quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
19:59 | Postado por Carol Strelau | |
Poluição: Uma nova economia do plástico é urgente. Entrevista especial com Reinaldo Dias
“No mundo todo, mais de 70% do plástico produzido é depositado em aterros ou lançado em cursos d’água”, alerta o professor e especialista em Ciências Ambientais.
A poluição provocada pelo descarte inadequado do excedente gerado pela lógica do consumo exacerbado, inerente ao sistema capitalista, que alimenta a obsolescência e incentiva a substituição incessante de bens de todo tipo, é um problema conhecido. As consequências desse comportamento também são sabidas, porém ele continua recorrente. A situação se agrava quando ao examinamos o material do qual é formada a maior parte desses produtos descartados: o plástico. Pesquisas revelam que as diversas formas assumidas pelo plástico, seja a presente em garrafas PET ou nas fraldas descartáveis, levam cerca de 450 anos para se decompor na natureza. O pior é que a maior parte de todo o plástico produzido no mundo não é reutilizada e é descartada de forma inadequada, poluindo aterra e principalmente a água, tanto rios como oceanos.
Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, o professor e especialista em Ciências Ambientais, Reinaldo Dias, chama a atenção para os dados divulgados recentemente pelo relatório “A nova economia do plástico: repensando o futuro”, elaborado pela Consultoria McKinsey & Co. e a Organização Não Governamental Ocean Conservancy e apresentado neste ano no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Para o pesquisador, o estudo é “um alerta para a humanidade de que estamos inviabilizando a vida marinha, sua diversidade e o enorme potencial que os oceanos possuem de produzir alimentos que amenizariam o problema da fome no mundo”.
Segundo o professor, atualmente “há cinco grandes manchas de lixo nos oceanos que podem ser vistas do espaço e que contêm cerca de 90% de resíduos plásticos. A ilha de lixo situada entre o Havaí e a Califórnia tem uma extensão de 1,4 milhão de km2. A mancha menos conhecida é a do Oceano Índico, mas acredita-se que é enorme, podendo chegar a uma extensão de 5 milhões de km2”.
O Brasil, através da Lei 12.305/2010 busca regulamentar a questão do descarte de lixo instituindo a Política Nacional dos Resíduos Sólidos. Porém, da mesma forma que outras tantas leis no país, tais normas não são cumpridas. Dias aponta que “a lei havia dado prazo até agosto de 2014 para que as cidades acabassem com os lixões e aterros sem condições técnicas, no entanto até hoje menos de 40% dos municípios atingiram a meta estabelecida e se mantiver a média de crescimento do setor, o objetivo somente será atingido em 150 anos”.
O pesquisador afirma que a conscientização sobre o papel individual de cada cidadão, se responsabilizando pelo descarte correto do lixo que produz, e uma mudança na mentalidade política e econômica em relação à reutilização são os caminhos mais promissores em direção à mudança desse cenário. “A questão da reciclagem, de plástico e de outros materiais, deve ser vista dentro do contexto de formação de uma economia verde, de maior eficiência energética e na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Nesse caso, deve ser considerada um novo nicho industrial, de transformação do lixo em riqueza”, ressalta.
Reinaldo Dias é graduado em Ciências Sociais, mestre em Ciência Política e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. É especialista em Ciências Ambientais pela Universidade São Francisco – USF e atualmente leciona no curso de Administração do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas – CCSA da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que representam os dados do relatório “A nova economia do plástico: repensando o futuro”, elaborado pela Consultoria McKinsey & Co. e a ONG Ocean Conservancy e apresentado no Fórum de Davos?
Reinaldo Dias – Representa em primeiro lugar um alerta para a humanidade de que estamos inviabilizando a vida marinha, sua diversidade e o enorme potencial que os oceanos possuem de produzir alimentos que amenizariam o problema da fome no mundo. Em segundo lugar representa uma reafirmação da cultura do desperdício que afeta as empresas, mas também os cidadãos. É a incapacidade de pensar que os recursos são limitados e escassos, e que os espaços públicos devem ser tratados com os mesmos cuidados com que tratamos as áreas particulares.
Um terceiro ponto diz respeito à incipiente compreensão humana da nossa dependência do mundo natural, do qual dependemos totalmente, não havendo um único material em nossas casas e cidades que não tenha origem natural. Esse aparente distanciamento da cultura humana em relação à natureza deve ser combatido, pois não criamos um mundo artificial que independe do natural, eles são interdependentes e temos que realizar um intenso trabalho de educação ambiental para que todos os humanos compreendam isso.
IHU On-Line – Qual é o impacto, em termos de quantidade e potencial poluente, causado hoje ao meio ambiente pelo uso e descarte inadequado do plástico?
Reinaldo Dias – No mundo todo, mais de 70% do plástico produzido é depositado em aterros ou lançado em cursos d’água resultando em perdas enormes para alguns setores como o turismo, navegação e pesca. Além disso, também há um custo significativo para o poder público, que se vê às voltas com problemas causados pelo descarte inadequado desses materiais, como entupimento de redes de água e esgoto nas grandes cidades, causando alagamentos e destruição dos equipamentos públicos e a mortandade de peixes e outros animais de água doce e marinhos. Muitos animais ameaçados de extinção, como as diversas espécies de tartaruga, morrem em grande númeroasfixiados pela ingestão de plástico.
IHU On-Line – Que caminho em geral o plástico faz antes de chegar aos oceanos? De onde provém a maior parte desse material?
Reinaldo Dias – Predominantemente do descarte feito pelas pessoas, garrafas pets estão entre os mais encontrados, entre outros objetos de uso pessoal. Esse plástico das residências vai para os rios e daí para os oceanos. O aumento da conscientização das pessoas de que sua ação individual causa esse impacto no mundo natural é fundamental para combater o problema.
IHU On-Line – Qual é a área mais poluída dos oceanos? Por quê?
“Há cinco grandes manchas de lixo nos oceanos que podem ser vistas do espaço”
Reinaldo Dias – Todos os mares apresentam correntes que se movem-se na forma de uma espiral e, na medida que avançam, vão concentrando todos os resíduos que encontram no caminho, formando ilhas ou manchas de lixo marinho, constituído principalmente de material plástico.
Há cinco grandes manchas de lixo nos oceanos que podem ser vistas do espaço e que contêm cerca de 90% de resíduos plásticos. A ilha de lixo situada entre o Havaí e a Califórnia tem uma extensão de 1,4 milhão de km2. A mancha menos conhecida é a do Oceano Índico, mas acredita-se que é enorme, podendo chegar a uma extensão de 5 milhões de km2.
IHU On-Line – De que forma o Brasil trata da questão do descarte adequado do lixo? Como estão as políticas para este setor? E em outros países, quais tratam desse tema de maneira melhor e pior no planeta?
Reinaldo Dias – O Brasil possui a Lei 12.305 de 2010 que instituiu a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, que se fosse cumprida estaríamos numa situação bem melhor do que estamos agora. A lei havia dado prazo até agosto de 2014 para que as cidades acabassem com os lixões e aterros sem condições técnicas, no entanto até hoje menos de 40% dos municípios atingiram a meta estabelecida e se mantiver a média de crescimento do setor, o objetivo somente será atingido em 150 anos. O problema somente será resolvido com vontade política e amadurecimento da população em relação à necessidade de destinação correta do lixo.
A política pública da destinação de lixo no Brasil deveria dar um enfoque central na educação ambiental ampla, precisa ser uma política efetiva de Estado, sem improvisos. Um dos países que enfrenta melhor o problema é a Alemanha, em termos de eficiência e sendo considerada a campeã da reciclagem. Nesse país, dos resíduos gerados, 45% são reciclados, 38% queimados e 17% são destinados à compostagem. A política europeia para o lixo está focada no slogan “lixo pode virar ouro”, que incentiva a criação de negócios relacionados com o reaproveitamento dos resíduos descartados.
Os países com a situação mais deplorável no que diz respeito ao tratamento do lixo são inúmeros, sendo impossível identificar o pior. É importante destacar a contribuição negativa dos países desenvolvidos ao descartarem seu lixo em países em desenvolvimento, principalmente localizados na África e na Ásia, neste último caso com destaque para Bangladesh, que recebe em suas praias grande quantidade de material depositado por navios originados de países ricos.
IHU On-Line – No caso do Brasil, há dados sobre a situação dos rios quanto à poluição com lixo?
Reinaldo Dias – Os dados são específicos para determinados rios que chamam mais atenção, como o Tiete ou Pinheiros em São Paulo, mas a situação se repete em todo o país, principalmente nas cidades. É facilmente encontrável na Internet cenas de acúmulo de milhares de garrafas PET e outros materiais em determinados pontos dos rios. Alguns cursos d’água se assemelham mais a esgotos a céu aberto irradiando mau cheiro, fenômeno comum em todas as capitais brasileiras. Infelizmente esta é a situação, que somente será resolvida com a ação efetiva do poder público, punindo empresas que contaminam e aumentando o nível de conscientização da população sobre o problema.
IHU On-Line – É possível encontrar uma alternativa ao uso do plástico? Quais são as variáveis envolvidas nesse processo?
Reinaldo Dias – O plástico tornou-se um componente essencial na nossa vida, é difícil encontrar no ambiente humano algum lugar onde não haja esse tipo de material. O que pode ser feito sempre é um melhor uso, com a responsabilidade compartilhada do seu descarte entre fabricantes, comerciantes e consumidores. Outro movimento deve ser a adoção, em alguns produtos, de plásticos formados por material biodegradável, que ameniza seus impactos ao meio ambiente, como por exemplo, nas sacolas utilizadas no comércio.
IHU On-Line – No mundo, o Brasil é o campeão na reciclagem de latas, reciclando 98% do total produzido no país. Por que ainda não se tem índices de reutilização como estes para o plástico?
Reinaldo Dias – Este é um bom exemplo de como pode ser encontrada uma solução no contexto do atual modo de produção capitalista, que é o vigente. A reciclagem das latas de alumínio foi transformada num bom negócio, sendo menor o custo de sua reciclagem do que a sua obtenção diretamente na natureza.
O plástico deve trilhar o mesmo caminho, tem que viabilizar negócios rentáveis que gerarão empregos e contribuirão para o meio ambiente. A questão é que a relação custo-benefício está desfavorável para que isto aconteça, pois a principal matéria-prima para o plástico, que é o petróleo, está em queda livre, com preços cada vez menores, o que barateia o seu custo de produção. Neste caso, a solução seria a criação de políticas de incentivo ao setor, maior profissionalização dos empreendedores com a adoção de métodos de gestão adequados para o setor e geração de empregos decentes, pois ocorre neste campo muita exploração de mão-de-obra, com a justificativa de que se está oferecendo trabalho para pessoas necessitadas. Isso tudo deve ser permeado sempre, e fundamentalmente, pelo aumento da conscientização, o que implica em políticas públicas amplas de educação ambiental.
IHU On-Line – De que maneira a reciclagem, além de contribuir para a preservação do ambiente, pode também exercer uma função social?
Reinaldo Dias – Como havia mencionado anteriormente, temos que enfrentar o problema de que muitos programas de reciclagem de plástico envolvem uma exploração da mão-de-obra, buscando neste caso a redução de custos. Isto contraria frontalmente a proposta de sustentabilidade que envolve a reciclagem e a formação de uma economia circular, pois se foca somente no aspecto econômico e marginalmente no ambiental e social. A reciclagem pode exercer um importante papel social, como mostra o exemplo da União Europeia onde o tratamento de resíduos emprega mais de dois milhões de pessoas e com uma receita estimada em mais de 145 bilhões de euros.
“O preconceito em relação ao manuseio do lixo deve dar lugar a uma abordagem de máxima reutilização dos materiais descartados”
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Reinaldo Dias – A questão da reciclagem, de plástico e de outros materiais, deve ser vista dentro do contexto de formação de uma economia verde, de maior eficiência energética e na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Nesse caso, deve ser considerada um novo nicho industrial, de transformação do lixo em riqueza. Acontece que para que isto ocorra deve haver uma mudança de mentalidade, que pode começar nas universidades, incentivando a criação de startups voltadas para a reutilização de materiais descartados como negócio viável. Os estudantes devem aprender a ver o lixo como uma mina de múltiplos materiais que foram retirados da natureza e que podem ser reutilizados com diminuição de custo de fabricação.
Um bom exemplo ocorreu na reunião do clima, a COP21 que aconteceu em Paris em dezembro de 2015. Nesse evento a Adidas e a “Parley for the Oceans”, uma organização sem fins lucrativos que visa a proteção dos oceanos, apresentaram um calçado esportivo inovador que possui sua parte superior e uma sola impressa em 3D, fabricadas com resíduos plásticos dos oceanos. A iniciativa, além de contribuir para a diminuição da contaminação nos oceanos, cria um produto que já nasce com uma imagem positiva sancionada pela sociedade.
O preconceito em relação ao manuseio do lixo deve dar lugar a uma abordagem de máxima reutilização dos materiais descartados. Cabe aos empreendedores tornar o negócio viável adotando soluções criativas para cada caso: plásticos, alumínio, papel, metais, produtos eletrônicos etc. O desafio é este para as universidades: geração de empreendedores que veem o lixo como fonte de riqueza, um dos componentes de um sistema circular e não como um produto final de um sistema linear que ainda é predominante em nossa economia.
Por Leslie Chaves
Fonte: EcoDebate
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