quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Símbolo contra Belo Monte recebe prêmio por defesa do meio ambiente

Símbolo contra Belo Monte recebe prêmio por defesa do meio ambiente

Por Fabíola Ortiz
Antônia Mello luta para manter o rio Xingu vivo. Foto: Kate Horner/International Rivers.
Antônia Mello luta para manter o rio Xingu vivo. Foto: Kate Horner/International Rivers.

“O rio Xingu não é mais o mesmo. O rio não corre mais. É muito trágico”. Essas são as palavras de lamento de Antônia Melo da Silva, filha de cearenses que chegara à região do Médio Xingu em meados dos anos 50. Trabalhou como professora do ensino fundamental e, hoje, aos 67 anos, se dedica totalmente à defesa do meio ambiente. Nesta terça-feira, 10 de outubro, a ativista ambiental recebeu o prêmio da fundação americana Alexander Soros, em Nova York.

Desde 2012, a fundação reconhece o trabalho de defensores ambientais e de direitos humanos. Como coordenadora geral do ‘Movimento Xingu Vivo Para Sempre’, Antônia se tornou um símbolo na luta contra a construção da hidrelétrica Belo Monte e foi a sexta pessoa a receber a premiação. Seu nome foi indicado pela organização não-governamental Conectas e escolhido por um júri formado por experts e integrantes da ONG Global Witness e Human Rights Watch.

Dona Antônia recebeu o prêmio devido ao seu “papel inspirador liderando campanhas para impedir a construção da barragem de Belo Monte e outros projetos de infraestrutura que causam danos à região amazônica”, informou a instituição, em comunicado.

Belo Monte, ou como ela mesma chama, “belo monstro”, ainda não é “fato consumado”, anunciou. Segundo seus cálculos, já somam 24 ações na Justiça apresentadas pelo Ministério Público que denunciam as irregularidades e a violência ambiental e social da construção da usina.

“Continuaremos na luta em defesa do rio Xingu, da natureza e em defesa da vida. Este é um projeto inviável”, sentenciou D. Antônia. Havia pouco que desembarcara nos Estados Unidos quando a ativista conversou com ((o))eco, antes da premiação. Neste último fim de semana, ela participou como convidada especial de um encontro que reuniu, na American University, em Washington, cerca de 60 ativistas do mundo inteiro na Coalizão para o Desenvolvimento e Direitos Humanos.

A falta de peixe no Xingu
Antônia testemunhou diversas transformações na Amazônia ao longo de décadas. Viu a Transamazônica ser construída, acompanhou a discussão do complexo Kararaô no rio Xingu, em 1989, resquício do período militar e que depois se tornaria, já no governo Fernando Henrique, Belo Monte, projeto que foi retomado ímpeto pelo  governo Lula da Silva. “Essa luta contra Belo Monte não começou agora”, lembrou.
Protesto contra construção de Belo Monte. Foto: Divulgação.
Protesto contra construção de Belo Monte. Foto: Divulgação.

Os impasses em torno do projeto de construção da usina começaram há mais de 20 anos. Em 2010, sob protestos de ambientalistas, embates judiciais que tentavam impedir a obra, o governo tirou do papel o empreendimento. A licença para construir o complexo – hoje a terceira maior hidrelétrica do mundo – foi concedida em junho de 2011, tendo sido inaugurada oficialmente em 2016 pela então presidente Dilma Rousseff.

Durante o período do canteiro de obras para erguer a usina, Altamira recebeu um influxo de cem mil pessoas. Orçada inicialmente em 16 bilhões de reais, o custo da obra já superou 30 bilhões de reais deixando um rastro de “destruição ambiental”, definiu D. Antônia.

Uma de suas maiores críticas é a escassez de peixes na região da hidrelétrica em razão da obra e do desvio do curso do rio. Um dossiê acerca dos impactos de Belo Monte sobre a pesca realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) confirmara as preocupações de Antônia.

Os principais impactos ambientais relatados por pescadores em 2013 eram as explosões, a turbidez da água, a dragagem do leito do rio e de praias, além do aterramento de praias e igarapés e a constante movimentação de embarcações. A extinção de locais de alimentação e reprodução da fauna também foram apontados como preocupantes. “Tais impactos repercutiram na supressão de importantes áreas de pesca, na queda da atividade produtiva e na interdição de trechos do rio para a navegação”, apontou o documento.

“É irreversível mudar o curso do rio”
Quando a instalação do restante das 18 turbinas for concluídas, até 2019, a usina gerará um total de 11.233,1 MW. Esta quantidade de energia é suficiente para um consumo médio de 60 milhões de pessoas, em 17 estados brasileiros, informou o consórcio Norte Energia S.A, em comunicado no final do ano passado.

Quando estiver em plena operação, 80 por cento do curso natural do rio Xingu terá sido desviado. A Volta Grande do Xingu, um trecho de 100 km na margem esquerda do rio próxima à barragem da usina, é uma das grandes preocupações de D. Antônia.

Além de banhar duas terras indígenas onde vivem as etnias Jurunas, Araras e Paquiçambas, a área abriga ainda a casa de centenas de famílias ribeirinhas que dependem do rio para seu sustento.
“É irreversível mudar o curso do rio, mudar as águas e toda uma diversidade que tínhamos. Nada paga, nada vai repor”, criticou Antônia.
Indígenas protestam contra barragem. Foto: Divulgação.
Indígenas protestam contra barragem. Foto: Divulgação.

A barragem bloqueou cerca de 1.500 km do Xingu e inundou 600 km quadrados de floresta, impactando mais de 500 espécies de peixes na região da hidrelétrica, publicou o pesquisador Philip M. Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em um recente artigo na Escola de Estudos Florestais e Ambientais de Yale.

“Tivemos um impacto no ecossistema, a morte de várias espécies, algumas de peixes ornamentais que só existiam nessa área onde implantaram os paredões de Belo Monte na ilha do Pimental”, conta Antônia ao relembrar o que fora uma das primeiras intervenções da obra no rio em 2012 para a construção da barragem principal e uma casa de força auxiliar.

“Só nessa área da Volta Grande tinham espécies que sumiram, peixes ornamentais como o acari-zebra e outras espécies lindas. Além da diminuição dos peixes que pescamos para usar como alimento. Os que estão no lago agora são doentes”, lamentou a ativista.

Um estudo publicado no jornal ‘Biodiversity and Conservation’ por um grupo de pesquisadores americanos, brasileiros e britânicos apontou para o desaparecimento de diversos habitats raros na região, pondo em risco a sobrevivência de espécies como o acari-zebra mencionado por D. Antônia, também conhecido como cascudo-zebra.

A Norte Energia informou ter implantado projetos de conservação da fauna de peixes em seu Plano Básico Ambiental. O acari-zebra é apenas encontrado em alguns trechos do Xingu. A transformação do ambiente natural das espécies aquáticas gerou a perda da capacidade de se reproduzirem. A piracema – o período de reprodução dos peixes – não ocorreu em 2016 na Volta Grande do Xingu, afirmam pesquisadores.

No site do Ministério de Minas e Energia (MME), um comunicado informa que a piracema não será impedida pelo barramento, preservando o equilíbrio da fauna aquática do Rio Xingu. “A hidrelétrica de Belo Monte será provida de escadas de peixes, assim como Itaipu e as usinas em implantação no rio Madeira, Santo Antônio e Jirau”. O governo ressaltou que seriam adotadas ações efetivas de mitigação de impactos sobre as espécies, como a elaboração de um Plano de Conservação de Ecossistemas Aquáticos.

“Alguns críticos afirmam, indevidamente, que a construção da barragem prejudicará o regime hídrico do rio Xingu”, continuou a nota. “Muito pelo contrário, haverá uma regularização do rio em Altamira, que perceberá um nível d'água constante graças à barragem. A Volta Grande do rio Xingu, evidentemente, não secará. Está garantida a vazão sanitária para todo o trecho afetado, exigência ambiental indispensável, permitindo a manutenção do curso original do rio e a preservação do ecossistema local”.
Pare Belo Monte. Foto: Divulgação/Movimento Xingu Vivo.
Pare Belo Monte. Foto: Divulgação/Movimento Xingu Vivo.

No entanto, no final de 2015, peixes começaram a morrer na Volta Grande. Meios de imprensa noticiaram que muitos peixes não conseguiram completar seu ciclo reprodutivo. Em abril de 2016, o Ibama multou a Norte Energia em R$35,3 milhões pela morte de 16,2 milhões de toneladas de peixe durante o processo de enchimento do reservatório.

“Estão tirando a vida do rio, dos peixes, da fauna, destruindo as águas. As ilhas lindas que tínhamos no rio Xingu, ilhas majestosas, já não existem. A vida dos ribeirinhos foi estraçalhada, as famílias foram arrancadas de lá como foram arrancadas as ilhas e as raízes das árvores. O rio era o modo de vida dos ribeirinhos”, disse Antônia.

Belo Sun, o novo perigo
O rio Xingu pode ser duplamente impactado com mais um projeto que tem tirado o sono de Dona Antônia. Localizado a 13 km da usina, está um projeto que pode ser ainda mais polêmico: a maior mina de ouro a céu aberto do país.

A empresa canadense Belo Sun pretende instalar o empreendimento sob o nome de ‘Projeto Volta Grande’. O local escolhido é na própria Volta Grande do Xingu, a menos de 10 km de distância da terra indígena Paquiçamba e também próxima a duas outras reservas indígenas, umas delas habitada por tribos isoladas.

Ainda não teria havido nenhuma consulta livre, prévia e informada às populações indígenas e às 300 famílias ribeirinhas que moram na região. Os números são ambiciosos: a mineradora pretende investir R$ 1,5 bilhão, extrair 600 toneladas de ouro em 12 anos, ocupar uma área de 346 hectares ao longo de 120 km do Xingu e deixar um passivo de 504 milhões de toneladas de rejeitos de minério.
Em fevereiro de 2017, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará concedeu a Licença de Instalação para a Belo Sun Mineração LTDA. O início das obras logo fora  barrado por uma ação do Ministério Público Federal.

Dona Antônia receia que a mineradora componha a paisagem junto com a hidrelétrica e descaracterize de vez o rio Xingu e a floresta. “Não tem nada de belo. Belo Monte e Belo Sun são monstros de destruição e morte. O pior é que o governo do Estado do Pará está apoiando tudo isso. As pessoas estão inseguras, ninguém sabe o que vai acontecer”, criticou.

Para a cearense que passou toda uma vida na Amazônia, o prêmio que recebeu em Nova York não representa o fim, mas um reconhecimento pela dedicação de defensores da floresta e dá fôlego para continuar o seu ativismo.

“O prêmio é uma vitória, nunca desistimos esses anos todos. É um reconhecimento para todas e todos que estão nessa luta e dá visibilidade para importância da causa do meio ambiente e dos direitos humanos”, destacou.
 

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