terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Crise climática fica em segundo plano no Plano Decenal de Energia 2030

 WWF

Crise climática fica em segundo plano no Plano Decenal de Energia 2030



15 janeiro 2021    
Documento do MME não apresenta ações concretas para combater as mudanças climáticas e desconsidera risco de se investir em fontes fósseis

O Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, cuja consulta pública encerra-se no dia 13 de janeiro, é o principal documento de planejamento do setor energético brasileiro. Elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética a partir de diretrizes definidas pelo Ministério de Minas e Energia, ele incorpora a visão do governo federal para todo o setor energético, tendo o propósito de nortear as políticas públicas e os investimentos públicos e privados em um horizonte de 10 anos.  

Por essa razão, é de se esperar que ele indique as mudanças necessárias para diminuir a dependência dos combustíveis fósseis e as emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico. Certamente são positivas as análises sobre a energia eólica offshore, que compreende um enorme potencial a ser desbravado, e a inserção de termelétricas inflexíveis na base, que em tese permitiria às hidrelétricas ampliar seu papel de regulação do sistema elétrico, facilitando a disseminação da energia eólica e solar. Também é positivo que o PDE 2030 aponte a relevância de mecanismos importantes, como a precificação do carbono e a adoção de soluções baseadas na natureza, ambos os quais permitem incorporar de maneira mais consistente não apenas a questão climática, mas outros fatores socioambientais na expansão da matriz energética.  

Infelizmente, a expansão proposta para a matriz não indica uma evolução estrutural em direção à economia de baixo carbono, em linha com o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global bem abaixo de 2°C até o fim do século. A leitura do PDE 2030 mostra que as  mudanças climáticas são um problema secundário para o governo federal, supostamente longe de nossa realidade imediata. Não há uma discussão sobre a transição energética para fontes renováveis de baixo impacto, notadamente para o segmento de transportes, maior emissor de gases de efeito estufa no setor de energia. A análise das emissões foca na comparação com o proposto na NDC (contribuição nacionalmente determinada) apresentada em 2015, a qual deveria ter sido revisada no ano passado. 

O PDE 2030 conclui que a oferta de combustíveis continuará sendo baseada em derivados de petróleo, sem explorar alternativas para migração para combustíveis sustentáveis ou analisar o risco de o país investir centenas de bilhões de reais na exploração do petróleo com a perspectiva de custos crescentes das emissões de carbono. Ademais, não se discutem os riscos econômicos, ambientais e sociais da expansão da exploração de petróleo em novas fronteiras exploratórias: por serem áreas sobre as quais se tem menos conhecimento geológico, experiência operacional e infraestrutura instalada, elas estão mais sujeitas a atrasos, acidentes e não previstos e até mesmo inviabilidade econômica para produção. Isso é especialmente verdade na margem equatorial, para onde a Petrobras prevê investimentos de US$ 1 bilhão. É importante que o PDE 2030 aponte a necessidade da realização das Avaliações Ambientais de Área Sedimentar para todas as bacias além das realizadas para as do Solimões e Sergipe-Alagoas. Esse processo permite identificar potenciais impactos socioambientais de maneira sistêmica, o que evitaria a concessão de áreas problemáticas, investimentos equivocados e processos de licenciamento conflituosos. 

Até mesmo o carvão, altamente poluente, caro e de pouca relevância para o Brasil, é considerado como opção para geração de eletricidade. Não faz sentido apostar em modernização de térmicas a carvão se já foi definido o fim de subsídios para a fonte via Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) em 2027. É uma questão de tempo para que os atuais investidores migrem desse setor, – possivelmente antes até do que se espera. Mais producente seria se o PDE 2030 propusesse políticas para descomissionamento delas, facilitando a migração da cadeia carbonífera – trabalhadores e empresas – para outras atividades.  

Por outro lado, alternativas inovadoras, como a inserção do hidrogênio verde como combustível ou a utilização da macaúba para a produção de biocombustíveis são deixados de lado. É necessário propor melhoramentos ao RenovaBio, aumentando sua abrangência e escopo, e avaliar em que medida o Brasil pode se beneficiar das sinergias que os biocombustíveis, os veículos elétricos e o hidrogênio podem oferecer. 

A retomada econômica e o combate à crise climática são prioritários para o desenvolvimento do país. É preciso que o setor energético, tão intrinsicamente ligado a essas questões, também as trate como prioridades.

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