segunda-feira, 26 de junho de 2017

O Globo – Em defesa do multilateralismo e do clima / Artigo / Sérgio E. Moreira Lima

É embaixador e presidente da Fundação Alexandre de Gusmão

O Brasil distingue-se no cenário internacional como um dos países que contribuíram, de forma notável, para o multilateralismo. Este representa visão de mundo em que todos os países participam da governança global. Um marco de nossa atuação nesse campo foi a participação na 2ª Conferência de Paz de Haia, em 1907, quando Ruy Barbosa, na chefia da delegação brasileira, e o Barão do Rio Branco, no comando do Itamaraty, defenderam o princípio da igualdade soberana dos Estados. Trata-se de um conceito westfaliano, estabelecido ainda no século XVII, mas cujo resgate não interessava às potências da época. 


O princípio acabou sendo consagrado na carta das Nações Unidas e tornou-se um dos fundamentos do multilateralismo. A Convenção do Mar foi um de seus importantes resultados, apesar da oposição dos EUA e da então União Soviética. O Congresso americano até hoje não ratificou a convenção, que, no entanto, estabeleceu o regime aplicável na matéria, por todos observado.



O anúncio recente da intenção do governo dos EUA de se retirar do Acordo de Paris, um pacto histórico global para evitar o desequilíbrio climático do planeta, assinado por 195 países, constitui outra tentativa de desferir duro golpe no multilateralismo e nos esforços da governança internacional para garantir o desenvolvimento sustentável. Conceito central nesse campo, o desenvolvimento sustentável foi consagrado em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro. 



Como não poderia deixar de ser, o governo brasileiro reagiu e manifestou sua “preocupação e decepção” diante do anúncio de que o governo americano pretende se retirar do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e “renegociar” sua reentrada. A nota da chancelaria brasileira adverte para o “impacto negativo de tal decisão no diálogo e cooperação multilaterais para o enfrentamento de desafios globais.”




O Brasil está certo ao declarar, nos termos da nota, que continua comprometido com o esforço global de combate à mudança do clima e com a implementação do Acordo de Paris. O combate à mudança do clima deve ser efetivamente processo irreversível, inadiável e compatível com o crescimento econômico, em que se vislumbram oportunidades para promover o desenvolvimento sustentável e para novos ganhos em setores de vanguarda tecnológica. O governo brasileiro prossegue em seu compromisso de trabalhar com todos os Estados partes do Acordo e outros atores na promoção do desenvolvimento com baixa emissão de gases de efeito estufa para fazer frente às causas da mudança do clima.




O país se orgulha de ser um dos formuladores do conceito de desenvolvimento sustentável e do compromisso justo que representa entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Outro princípio norteador dos esforços internacionais nesse campo, e com o qual o Brasil está igualmente comprometido, é o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. O Acordo de Paris estabelece o arcabouço para que as partes apresentem esforços nacionais refletindo as responsabilidades e capacidades de cada um. 




O Acordo dá margem para que cada país defina medidas e políticas para regular a emissão de gases de efeito estufa da forma que melhor atenda a suas circunstâncias domésticas, conciliando o crescimento econômico com a defesa do meio ambiente.




Além da responsabilidade de conciliar posturas divergentes e de contribuir para os textos finais dos tratados e documentos internacionais — tanto na Conferência do Rio em 1992, quanto na Rio + 20 em 2012, e no Acordo de Paris, em 2016 —, o Brasil representa tradicionalmente um dos atores principais na consolidação de um regime aplicável a todas as nações por meio do direito ambiental. 



O que está em jogo, ademais do esforço coletivo para a sobrevivência do planeta, é o histórico e decisivo concurso dos EUA na construção desse mesmo multilateralismo, motivo da admiração e do respeito internacional, sobretudo na construção das Nações Unidas e de uma ordem internacional cooperativa após a Segunda Guerra Mundial. Trata-se de singular legado, político e moral, no enfrentamento solidário dos desafios globais, que agora se encontra ameaçado.

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