CARTA ABERTA
Governador não aparece, sociedade civil não fala e ZEE/DF
tem mais problemas
Mônica Veríssimo dos Santos – Secretária-Executiva Fórum ONGs
Ambientalistas do DF
A
questão climática é um tema global e local e precisa ser trabalhada dentro das
agendas de curto e longo prazo pela sociedade.
Nesse contexto, o Governo do Distrito Federal tem papel-chave. Afinal, as mudanças climáticas precisam ser
vistas como política de Estado e não de Governo. O êxito de sua implementação
passa necessariamente pela participação ativa da sociedade civil e tudo isso
carece de termos instrumentos válidos de planejamento e ordenamento territorial
e ambiental, que precisam ser robustos,
no sentido de dar respostas confiáveis à sociedade e, cientificamente,
chancelados. Contudo, parece que o Governador
não entende assim.
O
I Fórum do Clima do Distrito Federal teve sua abertura hoje cedo (28/11/17). Esperava-se um rotundo e emblemático evento,
considerando estarmos diante de uma escassez hídrica, que não tem previsão de
acabar. Contudo, o que vimos foi o
desprestígio do Governador dentro de uma das principais agendas eleitas pela
sociedade para o Distrito Federal. Primeiro,
o Governador não apareceu, embora estivesse confirmado, o que mostra um certo
descrédito com o tema. Segundo, em vez
de enviar seu substituto direto, que é o Secretário da Casa Civil, preferiu ser
representado por uma servidora da SEMA. Terceiro, as crianças que iriam
entregar uma carta ao Governador se deram conta, de forma tocante, que o
representante máximo do GDF não estava tão preocupado com o futuro delas. Por último, os convidados que compunham a mesa
de abertura, em sua maioria, não puderam falar, incluído o Fórum das ONGs
Ambientalistas do DF.
Durante as ponderações da
representante do Governador, Sra. Maria Silvia Rossi, foi destacada a importância
do instrumento Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE/DF) como estratégico para as
mudanças climáticas. Ocorre que o ZEE/DF continua a não cumprir suas
promessas e há intenção do GDF de encaminhá-lo à Câmara Legislativa ainda este
ano. O instrumento tem problemas tanto dentro de
seu projeto quanto no processo de tramitação. Durante a 1a. e 2a.
audiências públicas foram apontadas diversas incongruências de conteúdo e
legais que permanecem insanáveis. Contudo,
da última vez, a sociedade civil organizada soube que a SEMA havia encaminhado
o ZEE/DF à Casa Civil de forma relâmpago. Sem dar satisfação das modificações que
haviam sido aceitas. Um total
desrespeito e desprestígio com a comunidade. No caso do Fórum das ONGs Ambientalistas do
DF, temos mais de vinte e cinco anos de história e lutas por um Território
inclusivo, educador, saudável, sustentável e democrático. Durante anos, fomos
incansáveis na necessidade do instrumento ZEE para o Território, exatamente por
saber de sua importância.
O estágio em que nos encontramos é
de extrema gravidade. A sociedade vem
perdendo os canais oficiais de diálogos, vide o expurgo de conselheiros no
Parque Burle Marx e hoje não foi dada a palavra à sociedade civil no Fórum
Clima. Os reservatórios de abastecimento de água se
encontram na “UTI”, o que nos leva a perdas econômicas e de qualidade de
vida. Por fim, o ZEE/DF, principal
instrumento da política pública ambiental, ainda possui mais problemas, os
quais serão apresentados a seguir. A maior parte deles é fruto de um somatório
de acontecimentos relacionados ao processo de tramitação do ZEE/DF. Por
isso, tomei a decisão de entrar com uma representação no Ministério Público
Federal, ocorrida em 25/10/17, antes da 2a audiência do ZEE/DF. Essa representação é de conhecimento do
Ministério Público do Distrito Federal – MPDFT. Os motivos que levaram a tal medida são elencados
abaixo em ordem cronológica:
·
Em
março deste ano, a SEMA formaliza convite ao Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), para que o Dr.
Mauro César Lambert de Brito Ribeiro, pesquisador e diretor da Reserva
Ecológica do IBGE (RECOR), participasse na elaboração do texto do Projeto de
Lei do ZEE/DF. Isso ocorreu em função, à época da 1a Audiência do
ZEE/DF, de terem sido apontados vários problemas conceituais, metodológicos e
de resultados dentro do trabalho;
·
Em
março, o Instituto de Geociências (IG) da Universidade de Brasília é apontado em
um caderno produzido pelo GDF como integrante da Academia que tinha elaborado o
ZEE/DF. O material foi produzido em
papel e se encontra na página da SEMA. O
caderno contém, na página 7, a frase “As muitas mãos que construíram o ZEE no DF”.
Ocorre que o material tem erros grosseiros conceituais, metodológicos e de
conteúdo. Isso levou a um questionamento
interno feito ao Prof. Dr. José Elói Guimarães Campos, diretor do IG, sobre se houve participação formal do
Instituto na elaboração do ZEE/DF. Em resposta, o Prof. José Elói afirma que “o IG
não foi formalmente envolvido na execução do ZEE/DF. Eventualmente, docentes
e técnicos dos quadros da Universidade de Brasília ou do Instituto de
Geociências podem ter tido participação direta ou indireta na execução de
análises que culminaram na confecção do ZEE. A participação do Instituto de
Geociências não foi formalizada junto ao Conselho de Instituto e caso o Governo
do Distrito Federal considere necessária a formalização desta participação,
será necessário que o conselho se manifeste. (...) Caso seja solicitado, por
canais oficiais ou por instituições formais, o Instituto de Geociências
constituirá comissão de docentes especialistas para proceder às avaliações
pertinentes;
·
Desde
que a SEMA solicitou contribuição formal
do IBGE, este Órgão, em diversos
momentos, pediu todo material digital do ZEE/DF, para ajudar nas suas análises.
Contudo, isso nunca foi atendido. Foi necessário
que o MPDFT intercedesse e solicitasse à SEMA o envio dos dados. Entretanto, o material disponibilizado foi
incompleto. Cabe destacar que, até agosto,
o MPDFT desconhecia o fato de a SEMA ter pedido ajuda ao IBGE;
·
Devido
à carga de trabalho em relação ao ZEE/DF, o IBGE solicita ajuda de pesquisadores
afetos à temática Zoneamento Ambiental e também de professores do Instituto de
Geociências. Mais adiante, o IBGE oficializa
o pedido de parceria com o Instituto de Geociências;
·
Em
final de maio, a SEMA agenda uma reunião para início de junho com o IBGE, para
tratar do andamento dos trabalhos dessa instituição. Contudo, devido à mudança
na presidência do IBGE, é solicitado pelo órgão adiamento do encontro para
final do mês. Depois disso, nunca mais houve contato da SEMA com o IBGE para
tratar do ZEE/DF;
·
Na
primeira quinzena de outubro, a SEMA divulga novos dados e produtos referentes
ao ZEE/DF, já com um link denominado ZEE/FINAL. Também indicava a última
audiência pública do ZEE/DF, agendada para
28/10/17;
·
Desde
março, embora o IBGE estivesse trabalhando no ZEE/DF e contasse com ajuda do Instituto
de Geociências, não foi comunicado oficialmente da 2a. Audiência Pública. A instituição soube por terceiros. Além da perplexidade da notícia, o Órgão desconhecia
o ZEE/FINAL;
·
Em
outubro, a 2a. Audiência Pública do ZEE/DF foi realizada pela SEMA.
O IBGE nem ao menos foi convidado a participar. Na ocasião, novamente a SEMA aventa que o
Instituto de Geociências estaria contribuindo naquele instrumento. A audiência
foi toda gravada em vídeo e áudio.
Os
fatos acima são graves e envolvem duas instituições federais, o IBGE e o
Instituto de Geociências (UnB). Ambos disponibilizaram o conhecimento adquirido
e seus profissionais para aprimorar o ZEE/DF, principal instrumento da política
ambiental do Distrito Federal. As
informações geradas por eles são de extrema importância para preencher as diversas
lacunas do ZEE/DF. Cabe realce as seguintes temáticas:
·
Questões
hídricas (superficiais e subterrâneas). Como o Instituto de Geociências detém a
maior quantidade de trabalhos publicados sobre águas subterrâneas no DF, sua
participação é de suma importância;
·
Grau
de integridade dos ecossistemas terrestres e aquáticos, com especial atenção às
espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, que constam do Livro Vermelho;
·
Grau
de fragmentação do cerrado dentro e fora
das unidades de conservação e de pressão antrópica sobre as áreas
protegidas;
·
Formação
de corredores ecológicos entre Reservas Legais, Áreas de Preservação Permanente
e unidades de conservação, com especial atenção às áreas prioritárias para a
conservação definidas pelo Ministério do Meio Ambiente;
·
Densidade
populacional máxima dentro das bacias hidrográficas, com ênfase para as bacias
do Lagos Paranoá e Descoberto. No
primeiro caso, isso irá contribuir para subsidiar o planejamento urbanístico na
área de tutela do Conjunto Urbanístico de Brasília. Para ambas as bacias os
resultados irão ajudar a estabelecer parâmetros mais fidedignos referentes ao
grau de proteção do sistema hídrico;
·
Inserção
e compatibilização de todos os zoneamentos ambientais das unidades de
conservação em relação ao atual PDOT e a proposta do ZEE/DF, com destaque para
a APA do Planalto Central.
Embora
os fatos narrados envolvam instituições federais, o Ministério Público Federal
teve entendimento de promover o declínio de atribuições em favor do Ministério
Público do Distrito Federal, que vem acompanhando mais de perto a elaboração do
ZEE/DF. O fato é que os vícios nesse instrumento crescem e se tem evidências claras que ainda não temos
o ZEE/DF que necessitamos e almejamos. Assim, a saída para preencher as lacunas no
ZEE/DF passa pelos resultados que o IBGE e o Instituto de Geociências estão
produzindo. Afinal, tratam-se de instituições idôneas, confiáveis e com larga
experiência científica na área.
A
falta de deferência do GDF para com as instituições federais não pode
significar a perda de um trabalho que está em andamento. Não está claro os motivos que levaram a SEMA a
desprezar o aporte de conhecimento do IBGE em ZEEs nacionais e insistir com a
alegação que o Instituto de Geociências contribuiu com o atual projeto ZEE/DF. Por tudo isso, a sociedade merece garantias
para ter um instrumento sem vícios, que
contenha o máximo de informações científicas e atenda aos objetivos da política
ambiental do Distrito Federal. Logo, não
cabe ao GDF vaticinar, como fez hoje no Fórum Clima, ao citar
o projeto ZEE/DF como instrumento
que irá contribuir no enfrentamento das
mudanças climáticas. Diante dos fatos
narrados, fica cada vez mais evidente que o atual ZEE/DF não é toda aquela
panaceia que o GDF produziu.
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