quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
“Vivemos o tempo dos pontos catastróficos e da reversão das curvas”
(Danowski e Viveiros de Castro, 2014)
Antropoceno é a Era dos Humanos. O prefixo grego “antropo” significa
humano; e o sufixo “ceno” denota as eras geológicas. O termo foi
proposto por Paul Crutzen, Prêmio Nobel de Química de 1995, para
substituir o Holoceno (que começou há cerca de 10 mil anos). Antropoceno
significa que os seres humanos se transformaram em uma espécie de força
geológica que tem o poder de revolver a terra, modificar o ritmo do
ciclo de vida da Terra e alterar a química dos solos, das águas e do ar.
A ideia de que estamos vivendo uma nova fase da história geológica,
marcada pelos impactos avassaladores da ação de uma única espécie sobre a
estrutura do Planeta está a um passo da aprovação oficial, em função da
proposta do Grupo de Trabalho do Antropoceno apresentada durante o 35º
Congresso Geológico Internacional, realizado, em setembro de 2016, na
Cidade do Cabo (África do Sul). Dos 35 membros do grupo coordenado por
Jan Zalasiewicz, da Universidade de Leicester (Reino Unido), 30 se
posicionaram a favor de formalizar o Antropoceno como uma fase geológica
distinta do desenvolvimento do Planeta, e não como uma simples
designação simbólica dos impactos do Homo sapiens sobre a biosfera. Foi
também apoiada a proposta de definir o início do Antropoceno como a
década de 1950.
A proposta de considerar a década de 1950 como início do Antropoceno se
deve a vários motivos: 1) ascensão de testes nucleares em escala ampla,
produzindo o elemento químico plutônio; 2) aumento vertiginoso da
concentração de dióxido de carbono na atmosfera (por conta da queima de
combustíveis fósseis); 3) aparecimento de plásticos ou de alumínio puro,
materiais nunca vistos no planeta antes do século passado. A decisão
final ainda será tomada pelo comitê executivo da União Internacional de
Ciências Geológicas.
De fato, a década de 1950 marcou um ponto de aceleração das atividades
antrópicas no Planeta. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a
construção de uma nova hegemonia econômica e uma nova arquitetura de
governança global (ONU, FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do
Comércio – GATT), o crescimento demoeconômico nunca foi tão grande e tão
impactante.
A população mundial era de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 e chegou a
7,5 bilhões em 2016. Ou seja, um crescimento de 3 vezes em 66 anos, ou
um aumento de 5 bilhões de habitantes, o dobro do montante de pessoas
reunidas em um mesmo ano, no espaço de tempo desde o início da história
da humanidade até meados do século XX.
Mas isto foi pouco diante do crescimento da economia. O Produto Interno
Bruto (PIB) cresceu 12,2 vezes e o PIB per capita cresceu cerca de 5
vezes entre 1950 e 2016. Houve redução da mortalidade infantil e a
esperança de vida ao nascer da população mundial passou de 47 anos no
quinquênio 1950-55 para 72 anos no quinquênio 2015-20. Houve também
redução da pobreza absoluta e melhoria nas taxas de matrícula em todos
os níveis de ensino. Embora de forma desigual, o progresso humano foi
incontestável. Mas isto ocorreu em função do regresso ambiental, da
degradação dos ecossistemas, da perda de biodiversidade, do holocausto
biológico e da grande emissão de gases de efeito estufa (GEE).
Sem dúvida, a humanidade se multiplicou e melhorou o seu padrão de vida
no Antropoceno. Mas nunca uma espécie destruiu tantas outras espécies e
consumiu tantos recursos naturais em tão pouco tempo, além de gerar
lixo, poluição e um rastro de perdas e danos ambientais.
O International Geosphere-Biosphere Programme (IBBP) mostra que desde o
final da Segunda Guerra Mundial houve uma “grande aceleração” do
desenvolvimento social e econômico a nível mundial que está conduzindo a
uma crescente escassez dos recursos naturais e a grave depleção do meio
ambiente. O IGBP elaborou uma série de gráficos que ilustram como o
crescimento demoeconômico aumentou o apetite por recursos naturais e
tiveram um crescimento exponencial desde 1950. Os gráficos com maior
detalhe podem ser vistos no link da referência.
Toda essa aceleração da dominação humana e da exploração da natureza
provocou o desmatamento das florestas para utilizar as madeiras de lei,
fazer carvão e ampliar as atividades da agricultura e da pecuária.
Represou rios, drenou pântanos, alterou a paisagem natural. Os aquíferos
estão sendo utilizados em uma taxa maior do que a capacidade de
recarga. Danificou os solos, ampliou as áreas desérticas e gerou
desertos verdes que provocam a defaunação.
O sistema de produção e
consumo que satisfaz o desejo egoístico de possuir bens e serviços gera
crescentemente lixo, resíduos sólidos e poluição. Os aterros sanitários
são uma fonte de propagação de doenças e de danos ambientais. Os oceanos
tendem a ter mais plásticos poluidores do que peixes. Dezenas de
milhares de espécies desapareceram e outras centenas de milhares estão
em riscos de extinção.
Para manter o crescimento econômico a terra foi
revolvida para extrair minérios, para buscar petróleo no fundo do
subsolo e para outros usos que emitem gases de efeito estufa que alteram
a química da atmosfera, provocando o aquecimento global e a
acidificação dos solos e das águas, além do aumento do nível dos mares, o
que ameaça bilhões de pessoas que vivem ou dependem das áreas
costeiras, enquanto definha a vida marinha.
Os seres humanos estão produzindo e consumindo recursos a uma taxa
geologicamente sem precedentes – uma taxa que deve ser mantida para
continuar a alto nível e complexidade da atual civilização (com base nos
combustíveis fósseis). Este alto consumo formou um ‘novo padrão” no
fluxo de energia global do planeta, que cresce com o aumento da
população (conforme figura abaixo, Earth’s Future, 2016) e é
incompatível com o fluxo metabólico entrópico.
O relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP,
julho de 2016) aponta que a extração de recursos naturais globais
aumentou três vezes nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas
arrancadas do seio da natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970
para 70 bilhões de toneladas em 2010, com os países mais ricos
consumindo duas vezes mais do que a média mundial.
O aumento do uso de
materiais globais acelerou rapidamente nos anos 2000, com o crescimento
das economias emergentes, em especial com o crescimento da China que
passou por grandes transformações industriais e urbanas que demandaram
enorme quantidade de matérias-primas, de ferro, aço, cimento, energia,
material de construção, etc. O crescimento na extração de recursos
naturais passou de 7 toneladas per capita em 1970 para 10 toneladas per
capita em 2010.
Se a extração de recursos continuar, em 2050, haverá uma população de
mais de 9 bilhões de habitantes e uma demanda de 180 bilhões de
toneladas de material a cada ano para atender às demandas antrópicas.
Esta é a quantidade quase três vezes a situação atual e provavelmente
vai aumentar a acidificação dos terrenos e das águas, a eutrofização dos
solos do mundo e dos corpos de água, além de aumentar a erosão e
aumentar a poluição e as quantidades de resíduos. Ou seja, em vez de
haver “desacoplamento” (decoupling), a economia internacional está
utilizando cada vez mais recursos da natureza per capita e por unidade
do PIB. O modelo marrom continua e o sonho da economia verde tem sido,
na verdade, um pesadelo.
As emissões de GEE continuam em ritmo perigoso. Durante, pelo menos, os
últimos 800 mil anos o nível de CO2 na atmosfera ficou abaixo de 280
partes por milhão (ppm). Mas com o início da Revolução Industrial e
Energética os níveis subiram, chegando a 310 ppm em 1950, 350 ppm em
1990 e 400 ppm em 2015 e 407,7 ppm em maio de 2016. Ainda no século XXI o
nível de CO2 na atmosfera deve chegar ao dobro do que aconteceu no
máximo dos últimos 800 mil anos. Isto aumenta o efeito estufa e torna o
aquecimento um processo inevitável.
Nunca a concentração de CO2 subiu tão rápido quanto no Antropoceno
(desde 1950) e nunca os seres vivos da Terra tiveram tão pouco tempo
para se adaptar. Embora as mudanças climáticas no passado tenham sido
causadas por fatores naturais, as atividades humanas são agora as
principais forças de mudança. As atividades antrópicas estão afetando o
clima através de aumento dos níveis atmosféricos de gases do efeito
estufa e outras substâncias poluidoras.
Por tudo isto, não há dúvida de que o Planeta está caminhando para uma
temperatura elevada e o Antropoceno vai bater os recordes dos últimos 5
milhões de anos. O recorde de temperatura atingido em 2016 é uma
demonstração dos perigos à frente. Desde o surgimento da espécie Homo,
nunca o clima foi tão ameaçador. O nível do mar pode subir até 2 metros
até 2100 e continuar subindo entre 6 e 9 metros em função do degelo do
Ártico, da Groenlândia, da Antártica e dos glaciares. Um dos efeitos
imediatos será a inundação de milhões de casas e quilômetros de áreas
férteis da agricultura nas regiões litorâneas, gerando perda na produção
de alimentos, pobreza e grande número de refugiados do clima.
Segundo o livro “The Last Beach”, de Orrin Pilkey e Andrew Cooper, a
elevação do nível do mar e as tempestades e furacões por conta das
mudanças climáticas, estão provocando vasta erosão de areia em direção
ao fundo dos oceanos, promovendo a “varredura” do solo costeiro e
destruindo grandes extensões de praias densamente povoadas. Praias
famosas do Rio de Janeiro como Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon e Barra
da Tijuca podem desaparecer até o final do século XXI. O caos urbano
será terrível.
As civilizações humanas se desenvolveram durante o Holoceno e chegaram
ao auge no Antropoceno. Se não houver uma mudança de rumo e um
decrescimento demoeconômico, com restauração dos ecossistemas e das
áreas anecúmenas, a humanidade pode estar caminhando para o precipício e
pode estar gerando a 6ª extinção em massa da vida na Terra. O resultado
pode ser um ecocídio seguido de suicídio.
Referências:
DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por vir? Ensaio
sobre os medos e os fins. Cultura e Bárbarie/Instituto Sociambiental,
Florianópolis, 2014 (p.24)
http://culturaebarbarie.org/?page_id=751
International Geosphere-Biosphere Programme (IGBP)
http://www.igbp.net/globalchange/greatacceleration.4.1b8ae20512db692f2a680001630.html
UNEP, Global Material Flows And Resource Productivity: Assessment Report for the UNEP International Resource Panel, Jul 2016
http://unep.org/documents/irp/16-00169_LW_GlobalMaterialFlowsUNEReport_FINAL_160701.pdf
Mark Williams, Jan Zalasiewicz, Colin N. Waters, Matt Edgeworth, Carys
Bennett, Anthony D. Barnosky, Erle C. Ellis, Michael A. Ellis, Alejandro
Cearreta, Peter K. Haff, Juliana A. Ivar do Sul, Reinhold Leinfelder,
John R. McNeill, Eric Odada, Naomi Oreskes, Andrew Revkin, Daniel deB
Richter, Will Steffen, Colin Summerhayes, James P. Syvitski, Davor
Vidas, Michael Wagreich, Scott L. Wing, Alexander P. Wolfe, An Zhisheng.
The Anthropocene: a conspicuous stratigraphical signal of anthropogenic
changes in production and consumption across the biosphere. Earth’s
Future, 2016; DOI: 10.1002/2015EF000339
http://energyskeptic.com/2016/a-strong-case-for-the-anthropocene-no-other-species-has-ever-consumed-as-much-of-earths-resources-so-quickly/
Peter Walker. Climate change escalating so fast it is ‘beyond point of no return’, Independent, 01/12/2016
http://www.independent.co.uk/news/science/donald-trump-climate-change-policy-global-warming-expert-thomas-crowther-a7450236.html
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em
demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências
Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter
pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate
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