ÉPOCA
O governo precisa esclarecer como o Brasil cumprirá suas metas já que continua autorizando o desmatamento no Cerrado
ALDEM BOURSCHEIT E ÂNGELA KUCZACH
26/01/2016 - 19h42 - Atualizado 26/01/2016 19h42
O governo federal precisa esclarecer como o Brasil cumprirá suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e de conservação da biodiversidade assumidas perante as Nações Unidas frente à expansão do agronegócio no Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia.
No chamado Mapitoba, soma das iniciais dos quatro estados, o avanço das lavouras de soja, milho e algodão fez o desmatamento do Cerrado crescer 62% desde 2007. E entre junho de 2014 e junho de 2015, a savana brasileira perdeu 3,5 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa – o equivalente a três cidades como o Rio de Janeiro -, como mostrou Época em dezembro passado.
O alvo dos planos estatais naqueles quatro estados é uma área quase do tamanho do Chile e, se 10% dela forem desmatados, as emissões de gases que ampliam o aquecimento planetário crescerão em mais de um bilhão de toneladas de carbono. Isso neutralizaria um terço das emissões evitadas pela redução do desmatamento na Amazônia desde 2004, como lembram pesquisadores como Daniel Nepstad, do Earth Innovation Institute.
As emissões por desmatamento e queima de Cerrado já empatam ou até ultrapassam as oriundas da destruição da Amazônia. Afinal, além da vegetação acima do solo, a grande e profunda massa de raízes que dá sobrevida à vegetação cerratense e garante um suprimento de água durante os meses de seca também abriga enormes estoques de carbono. As perdas de Cerrado por uso do fogo crescem de forma alarmante a cada ano, fazendo do Brasil um dos campeões mundiais em queimadas.
Não se pode esquecer, ainda, das emissões provocadas pela flatulência de um rebanho superior a 100 milhões de cabeças de gado bovino e pelas cadeias interna e internacional de transportes e produção de insumos ligadas a agropecuária. A expansão do agronegócio ao norte do Cerrado também aumentará a degradação de águas e solos pelo uso intensivo de fertilizantes e agrotóxicos.
Tornando ainda mais cinzento o futuro de nossa savana, é justamente na nova frente de avanço do agronegócio que estão os últimos grandes remanescentes íntegros do Cerrado. Unidades de conservação cobrem 11% da região, ou 8,4 milhões de hectares, mas a maioria delas é de Uso Sustentável, onde a manutenção da biodiversidade costuma ser menos efetiva do que em reservas biológicas e parques nacionais, por exemplo.
Estabelecer novas áreas protegidas ajudaria o Brasil a cumprir metas da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas que recomendam a proteção de 17% dos ecossistemas terrestres, até 2020. Do Cerrado, apenas 8,2% são oficialmente protegidos, novamente quase tudo em Unidades de Conservação de Uso Sustentável. Também aumentaria a resistência regional e nacional às mudanças do clima, a manter estoques de água vitais para o país, inclusive para a agropecuária, a proteger inúmeros animais e plantas e a garantir uma boa qualidade de vida para milhões de brasileiros, incluindo populações tradicionais.
Criar e implantar Unidades de Conservação tornou-se algo tão estratégico que figura entre as recomendações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para a melhoria das políticas socioambientais brasileiras.
O massivo aumento da infraestrutura produtiva no Mapitoba foi oficializado em um decreto assinado pela presidente Dilma Roussef em maio de 2015. Tais planos foram gestados pelo Ministério da Agricultura com apoio do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica da Embrapa, cujas lideranças estão entre as principais responsáveis pelos retrocessos impostos ao Código Florestal Brasileiro. O comitê gestor da iniciativa não tem nenhum órgão ambiental.
Aldem Bourscheit é Jornalista, Ativista em Políticas públicas e Especialista em Meio Ambiente, Economia e Sociedade
Ângela Kuczach é Bióloga e Diretora Executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação
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