é dirigida aos gigantes da tecnologia e à atual acomodação da corrupção moral dos EUA que alimenta o Vale do Silício: o da libertação coletiva da tensão do trabalho e da privação material via “A Igreja da Tecnologia”. O autor critica a ideia de que “a tecnologia nos salvará”, um refrão frequentemente apreendido como meio de nos permitir continuar com nossos hábitos destrutivos sem nos sentirmos muito mal.
A resposta de Wallace-Wells aos críticos que argumentaram que ele estava e está improdutivamente assustando as pessoas é apontar, com detalhes, que há muito mais pessoas não alarmadas o suficiente sobre a mudança climática do que as pessoas que estão muito alarmadas.
O livro é para assustar as pessoas que estão tranquilas diante da dimensão dos problemas ambientais que se avolumam. Inegavelmente, trata-se de alarme. De um despertador para acordar as pessoas. Ele desafia o mundo a provar que ele está errado.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Referência:
ALVES, JED. Catástrofe climática: a Terra inóspita e inabitável, Ecodebate, 19/07/2017
https://www.ecodebate.com.br/2017/07/19/catastrofe-climatica-terra-inospita-e-inabitavel-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
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