Saiba quem são os madeireiros eleitos no Norte e no Centro-Oeste
Quatro dos vencedores da votação de domingo já tinham ocupado a prefeitura de seus municípios, incluindo Valdinei José Ferreira, o Django (PL), que acumula multas de R$ 7,1 milhões pelo Ibama por desmatamento e exercerá novo mandato em Trairão (PA)
Por Priscilla Arroyo
O lobby da madeira mostrou sua força nas urnas, elegendo 7 dos 18 proprietários do setor que se candidataram a prefeituras de municípios do Norte e do Centro-Oeste. De acordo com levantamento do De Olho nos Ruralistas, esses políticos se elegeram em três estados: Pará, Mato Grosso e Tocantins.
Quatro deles não são estreantes no cargo e seguem para, no mínimo, o segundo mandato. O tucano Altamir Kurten, de Cláudia (MT), conquistou o terceiro mandato no município — ele já tinha ocupado a prefeitura local entre 2004 e 2008.
O município faz parte, desde 2011, da lista do Ministério do Meio Ambiente que reúne áreas prioritárias para prevenir, monitorar e controlar o desmatamento ilegal na Amazônia. Uma das principais causas históricas da perda de áreas verdes do bioma é a extração madeireira, o fogo e, mais recentemente, a plantação de soja.
Localizado no norte do Mato Grosso, Cláudia teve entre 1985 e 2013, 1.212.3 km2 de cobertura vegetal nativa desflorestada, de acordo com o artigo “Detecção de Mudanças de uso e Cobertura da terra na Amazônia Legal Matogrossens”. O estudo de caso do Município de Cláudia (MT), de Thais Michele Rosan e Enner Alcântara, mostra que as áreas descobertas foram destinadas para a agropecuária, especialmente para plantações de soja.
O rápido avanço das monoculturas — e as consequências para o ambiente — não é tratado como tema prioritário entre as propostas de Kurten. Ao contrário, sob a avaliação de que Cláudia “vem passando por uma transição na economia, da madeira para a agricultura, pecuária”, o político privilegia ações para ampliar a produtividade rural. Sobre a perda de vegetação nativa, ele sugere a “formação de brigadas em parceria com produtores rurais e demais órgãos para o combate ao fogo”.
FELIZ NATAL (MT) ELEGE UM DOS RECORDISTAS EM MULTAS PELO IBAMA
A cerca de 200 quilômetros de Cláudia, em Feliz Natal (MT), o ex-prefeito (2013-2016) José Antonio Dubiella (MDB) volta ao cargo. Dono da madeireira Vinicius, Dubiella, que teve 53,3% dos votos, figura em quarto lugar entre os recordistas de infrações ambientais nas eleições de 2020, conforme levantamento da Agência Pública. Entre 2015 e 2017, ele recebeu cinco autuações por desmatamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) totalizando R$ 3,1 milhões.
Em 2017, a Polícia Civil executou um mandado de busca e apreensão na sua residência, onde foram encontrados uma espingarda calibre 22 sem numeração e dois animais silvestres abatidos. Preso em flagrante, Dubiella foi solto pouco depois, mas o Ministério Público do município acatou a acusação do caso e o processo continua aberto. No mesmo ano, ele foi apontado como líder de um esquema de roubo de madeira e grilagem no Assentamento Ena. Segundo denúncias de membros da cooperativa local, ele extraiu ilegalmente, ali, 12 mil metros cúbicos de toras.
No ano de sua primeira eleição para prefeito, em 2012, Dubiella teria prometido aos assentados parte dos lucros da exploração madeireira em troca de votos, segundo denúncia do Ministério Público Estadual. O caso foi arquivado em 2017 pela Justiça Eleitoral.
Em Matupá (MT), cidade distante 209 quilômetros de Sinop, o madeireiro Fernando Zafonato (DEM) volta à prefeitura depois de oito anos com 48,8% dos votos. Ele vai receber o cargo do atual prefeito, Valter Miotto (MDB), seu rival político. Nem sempre foi assim. Em 2001, quando também era prefeito do município, Miotto promulgou uma lei com o objetivo de doar um lote urbano de 28 mil metros quadrados para a madeireira Suprema Esquadrias de Madeira Ltda, empresa de Zafonato. O caso é um exemplo de como o poder político pode beneficiar empresários do setor.
EXTRAÇÃO ILEGAL DE MADEIRA INCENTIVA A VIOLÊNCIA NO CAMPO
No Tocantins, o município de Pau d’Arco reelegeu um madeireiro com 56,9% de votos. João Batista Neto (PP), o “João da Serraria”, é dono de duas empresas do setor: Imavel Industria,Comercio e Exportação de Madeiras Vale Verde Ltda. e Comércio e Tratamento de Madeiras Green World Ltda.
Com capital social de R$ 70 mil, a Green World expande atuação com duas filiais: uma em Araguaína (TO) e outra em Santa Fé do Araguaia (TO). A matriz, por sua vez, tem ao menos uma operação em Palmeirante (TO), na Fazenda Santa Luzia. Os municípios nos quais a companhia opera localizam-se ao redor de Pau D’Arco, em uma raio inferior a 500 quilômetros.
Em sua declaração de bens à Justiça Eleitoral, João da Serraria indica ter comprado por R$ 50 mil um terreno rural de 2,6 mil hectares da empresa Supergasbras Madeiras Ltda. Ele informou o CNPJ errado, mas o observatório apurou que se trata, atualmente, da Susama Indústria e Comércio de Madeiras Ltda, de Santana do Araguaia (PA), em nome de outros empresários, baixada em 2017.
Pau D’Arco é conhecida pela violência contra camponeses. Em maio de 2017, no crime conhecido como Massacre de Pau D’Arco, dez trabalhadores rurais foram mortos por policiais civis e militares no interior da fazenda Santa Lúcia. Entre as vítimas estava a presidente da associação dos trabalhadores, única alvejada com tiro na cabeça. Em 2017, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará afastou das atividades os 29 policiais envolvidos na operação, mas o crime permanece impune.
De acordo com a Terra de Direitos, as causas desse estado de impunidade estão diretamente ligadas aos interesses daqueles que comandam os crimes e chefiam as quadrilhas da pistolagem (fazendeiros, madeireiros, empresários do agronegócio, mineradores), que concentram a maioria absoluta das terras, têm grande poder econômico e fortes influências políticas.
O cenário de violência e impunidade é o mesmo em toda a Amazônia. Dos mais de 300 assassinatos que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou desde 2009, na região, apenas 14 foram levados a julgamento. O relatório da CPT aponta mais de 40 casos de ameaças de morte no período — nos quais a Human Rights Watch obteve evidências críveis de que os autores estavam envolvidos na extração ilegal de madeira e que as vítimas foram alvo porque se colocaram no caminho de suas atividades criminosas.
DOIS MUNICÍPIOS PARAENSES REELEGEM DONOS DE MADEIREIRA AUTUADOS
No sudoeste do estado, em Trairão (PA) o atual prefeito, Valdinei Jose Ferreira (PL), o Django, permanecerá na prefeitura. após receber 59% dos votos. Dono da Madeireira Dyango, foi multado em R$ 7,1 milhões entre 2006 e 2012 por desmatamento pelo Ibama. Em abril deste ano, foi condenado por desmatar de 1.300 hectares no município. Em julho, por operar uma serraria sem licença em Trairão, recebeu uma multa de R$ 43,3 mil.
A sentença do juiz da 2.ª Vara Cível de Itaituba (PA), Francisco Gilson Duarte Kumamo, relata que em 2011 os fiscais do Ibama encontraram resíduos de beneficiamento de madeira dispostos a céu aberto e um grande depósito de serragem em uma de suas propriedades. Django não declarou bens à Justiça Federal.
Em Itaituba, no sudoeste paraense, Valmir Climaco de Aguiar (MDB) foi reeleito com 77% dos votos mesmo com seu histórico de envolvimento com o tráfico. Climaco foi personagem de reportagens da série “O Voto que Devasta”, publicada nas últimas semanas por De Olho nos Ruralistas, como esta: “Acusado de grilagem, desmatamento e tráfico, prefeito é retransmissor da Globo em Itaituba (PA)“.
Com R$ 2,9 milhões em multas do Ibama por desmatamento entre 1997 e 2004, o prefeito foi denunciado em 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF) de Santarém (PA) por falsificar guias florestais para possibilitar o “despacho aduaneiro de exportação”. Não foi um caso isolado. Em 2019, ele foi condenado a quatro anos e nove meses de detenção por destruir 746 hectares de floresta nativa para exploração de madeira.
Ele também foi investigado em outros temas. Em julho do ano passado, a Polícia Federal encontrou em uma das suas fazendas um avião com armas e 583 kg de cocaína. Climaco alegou inocência — disse que parte da propriedade tinha sido invadida — e as acusações foram arquivadas. Não foi a primeira vez que teve o seu nome ligado ao comércio ilegal de entorpecentes. Em 2000, anos antes de construir seu império agropecuário, ele foi acusado de envolvimento com o tráfico internacional de drogas durante a CPI do Narcotráfico, chegando a ser indiciado pela comissão parlamentar.
Após receber a notícia de que tinha sido reeleito, o político pediu aos apoiadores cautela na comemoração. Horas depois, foi flagrado consumindo bebida alcoólica pelas ruas de Itaituba em contato físico direto com apoiadores; todos sem máscara.
| Priscilla Arroyo é jornalista. |
Foto principal (Marinha do Brasil): Agentes da Marinha interceptam carga de madeira ilegal na Amazônia
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