Interior da Terra tem seis vezes mais água que os oceanos
Redação do Site Inovação Tecnológica - 29/09/2022
A pista para a água do interior da Terra está dentro de inclusões encontradas no diamante - as inclusões podem ser de um mineral sólido ou conter líquidos ou gases.
[Imagem: Tingting Gu et al. - 10.1038/s41561-022-01024-y]
Oceano no interior da Terra
No clássico Viagem ao Centro da Terra, Júlio Verne imaginou todo um novo mundo abaixo de nossos pés, incluindo um oceano nas profundezas da Terra.
Agora, usando experimentos científicos, geólogos alemães demonstraram que a ideia de o interior da Terra ter tanta água quanto os oceanos na superfície não é assim tão estapafúrdia.
"Neste estudo, nós demonstramos que a zona de transição não é uma esponja seca, mas contém quantidades consideráveis de água. Isso também nos aproxima da ideia de Júlio Verne de um oceano dentro da Terra. A diferença é que não há um oceano lá embaixo, mas rochas hidratadas," disse Frank Brenker, da Universidade Goethe.
Na verdade, embora pareça haver muita água lá embaixo, essas rochas não apenas não pingariam água, como sequer pareceriam molhadas ao toque.
Mas o volume de água que elas podem conter em sua estrutura cristalina é tão grande que elas poderiam teoricamente absorver o equivalente a seis vezes a quantidade de água de todos os oceanos da Terra, segundo o cálculo dos geólogos.
Detalhe de uma das inclusões estudadas pela equipe.
[Imagem: Tingting Gu et al. - 10.1038/s41561-022-01024-y]
Zona de transição
A zona de transição a que o pesquisador se refere é o nome dado à camada que separa o manto superior da Terra e o manto inferior. Ela está localizada a uma profundidade de 410 a 660 quilômetros.
A imensa pressão - de até 23.000 bar - faz com que o mineral verde-oliva olivina, também conhecido como peridoto e que constitui cerca de 70% do manto superior da Terra, tenha sua estrutura cristalina alterada.
No limite superior da zona de transição, a cerca de 410 quilômetros de profundidade, a olivina converte-se em um mineral mais denso, chamado wadsleyíta; e, a 520 quilômetros, ela se metamorfoseia na ainda mais densa ringwoodita - a wadsleyíta foi batizada em homenagem a Arthur David Wadsley (1918-1969), e a ringwoodita homenageia Alfred E. Ringwood (1930-1993).
"Essas transformações minerais dificultam muito os movimentos das rochas no manto," explica o Prof. Brenker. Por exemplo, as plumas do manto - colunas ascendentes de rocha quente do manto profundo - às vezes param diretamente abaixo da zona de transição. O movimento de massa na direção oposta também pára, criando um gigantesco depósito de material.
"As placas subductoras também carregam sedimentos do fundo do mar para o interior da Terra. Esses sedimentos podem conter grandes quantidades de água e CO2. Mas até agora não estava claro o quanto entra na zona de transição na forma mais estável de minerais hidratados e carbonatos - e, portanto, também não estava claro se grandes quantidades de água realmente são armazenadas lá".
As condições prevalecentes lá embaixo certamente seriam propícias a isso. Os minerais wadsleyíta e ringwoodita podem (ao contrário da olivina em profundidades menores) armazenar grandes quantidades de água - tão grandes que a zona de transição teoricamente seria capaz de absorver seis vezes a quantidade de água em nossos oceanos.
"Então, sabíamos que a camada limite tem uma enorme capacidade de armazenamento de água," disse Brenker. "No entanto, não sabíamos se esse era realmente o caso."
Este é o pequeno diamante brasileiro usado no estudo de 2014, que era pequeno demais para que as conclusões pudessem ser generalizadas.
[Imagem: D. G. Pearson et al. - 10.1038/nature13080]
Inclusões no diamante
Em 2014, Brenker fez parte de uma equipe analisou um diamante encontrado no Brasil, na cidade de Juína (MT), e comprovou a existência de ringwoodita rica em água incrustada no diamante. Mas, na ocasião, a equipe reconheceu não ser possível demonstrar que a ringwoodita presente no diamante era representativa da zona de transição porque o diamante era pequeno demais, com cerca de três milímetros.
Ele prosseguiu nessa linha de pesquisa, analisando agora um diamante maior, encontrado em Botswana, na África, que se formou a uma profundidade de 660 km, bem na interface entre a zona de transição e o manto inferior, uma região quase totalmente tomada pela ringwoodita.
Diamantes dessa região são muito raros, mesmo entre os diamantes raros de origem super-profunda, que representam apenas um por cento dos diamantes já encontrados na superfície.
As análises revelaram que a pedra contém inúmeras inclusões de ringwoodita - que apresentam alto teor de água. Além disso, os pesquisadores conseguiram determinar a composição química da pedra: É quase exatamente a mesma de praticamente todos os fragmentos de rocha do manto encontrados em basaltos em qualquer lugar do mundo, comprovando que o diamante definitivamente veio de um pedaço normal do manto da Terra.
E as inclusões no diamante de 1,5 centímetro de Botsuana, que a equipe investigou agora, eram grandes o suficiente para permitir que a composição química precisa fosse determinada, e isso forneceu a confirmação final dos resultados preliminares de 2014.
Zona de transição dinâmica
Um alto teor de água na zona de transição tem consequências de longo alcance para o comportamento dinâmico do interior da Terra, permitindo que os geólogos criem modelos totalmente novos.
A equipe propõe, por exemplo, que as plumas quentes vindas do manto abaixo, que ficam presas na zona de transição, aquecem a zona de transição, o que, por sua vez, leva à formação de novas plumas menores, que absorvem a água. Se essas plumas menores do manto, ricas em água, agora migram para cima e rompem a fronteira para o manto superior, a água contida nas plumas do manto é liberada, o que diminui o ponto de fusão do material emergente.
Esse material então derrete imediatamente, e não apenas antes de atingir a superfície, como geralmente acontece. Como resultado, as massas rochosas nessa parte do manto da Terra não são mais tão resistentes como se acreditava, o que dá mais dinamismo aos movimentos de massa.
A zona de transição, que de outra forma atuaria como uma barreira para a dinâmica, de repente se torna um motor da circulação global do material no interior do planeta.
Bibliografia:
Artigo: Hydrous peridotitic fragments of Earth’s mantle 660-km discontinuity sampled by a diamond
Autores: Tingting Gu, Martha G. Pamato, Davide Novella, Matteo Alvaro, John Fournelle, Frank E. Brenker, Wuyi Wang, Fabrizio Nestola
Revista: Nature Geoscience
Vol.: 507, pages 221-224
DOI: 10.1038/s41561-022-01024-y
Artigo: Hydrous mantle transition zone indicated by ringwoodite included within diamond
Autores: D. G. Pearson, F. E. Brenker, F. Nestola, J. McNeill, L. Nasdala, M. T. Hutchison, S. Matveev, K. Mather, G. Silversmit, S. Schmitz, B. Vekemans, L. Vincze
Revista: Nature
DOI: 10.1038/nature13080