A mais recente fase da operação Lava Jato, que resultou na prisão dos
presidentes das empreiteiras Andrade Gutierrez e Odebrecht, na semana
passada, lançou novas dúvidas sobre o futuro de grandes obras em
andamento conduzidas pelas duas empresas, em especial pela última.
Mas o poderio econômico do conglomerado, fundado há mais de 70 anos, vai resistir aos desdobramentos da operação Lava Jato? E mais: como isso afetará o andamento de obras importantes, como a construção do submarino nuclear, a usina de Belo Monte ou mesmo as Olimpíadas de 2016?
Um dos principais desafios, dizem especialistas ouvidos pela BBC Brasil, envolve a capacidade de financiamento da empresa. Obras de grande magnitude necessitam de somas significativas de dinheiro e são financiadas por meio de capital próprio, ações e debêntures (títulos de dívida que a companhia emite no mercado para captar recursos) ou empréstimos bancários ─ públicos e privados.
O problema é que, dependendo do rumo das investigações, essa fonte de capital pode "secar", prejudicando não só a saúde financeira da companhia quanto o andamento das obras realizadas por ela.
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A construtora, por exemplo, é uma das 23 empresas que teve o bloqueio cautelar imposto pela Petrobras em dezembro do ano passado. Como resultado, está impedida de ser contratada ou participar de licitações da estatal.
Na outra ponta, o crédito no mercado internacional vem diminuindo para companhias investigadas pela Lava Jato. No Brasil, as garantias pedidas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ─ até então o principal fiador das empreiteiras – aumentaram, tornando a concessão dos empréstimos mais seletiva. E os bancos privados, por sua vez, também recuaram: as linhas até existem, mas o custo aumentou substancialmente ─ assim como as exigências e as garantias.
"Diante desse cenário, é provável que haja um atraso no cronograma de algumas obras, mas não acho que elas serão completamente interrompidas. A situação está bastante indefinida no momento e vai depender do desenrolar das investigações", disse à BBC Brasil Adriano Pires, sócio-diretor da consultoria CBIE (Centro Brasileiro de Infra Estrutura).
"No caso específico da Odebrecht, acredito que o governo fará de tudo para achar uma solução por meio da qual os envolvidos sejam punidos, mas a instituição seja mantida. Do contrário, muita gente vai perder o emprego e o impacto na economia ─ com a paralisação das obras ─ será, sem dúvida, significativo", acrescentou.
Pires ressalva, entretanto, que o governo tem pouco espaço de manobra, pois carece de "popularidade e credibilidade". Ele cita o caso do PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), criado e implantado durante a década de 90 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso para salvar bancos privados, a fim de evitar uma crise sistêmica.
"Naquela época, a popularidade de FHC estava em baixa, mas ele tinha credibilidade, o que lhe permitiu tirar o programa do papel. A Dilma, por outro lado, carece de popularidade e credibilidade, o que torna tudo mais difícil", critica.
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Indefinição
Para Hélcio Takeda, diretor de pesquisa econômica da consultoria Pezco Microanalysis, os últimos desdobramentos da Lava Jato geram uma "indefinição" sobre o andamento das principais obras do país.Ele lembra que, no início deste mês, o governo anunciou um novo pacote de concessões envolvendo rodovias, ferrovias, portos e aeroportos para modernizar a infraestrutura brasileira e, assim, retomar o crescimento da economia.
"Seria prematuro dizer o que acontecerá agora com a Odebrecht. [O andamento das obras] vai depender de como as investigações vão afetar a capacidade de financiamento da empresa. Neste momento, tudo ainda está muito nebuloso", disse ele à BBC Brasil.
Um estudo recente realizado pela Pezco Microanalysis mostra que, nos últimos cinco anos, os investimentos em infraestrutura como proporção do PIB (Produto Interno Bruto) estão em queda no Brasil. E, neste ano, devem cair ainda mais, para 1,75% do PIB, nível próximo ao registrado em 2003 (1,77%) e considerado insuficiente para manter a atual infraestrutura existente no país. "O ideal seria pelo menos 2,1% do PIB", diz Takeda.
"Para o ano que vem, prevemos que os gastos com infraestrutura subam para 1,92% do PIB com a melhora do ambiente macroeconômico", acrescenta ele, que, no entanto, admite que o patamar pode ser revisto dependendo dos desdobramentos da operação Lava Jato.
"Nesse sentido, seria interessante observar como ficará a composição dos players nesse mercado, ou seja, se o governo vai apostar em empresas de pequeno e médio porte e estrangeiras para tocar essas obras".
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Falência?
Nos bastidores, o governo já se articula para tentar que as empreiteiras investigadas pela Lava Jato que fizerem acordos de leniência ─ uma espécie de delação premiada ─ possam continuar sendo financiadas pelos bancos públicos.O objetivo é evitar falências e desemprego ─ de outubro do ano passado a fevereiro deste ano, as empreiteiras já demitiram 170 mil trabalhadores.
Três construtoras ─ OAS, Galvão Engenharia e Grupo Schahin ─ entraram com pedido de recuperação judicial e várias outras também estão sob a mesma ameaça.
Na semana passada, após a prisão dos presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, a agência de classificação de risco Moody’s colocou em revisão para rebaixamento as notas das duas empresas. A nota, ou rating, mede a capacidade de uma companhia de honrar suas dívidas.
"Esta revisão para rebaixamento foi motivada pela percepção da Moody's de aumento de risco de crédito para OEC (Odebrecht Engenharia e Construção) após os mandados de busca e apreensão (...) esses eventos podem afetar negativamente a execução de estratégias de crescimento da empresa no curto prazo e pressionar ainda mais os já desafiadores fundamentos da indústria de engenharia e construção do Brasil", afirmou o comunicado da Moody’s sobre a Odebrecht.
Na tarde de terça-feira, outra agência de classificação de risco, a Standard & Poor's, informou que rebaixou a nota de crédito da Odebrecht, com perspectiva negativa.
Principais obras
Apesar das incertezas, a Odebrecht diz que as obras "prosseguem normalmente" (veja mais abaixo). A reportagem da BBC Brasil elencou cinco das principais obras envolvendo a empresa no país:Olimpíadas 2016
Juntamente com outras duas construtoras ─ Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken, a Odebrecht participa do consórcio responsável pela principal obra dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio-2016: o Parque Olímpico, sede da maioria das competições. A construção da estrutura esportiva está orçada em R$ 1,375 bilhão.
Além do Parque Olímpico, a empreiteira atua na revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro (Porto Maravilha) e na construção da Linha 4 do metrô.
Usina de Belo Monte
Construída a um custo aproximado de R$ 26 bilhões, a Usina de Belo Monte, no Pará, deveria ter a primeira turbina funcionando em novembro, mas a inauguração deve atrasar pelo menos um ano.
As obras são realizadas por um consórcio que inclui, além da Odebrecht, as construtoras Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa.
Quando estiver em pleno funcionamento, Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo e a maior inteiramente brasileira (Itaipu, a segunda maior, encontra-se na fronteira entre Brasil e Paraguai).
Submarino nuclear
Principal projeto de defesa nacional, impulsionado em grande parte pelas descobertas do pré-sal, o primeiro submarino brasileiro com propulsão nuclear está sendo desenvolvido pela Odebrecht em parceria com a francesa DCNS a um custo inicial de R$ 20 bilhões e deve ser entregue em 2023.
Navios-sonda
Por encomenda da Sete Brasil (estatal criada para gerenciar a construção das sondas para a exploração do pré-sal), a Odebrecht está construindo, no Recôncavo Baiano, seis navios-sondas, a um custo total de US$ 4,8 bilhões (R$ 15 bilhões em valores atuais).
Quatro deles serão operados pela OOG (Odebrecht Óleo e Gás) e dois pelas empresas Etesco/OAS.
Comperj
Iniciada em 2012, a construção do ciclo de água e utilidades, o maior contrato da Comperj (Complexo Petroquímico do Rio), vinha sendo executada pelo consórcio TUC que, além da Odebrecht, inclui as empreiteiras Toyo e UTC, também investigadas pela Lava Jato.
A obra, orçada em R$ 11,6 bilhões, está paralisada e há indícios de propina.
Outro lado
Em nota enviada à BBC Brasil, a Odebrecht informou que não há perspectiva de interrupção nas obras em andamento.
"Todos os projetos realizados pela Odebrecht Infraestrutura, entre eles os da Olímpiada 2016 prosseguem normalmente", informou o comunicado.
"A Enseada Indústria Naval S.A. possui governança própria, com gestão e gestores independentes, o que permite e garante a continuidade de suas atividades e dos projetos sob sua responsabilidade".
"A Odebrecht Engenharia Industrial informa que as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) prosseguem conforme previsto em contrato".
"A Odebrecht Defesa e Tecnologia esclarece que a fabricação dos submarinos prossegue normalmente. A empresa reforça ainda que não é investigada pela Operação Lava Jato".
"Todos os projetos realizados pela Odebrecht Infraestrutura, entre eles os da Olímpiada 2016 prosseguem normalmente", informou o comunicado.
"A Enseada Indústria Naval S.A. possui governança própria, com gestão e gestores independentes, o que permite e garante a continuidade de suas atividades e dos projetos sob sua responsabilidade".
"A Odebrecht Engenharia Industrial informa que as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) prosseguem conforme previsto em contrato".
"A Odebrecht Defesa e Tecnologia esclarece que a fabricação dos submarinos prossegue normalmente. A empresa reforça ainda que não é investigada pela Operação Lava Jato".
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