Destruição da floresta interfere no transporte da umidade entre o oceano e o continente, alterando chuvas
Por Júlio Bernardes, do Jornal da USP
A interação entre a biosfera e a atmosfera na Amazônia é muito complexa
para permitir uma estimativa segura de um nível de desmatamento que não
interfira no clima da América do Sul. A conclusão é de um estudo
internacional com a participação do Instituto de Física (IF) da USP. Os
pesquisadores comprovaram, por meio de fórmulas matemáticas, que a
destruição da floresta nativa tem efeito negativo no transporte da
umidade entre o oceano e o continente, alterando a quantidade de chuvas
na região destruída e em áreas distantes dos desmatamentos. Os
resultados do estudo são descritos em artigo da revista Nature
Scientific Reports.
A América do Sul apresenta o clima de monções, no qual a alternância
entre a estação seca e a chuvosa é influenciada pelos ventos que trazem
umidade do Oceano Atlântico. “Nos meses de inverno, entre junho e
agosto, os ventos vão em direção à Colômbia, Venezuela e norte do Peru,
até o Oceano Pacífico, e as chuvas ocorrem nessas regiões”, explica o
professor Henrique Barbosa, do IF, um dos autores do artigo. “Entre
dezembro e abril, em especial no verão, a Cordilheira dos Andes faz os
ventos desviarem na direção do Sul do Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina
e Sul e Sudeste do Brasil, aumentando as chuvas nessas regiões e na
Amazônia brasileira.”
Barbosa aponta que diversos pesquisadores já alertaram para o risco de
“savanização” da região, em referência à formação vegetal africana de
clima seco. “Isso pode acontecer por meio de um processo denominado die
back, ou ‘morte espontânea da floresta”, afirma. “O desmatamento altera o
regime de temperatura e precipitação. Isso faz com que a vegetação de
maior porte não sobreviva, dando lugar a espécies menores, como as do
cerrado brasileiro, mesmo nas regiões que não foram desmatadas. O mesmo
processo pode ocorrer devido às mudanças climáticas”.
.
A pesquisa utilizou o método das redes complexas, uma ferramenta para
análise de dados usada por físicos para o estudo de sistemas dinâmicos.
“A rede é representada por um conjunto de pontos ligados por linhas.
Combinados, eles formam uma rede que pode ser estudada através de
métodos matemáticos”, diz o professor do IF. “Na pesquisa sobre o clima
da Amazônia, os pontos são a latitude e a longitude de cada área; as
linhas, a quantidade de umidade transportada pelos ventos. Assim, é
possível identificar pontos muito importantes na rede, como regiões que
fazem a intermediação no transporte de umidade, como o Arco do
Desmatamento, no Acre e em Rondônia.”
Efeito negativo
O trabalho enfatizou que o desmatamento gera um efeito negativo no
mecanismo de retroalimentação das chuvas. “Normalmente, o vapor de água é
trazido dos oceanos pelos ventos. Então no continente ele se condensa e
chega à superfície na forma líquida, com as chuvas”, relata o professor
do IF. “Essa água é absorvida pelas grandes árvores da Amazônia, e
parte volta à atmosfera por meio da evapotranspiração. Isso ajuda a
manter o ar úmido, e esta umidade é carregada por milhares de
quilômetros pelos ventos, levando as chuvas para toda a região.”
O desmatamento, segundo a pesquisa, diminui a evapotranspiração, faz com
que o ar fique mais seco e diminua a quantidade de chuvas. “Isto também
reduz a velocidade dos ventos e o transporte de umidade sobre a
floresta, fazendo com que venha menos vapor de água do oceano,
diminuindo ainda mais as chuvas”, ressalta Barbosa. Os pesquisadores
criaram uma equação para representar o mecanismo de retroalimentação,
entre a precipitação e o transporte de umidade, e variaram as dimensões
do desmatamento para estudar os seus efeitos. “Quando incluímos esta
retroalimentação, a resposta do sistema (redução das chuvas em função do
desmatamento) passou a ser fortemente não linear, caótica,
imprevisível.”
Este resultado demonstrou que não é possível estabelecer um nível de
desmatamento seguro, ou seja, que não vá mudar o comportamento do
sistema. “Pesquisadores apontam que haveria dois estados de equilíbrio
para a Amazônia, um com a floresta nas dimensões atuais e outro com
menos chuvas e evapotranspiração, e vegetação similar à do cerrado”, diz
o físico. “A transição do sistema para o outro estado de equilíbrio
seria catastrófica. Com a redução do porte da vegetação, que armazena o
carbono, a quantidade de gás carbônico liberado na atmosfera seria
enorme, e consequentemente contribuiria fortemente com as mudanças
climáticas em todo o planeta.”
A pesquisa faz parte de um projeto temático da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em parceria com a Deutsche
Forschungsgemeinschaft (DFG), fundação de pesquisa da Alemanha. A
coordenação do projeto é dos pesquisadores Elbert Macau, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e Jürgen Kurths, do Potsdam
Institute for Climate Impact Research (PIK), na Alemanha. O artigo A
deforestation-induced tipping point for the South American monsoon
system, publicado pela revista Nature Scientific Reports, é assinado por
físicos do IF, do PIK e da École Normale Supérieure (França).
Fonte: EcoDebate
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