Folha de São Paulo
A importância de tal insumo na evolução dos computadores não é, contudo, a mais determinante razão do Vale do Silício ter se tornado o principal hub tecnológico do mundo. A chave para entender o êxito de tal região tem nome: planejamento estratégico. E muitos veem nisso o acerto de se atribuir um caráter "empreendedor" às funções de governo no campo da inovação.
Na viagem que faz aos EUA na semana que vem, além de encontros com
investidores em Nova York e Barack Obama na Casa Branca, Dilma incluirá no itinerário uma ida a São Francisco.
Timothy A. Clary/AFP | ||
Computador pessoal de primeira geração da Apple, feito na garagem de Steve Jobs, leiloado em 2014 |
Compromissos em universidades de ponta como Stanford e Berkeley e
conversas com líderes de empresas de alta tecnologia estão na agenda.
Eventualmente, anuncia-se que ela visitará a sede do Google, em Mountain
View. O que significa Dilma no Vale do Silício?
Numa primeira análise trata-se de louvável iniciativa. A alta densidade
de conhecimentos, tecnologias e patentes gestados naquele parte do mundo
não encontra paralelo. Há um bocado para aprender e com que se
inspirar.
Muitas regiões em outros países, como Silicon Wadi (Israel),
Zhongguancun (China), Skolkovo (Rússia) e mesmo Bangalore (Índia),
modelam-se de alguma forma no Vale do Silício.
Há uma imediata relação entre aquela região e a própria história da computação.
O silício, essencial à fabricação de microprocessadores, facilitou uma
natural aglomeração de indústrias de tecnologias da informação naquelas
cercanias.
A importância de tal insumo na evolução dos computadores não é, contudo, a mais determinante razão do Vale do Silício ter se tornado o principal hub tecnológico do mundo. A chave para entender o êxito de tal região tem nome: planejamento estratégico. E muitos veem nisso o acerto de se atribuir um caráter "empreendedor" às funções de governo no campo da inovação.
A experiência histórica demonstra que o governo dos Estados Unidos
desempenhou, sim, fundamental papel no aparecimento, consolidação e
florescimento tecnológico do Vale do Silício. Na mesma medida, governos
na Coreia do Sul, China ou Cingapura também jogam pesado - e tem
triunfado - no desafio da inovação.
Isso supostamente legitimaria a adoção de políticas que viessem a
combinar graus variados –e intensos– de reserva de mercado, crédito
privilegiado ao empreendimento tecnológico, escolha de setores
industriais "campeões" e volumosos subsídios a certos tipos de
tecnologias ou empresas.
Boa síntese dessa posição de mais "ingerência" de instâncias
governamentais no processo inovador encontra-se no trabalho de Mariana
Mazzucato, professora da Universidade de Sussex, na Inglaterra.
Seu recém-lançado livro, "O Estado Empreendedor - desmascarando o mito
do setor público vs. o setor privado" (editora Portfolio Penguin; R$
44,90), parece, à primeira vista, cair como uma luva ao que os governos
Lula e Dilma interpretaram e praticaram como misto de política
industrial e tecnológica.
Muitos dos protagonistas da cena governamental desde 2003 certamente
desejam alicerçar suas posições protecionistas e estatizantes na obra da
professora. Da mesma forma, outros buscaram legitimação das políticas
de alívio à pobreza (e não de desenvolvimento social) no trabalho de
Piketty sobre a tendência à desigualdade de renda no capitalismo
ocidental.
Aliás, Mazzucato foi recebida no Palácio do Planalto no mês passado com
pompa e circunstância. Sua conversa com Dilma durou três horas. Na
saída, direito à entrevista coletiva com o titular do Ministério da
Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo.
Provavelmente, a professora não sabia que, em plenos anos 1990, em meio à
devastadora revolução da internet, Rebelo, na condição de deputado
federal, propusera lei que impediria a adoção por qualquer órgão público
de inovação tecnológica que fosse poupadora de mão de obra.
O episódio explica muito por que, quando se fala em "papel do Estado" na
inovação, não se pode generalizar como se a esfera estatal fosse um ser
uniforme –em conteúdo, motivações, modus operandi e objetivos–, não
obstante as diferentes realidades de cada país.
Se é verdade que nos EUA se disponibilizam imensos recursos públicos
para financiar a ciência básica, a maior parte da inovação se dá no
âmbito privado.
Edward Jung, ex-arquiteto-chefe da Microsoft, explica bem o ponto. O
governo dos EUA criou, desde os anos 1950, uma "montanha de demanda" por
inovação tecnológica, sobretudo a partir de orçamentos militares ou
espaciais.
Como não existem empresas estatais nos EUA, uma vez gerada a tecnologia
em resposta à demanda estatal, as companhias transformam aquele
conhecimento em "tecnologias colaterais" aplicáveis aos mercados civis.
Curiosamente, este modelo, não necessariamente centrado em orçamentos
militares, também tem sido amplamente utilizado nos países asiáticos de
maior inovação na Ásia. É dizer, não é por que há um papel para o Estado
que o processo de inovação deva ser estatizado, como muitas vezes se
acredita tanto em universidades quanto em órgãos governamentais
brasileiros.
Há, no entanto, muitos outros parâmetros que vão além da experiência de
inovação do Vale do Silício. Planejamento estratégico tem de vir
acompanhado de marcos institucionais e atitudes que convidem à inovação.
Além disso, o volume de recursos importa. Os EUA destinam 3% de seu PIB
à pesquisa & desenvolvimento; o Brasil, 1%.
A carga tributária norte-americana é 28% de seu produto, no Brasil, dez pontos percentuais acima. Sobram portanto muito mais recursos para as empresas nos EUA apostarem em inovação.
A carga tributária norte-americana é 28% de seu produto, no Brasil, dez pontos percentuais acima. Sobram portanto muito mais recursos para as empresas nos EUA apostarem em inovação.
Nos Estados Unidos, as instituições de ensino mantêm plena interação com
empresas. No Brasil, as universidades públicas em sua maioria querem
distância do setor privado. A mentalidade estatista é um grande
obstáculo à inovação, basta examinar os abundantes exemplos da União
Soviética, onde se produzia excelente ciência, foguetes eram enviados ao
espaço, mas não se conseguia fabricar um forno de micro-ondas.
Um das principais ensinamentos que Dilma poderia trazer de sua visita ao
Vale do Silício é que planejamento estratégico tem de vir acompanhado
de marcos institucionais e atitudes que convidem à inovação. Ao aplicar
tais princípios à realidade brasileira, a discussão deveria centrar-se
menos em como o governo pode ajudar a inovação, e mais em como ele a
atrapalha.
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