Este ano El Niño elevou a concentração de gases estufa a um nível recorde.
As notícias vêm de várias partes. Do centro do Brasil, as informações de que o Rio Araguaia, um dos maiores do País, já “perdeu mais de 100 de suas ilhas”, com o assoreamento documentado pelos cientistas da Universidade Federal de Goiás. Os cardumes de peixes desapareceram (O Popular, 18/9). O canal principal de navegação reduziu-se de mais de 70 metros para 5 metros. E o auge da seca ainda não chegou, está previsto para outubro. Segundo o jornal, “a drenagem de água para fins de agricultura contribui para o agravamento da crise”.
Mas o problema não é só lá. Goiânia e Aparecida de Goiânia sofrem sem água em partes das cidades, porque fazendas desviaram o curso de um rio. Também nas proximidades houve outros desvios no leito do Rio Meia Ponte, que abastece 50% da capital; por isso a captação ali teve de ser baixada de 80 para 30 litros por segundo. A Ilha do Bananal só existe agora como ilha durante parte do ano porque o Rio Javaés, borda ocidental dessa ilha, só tem água durante dois meses no ano. Em vários outros municípios, incluídos Anápolis e Cidade Ocidental, de maior porte, a crise na captação também é forte. Só na Serra das Areias 15 nascentes e 9 cachoeiras secaram.
O Plano de Recursos Hídricos do Estado segue em marcha lenta – quando segue – na Assembleia Legislativa goiana. E o Araguaia é apenas um dos exemplos. Vários outros rios estão sendo assoreados com resíduos que vêm das culturas agropecuárias em faixas de preservação.
Na histórica cidade de Goiás, o Rio das Almas pode ser atravessado a pé, depois que plantadores de cana-de-açúcar passaram a captar água nas partes mais altas.
Goiás é parte do problema do Centro-Oeste e de outras faixas de transição onde é feita a conversão de florestas para lavoura, podendo aumentar a temperatura da superfície em até 5 graus Celsius e reduzi r em 30% a quantidade de água que retorna para a atmosfera em forma de vapor (Estado, 18/9). Queimadas são cada vez mais frequentes. O desmatamento em partes da Amazônia ficou em 5 mil quilômetros quadrados em 2015.
Há outros ângulos. A Secretaria de Abastecimento goiana lançou no final de agosto o Plano Estadual de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas. Um dos objetivos é reduzir a emissão de carbono na agricultura. Planeja-se recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas; ampliar o plantio direto em oito milhões de hectares; ampliar a fixação biológica de nitrogênio em 5,5 milhões de hectares.
As várias ações deverão permitir a redução de emissões em 2,25 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalentes, graças também ao incremento de áreas de florestas plantadas em 50 mil hectares por ano, à adoção de sistemas agroflorestais em 4 milhões, à fixação biológica do nitrogênio em 5,5 milhões de hectares.
A cada dia surgem mais notícias inquietantes. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) há pouco informou que a extração de matérias-primas triplicou em quatro décadas; contribui fortemente para as mudanças climáticas e para a contaminação da atmosfera com o uso intensivo de combustíveis fósseis.
Estudo da Fundação Oswaldo Cruz concluiu que a região amazônica poderá sofrer mudanças climáticas bruscas nos próximos 25 anos por causa do desmatamento; a temperatura aumentará 5 graus Celsius e o volume de chuvas diminuirá 25% (geodireito, 19/9).
Para completar a preocupação com o calor recorde que já está por aqui, estudo recente do Painel do Clima (IPCC), publicado na revista Nature, atualizou a correlação entre volumes de emissão de gases do efeito estufa (GEE) e aumentos da temperatura média na Terra até o fim do século – a continuarem como hoje as políticas, o aumento será entre 3,2 e 4,4 graus.
Mesmo que os países cumpram os compromissos voluntários assumidos no passado, o aumento ficaria entre 2,9 e 3,8 graus.
E mesmo que se excluam causas, como a liberação de metano pelo Ártico, do permafrost siberiano e do fundo dos oceanos, perdas nas florestas tropicais, ficar abaixo do aumento de 2 graus na temperatura em 2075 pressupõe o abandono do carvão e do petróleo como combustíveis e sua substituição por energias limpas e renováveis; a eletrificação dos transportes; técnicas de sequestro de carbono; grandes projetos de reflorestamento; agricultura e pecuária de alta produtividade e baixo carbono (Eco-finanças, 11/7).
Essa transição pressupõe investimentos de US$ 3 trilhões por ano (quando se fala hoje em US$ 100 bilhões), fora retirar subsídios de US$ 1 trilhão para combustíveis fósseis.
Não é exatamente nessas direções que vamos caminhando.
Este ano, El Niño aumentou a concentração de gases do efeito estufa para nível recorde (Reuters, 13/6), ultrapassando pela primeira vez 400 partes por milhão. Mudanças climáticas estão provocando deslocamento de nuvens para os polos e exposição de zonas tropical e subtropical do planeta à radiação solar e desertificação, segundo pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego. Este ano, seca e excesso de chuvas em regiões produtoras brasileiras já contribuíram para queda de 0,3% no PIB agropecuário de um trimestre.
Para outubro está prevista uma reunião em Kigali, capital de Ruanda, de dirigentes de todas as partes do mundo, na tentativa de alcançar um acordo que permita chegar ao fim do século com aumento de apenas 0,5% na temperatura, equivalente a metade da elevação que já provocamos desde o início da revolução industrial.
O foco principal estará na redução de hidrofluorcarbonos, ou HFCs, encontrados em aparelhos de ar-condicionado, geladeiras e aerossóis. E em seu período de vida de 13,4 anos eles causam 1.300 vezes o aquecimento que o dióxido de carbono provoca ao longo de cem anos.
As negociações já duram sete anos. E a implementação terá custo muito alto. Vai-se chegar a um bom final? (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.com.br).
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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