quarta-feira, 12 de abril de 2017

Prefeitos recebem ICMS ecológico, mas não repassam para as áreas protegidas

Município recebeu 27 mil por existir a Unidade de Conservação, mas prefeitura não repassa nada para o parque. Acima, placa informativa sobre a formação do relevo no Parque Estadual da Serra do Rola Moça. Foto: Andrevruas/Wikimedia.
Município recebeu 27 mil por existir a Unidade de Conservação, 
mas prefeitura não repassa nada para o parque. 
Acima, placa informativa sobre a formação do relevo no 
Parque Estadual da Serra do Rola Moça. 


Foto: Andrevruas/Wikimedia.


Prefeitos ganham dinheiro do ICMS ecológico para manter áreas protegidas, mesmo que sejam Unidades de Conservação de papel. É o que concluiu um levantamento feito pela Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (Amda) sobre o que está sendo feito com o ICMS Ecológico em Minas Gerais. A Amda investigou a destinação do benefício em 11 municípios (Catas Altas, Araponga, São Gonçalo do Rio Preto, Marliéria, Córrego Novo, Guaraciaba, Buenópolis, Ibirité, Lagoa Santa, Diamantina, São João das Missões) que receberam o recurso por abrigarem unidades de conservação. Os valores analisados correspondem ao mês de fevereiro de 2016.


Criada pela Lei Estadual nº 12.040/2000, conhecida como “Lei Robin Hood”, o ICMS Ecológico em Minas prevê a destinação de percentual do total do imposto arrecadado a municípios que abriguem unidades de conservação em seu território.
A Lei que está vigorando atualmente é a lei nº 18.030/09, que não obriga as prefeituras a investirem nas unidades de conservação geradoras do ICMS Ecológico. “Esse é um dos grandes problemas da lei, ela não obriga que o município pegue esse dinheiro do ICMS ecológico e aplique nas unidades de conservação do seu território, do seu município”, explica Henri Collet, secretário de unidades de conservação do Instituto Estadual de Florestas (IEF), responsável pelo repasse do benefício aos municípios.
 
 
 
“Quanto mais unidades de conservação tem um município, mais ele recebe de ICMS ecológico”, afirma Henri Collet.
 
 
Segundo Henri, o que acaba acontecendo é que os prefeitos criam áreas protegidas para receber mais ICMS: “Quanto mais unidades de conservação tem um município, mais ele recebe de ICMS ecológico”, afirma o secretário.


Já a superintendente da Amda, Dalce Ricas, entende que a lei não pode realmente atrelar a aplicação dos recursos de forma direta, mas afirma que no que se refere a APAs municipais, há alternativas para evitar a fraude. “Mudar os fatores de qualidade, prever suspensão do repasse e até exclusão do cadastro de municípios que a fiscalização comprove que criaram apenas para receber recursos.



São mudanças fáceis, que dependem da Semad/IEF. A verdade, porém, é que a negligência dos mesmos é que mantém a situação. No caso das unidades de conservação de proteção integral, pode-se também mudar os fatores de qualidade, pontuando de forma mais alta por exemplo os municípios que investirem nas mesmas. E o IEF deveria desenvolver articulações políticas junto às prefeituras para envolvê-las em sua gestão”, afirma ao ((o))eco.



O processo de repasse do ICMS Ecológico em Minas Gerais começa com um cadastramento que os municípios fazem no Instituto Estadual de Florestas (IEF), o cálculo é feito pela Fundação João Pinheiro e cada município tem uma cota específica de distribuição e repasse o dinheiro para os municípios. A fiscalização fica por conta do IEF que verifica se as unidades estão regularizadas, se elas possuem as informações necessárias para reconhecê-las como uma unidade constituída.


Até o dia 15 de abril deste ano, os municípios são obrigados a prestar informações ao IEF sobre a situação em que se encontra a sua unidade de conservação e a partir de julho, o Instituto, através da secretaria de unidades de conservação, terá o resultado de quais municípios atenderam a norma da legislação e que providências serão tomadas com relação aos resultados. Cerca de 20% das unidades de conservação têm de ser vistoriadas e o IEF garantiu que fará isso a partir de julho.


Segundo a Deliberação Normativa da Copam/86, anualmente devem ser vistoriadas no mínimo 20% das APAs municipais, por amostragem ou a partir de denúncias para verificação da autenticidade das informações. Mas, segundo a Amda, das 89 APAs municipais inscritas no cadastro, 17 APAs deveriam ser fiscalizadas anualmente, mas em 2015, somente 12 foram vistoriadas, ou seja, apenas 71% da meta foi cumprido.




Perguntado sobre a fiscalização, Henri Collet afirmou que no início do ano passado, cerca de 50 unidades de conservação que não responderam às informações solicitadas tiveram o ICMS ecológico cortado. ((o))eco tentou entrar em contato com as prefeituras citadas no estudo, mas não obteve retorno.



Indústria de APAs
No estudo, constatou-se que a maioria das prefeituras não ajuda as unidades de conservação em questões fundamentais como combate a incêndios, manutenção de estradas e que as APAs existem somente no decreto de criação. Alguns casos são mais críticos, como é o caso das APAs Municipais Serra do Cabral e Serra de Minas, que segundo o levantamento, são praticamente fantasmas, não possuem sede própria, plano de manejo, os seus limites são confusos e não têm gerente ou funcionários.



A Prefeitura de Buenópolis, responsável pelas duas APAms, recebeu R$ 50.334,47 por serviços ambientais prestados pelas unidades de conservação. Para Dalce Ricas, não há dúvidas de se tratar de fraude o fato de não se implementar unidades de conservação, o não investimento nelas e ainda assim, continuar ganhando ICMS.



Tabela 1 - Fonte: Amda.
Tabela 1 - Fonte: Amda.
Tabela 2. Fonte: Amda.
Tabela 2. Fonte: Amda.


Dalce Ricas afirma que muita coisa precisa mudar para que esse quadro traçado pela Amda mude em Minas Gerais. “Entendemos que é preciso reavaliação na destinação dos recursos no que for possível legalmente, rever os Fatores de Qualidade, sob princípio de maior rigor no processo de avaliação dos municípios, prevendo suspensão do repasse ou exclusão daqueles que descumprirem  ou serem indutores de degradação das unidades de conservação e da zona de amortecimento das de proteção integral.



No que se refere às APAS, sejam municipais, estaduais ou federais, propomos que a existência de Plano de Manejo implantado seja condição prévia para repasse. Transparência, por parte do IEF do processo de cálculo e das prefeituras quanto à aplicação dos recursos, proibição de repasse por unidades de conservação que se sobreponham e moralização urgente da fiscalização do IEF para comprovação das informações prestadas pelos municípios e de atividades econômicas ou de infraestrutura implantadas dentro das APAs municipais”, disse a superintendente da Amda.


Outro exemplo de APA só de papel está localizado em Córrego Novo, no leste de Minas. O município recebeu R$ 15.250,64 pela APAm Córrego Novo, mas a unidade de conservação não possui sede própria, gerente, guarda-parque e funcionários.


Embora não sejam consideradas unidades de conservação, as Reservas Indígenas não ficaram de fora da análise do levantamento por também receberem ICMS Ecológico. A área da Reserva Indígena Xacriabás, localizada em São João das Missões, enfrenta problemas com incêndios que estão afetando drasticamente a vegetação natural. A Amda entende que a Funai, responsável pela gestão da Reserva, não apresenta efetiva preocupação quanto à proteção da água e da biodiversidade. O município onde fica localizada a reserva recebeu R$ 70.800,68 por abrigá-la.


Após tomar conhecimento de algumas informações levantadas pela Amda, o IEF solicitou aos seus escritórios regionais vistorias nas seguintes unidades de conservação: APAs Serra do Cabral, em Joaquim Felício, Augusto de Lima e Buenópolis; APA Córrego Novo, em Córrego Novo; Matinha, em Guaraciaba, e Parque Rola Moça.


O estudo foi enviado aos municípios citados no levantamento e a Amda ainda não obteve retorno. A Associação acredita que poucos prefeitos reagirão de forma positiva. “A maioria tentará ignorar o assunto e se manter na zona de conforto. Nossa intenção é não permitir que isto aconteça. O objetivo não é simplesmente cortar o recurso. Mas as prefeituras têm de mudar de atitude”, declarou Dalce.


A Amda marcou uma reunião com o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, quando será entregue o documento e a solicitação formal de audiência pública. Já foi solicitada uma reunião com o secretário de meio ambiente do Estado, quando será proposta a criação, no âmbito da Câmara Técnica de Proteção da Biodiversidade do Copam para a proposta de modificação da Deliberação Normativa que regulamentou o processo de cálculo e repasse do ICMS ecológico.


Ao ser perguntado sobre o que achou do estudo da Amda, Henri Collet afirmou se tratar da realidade. “Essa é a situação real dos municípios que não se preocupam com o meio ambiente”.

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ICMS Ecológico em Minas Gerais

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