sábado, 20 de maio de 2017

A nova invasão do Vietnã e o naufrágio do Delta do Mekong, artigo de José Eustáquio Diniz Alves



Delta do Mekong

[EcoDebate] O Vietnã vai sofrer uma segunda invasão. Mas ao invés da entrada de tropas estrangeiras vindas de países imperialistas, vai ser uma invasão de água salgada, provocada pelo aumento do nível dos oceanos. O delta do rio Mekong pode naufragar e desaparecer debaixo das águas marinhas. Não haverá Vietcongues suficientes para barrar a invasão aquática.



A população do Vietnã era de 28,3 milhões de habitantes em 1950 e passou para 87,8 milhões de habitantes em 2010. Para 2050, a estimativa média é de 103,4 milhões, podendo cair para 83 milhões de habitantes em 2100, na projeção média da Divisão de População da ONU. No final do século XXI pode chegar a 140 milhões na hipótese alta ou 44 milhões na hipótese baixa. A densidade demográfica sempre foi alta, de 85 habitantes por quilômetro quadrado em 1950, passando para 265 hab/km2 em 2010 e podendo chegar a 313 hab/km2 em 2050.



A maior parte da população vietnamita depende das plantações no Delta do Mekong. Porém, os cientistas dizem que a elevação de um metro do nível do mar até o final do século deslocaria entre 3,5 e 5 milhões de moradores da região. Uma subida do nível do mar de 2 metros poderá forçar a saída de até 15 milhões de pessoas.



Mas mesmo antes da elevação do oceano, as mudanças no regime das chuvas e inundações já estão ameaçando um dos ambientes agrícolas mais produtivos do mundo. O governo do Vietnã, em Hanói, está estudando e organizando um plano abrangente de adaptação e mitigação.



A altitude média do Delta do Mekong é inferior a 2 metros acima do nível do mar. Atualmente, é uma região perfeitamente adequada para o cultivo de arroz. Os fazendeiros no Delta também produzem frutas, cocos, peixes do rio e camarão. Suas colheitas abundantes são possíveis por inundações anuais e por uma intrincada rede de canais, represas e eclusas.



É um ambiente altamente projetado para uma moderna sociedade hidráulica baseada em agricultura intensiva e infraestrutura que desvia as inundações, limita intrusão salina, facilita o transporte fluvial e a aquacultura, fornecendo a quantidade certa de água doce para irrigação.



Não era sempre assim, segundo David Brown (03/10/2016), pois quando os colonos vietnamitas entraram pela primeira vez no Delta há cerca de 300 anos, eles encontraram uma paisagem selvagem moldada por um clima de monção, tufões e marés e a inundação anual do Mekong. Oficiais do Império, e mais tarde engenheiros coloniais franceses, mobilizaram dezenas de milhares de pioneiros para cavar canais e fossos de drenagem.


Com o passar do tempo, grande parte do trabalho de infraestrutura foi mecanizado. Mesmo os anos da “Guerra Americana” houve a reforma agrária e a introdução do chamado “arroz milagroso” – cepas que poderiam dobrar as colheitas desde que os níveis de água de irrigação, pesticidas e nutrientes fossem cuidadosamente geridos.



O Vietnã se recuperou da guerra e avançou com a agricultura e a economia. A renda per capita (em poder de paridade de compra) era de US$ 435,00 em 1980 e passou para US$ 6.400,00 em 2016, segundo dados do FMI. A mortalidade infantil era de 104 mortes para mil nascimentos em 1950-55 e caiu para 17 por mil no quinquênio 2015-20. A esperança de vida ao nascer era de 53,5 anos em 1950-55 e subiu para 77 anos no quinquênio 2015-20, segundo dados da Divisão de População da ONU.



Artigo de Liu Quin (08/03/2017) mostra que o aquecimento global vai afetar os glaciares do Himalaia e reduzir o fluxo de água dos rios Mekong, Amarelo e Yang Tze, afetando a vida de centenas de milhões de pessoas. A combinação de menor vazão dos rios e elevação do nível dos oceanos vai provocar o naufrágio de extensas áreas urbanas e rurais.



O Vietnã é um país emergente e que tem apresentado avanços significativos em termos econômicos e sociais. Porém, o futuro está ameaçado pelas mudanças climáticas e o aquecimento global. O vale do rio Mekong é extremamente vulnerável à subida do nível do mar. Se o processo de emissão de gases de efeito estufa não for revertido, o Vietnã poderá sucumbir diante na nova invasão, desta vez mais fluida, mas ainda mais implacável.
Referência:



David Brown. Will climate change Sink the Mekong Delta? Mongabay, 03/10/2016
https://news.mongabay.com/2016/10/will-climate-change-sink-the-mekong-delta/
Liu Qin. Source of Mekong, Yellow and Yangtze rivers drying up. China Dialogue, 08/03/2017


https://www.chinadialogue.net/article/show/single/en/9654-Source-of-Mekong-Yellow-and-Yangtze-rivers-drying-up

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/05/2017
"A nova invasão do Vietnã e o naufrágio do Delta do Mekong, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/05/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/05/19/nova-invasao-do-vietna-e-o-naufragio-do-delta-do-mekong-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Nenhum comentário: