quarta-feira, 6 de setembro de 2017
– Entrevista ao site pretonobranco.org –
O que está por detrás da transposição do Tocantins para o São Francisco?
Em primeiro, é preciso dizer que essa proposta é mais insana, mais louca
que a transposição do São Francisco para outros estados da forma como
ela foi feita.
Na verdade, os movimentos socioambientais sempre disseram que o São
Francisco tinha pouca água para suportar uma transposição. Era um
anêmico que não podia doar sangue. Agora, essa proposta de transpor o
Tocantins para o São Francisco só comprova o que sempre dissemos. Está
faltando água no São Francisco não só para as comunidades beiradeiras,
mas a falta de água inviabilizou a hidrovia do São Francisco, diminuiu a
geração de energia e está faltando água até para os perímetros
irrigados já instalados. Então, começou a bater o desespero também no
setor econômico, naqueles que mais ganham com as águas do Velho Chico.
Daí a proposta doida de transpor o Tocantins para aumentar o volume de
água do São Francisco, água que ele já teve, mas agora não tem mais.
Essa transposição do Tocantins para o São Francisco é viável?
As pessoas propõem certas obras e com isso mostram todo desconhecimento
que tem da realidade. O aquífero que abastece o Tocantins é um dos
mesmos que abastece o São Francisco, isto é, o aquífero Urucuia. E esse é
um dos aquíferos que está perdendo forças no Cerrado brasileiro.
Portanto, sem o aquífero Urucuia morre o Tocantins e morre o São
Francisco.
Acontece que a devastação da Amazônia que gera os rios voadores que
fazem chover em todo território brasileiro, inclusive até na Argentina,
está prejudicando a formação dos rios voadores. E o Cerrado brasileiro,
onde estão os três maiores aquíferos do Brasil e da América Latina –
Urucuia, Bambui e Guarani -, está sendo devastado para plantação de soja
e criação de gado. Com seus solos compactados, perdeu a capacidade de
alimentar seus aquíferos, ou pelo menos está perdendo essa capacidade.
Portanto, nossa caixa d’água está cada vez mais seca.
Então, esses dias andei em Miracema do Norte, no Tocantins, e o rio
Tocantins de lá estava mais seco que o São Francisco aqui. Andei no Bico
do Papagaio, em Marabá, onde o Tocantins se encontra com o Araguaia e
vi mais pedras que água no leito do Araguaia.
Portanto, não é fazendo obras gigantescas que vamos resolver os
problemas de nossos rios, pelo contrário, elas podem tornar a situação
ainda mais grave.
O que fazer?
Sem uma revitalização séria e sem respeito ao nosso ciclo das águas não
há tecnologia que resolva nossos dramas hídricos. Primeiro, respeitar a
Amazônia, que o ministro de Petrolina agora quer entregar para as
mineradoras.
Segundo, preservar o que há no Cerrado, para que a área não seja
totalmente impermeabilizada e evitar que nossos aquíferos que distribuem
a água para todo território nacional sejam extintos. Sem esses
aquíferos morre o São Francisco e o Tocantins.
Terceiro, investir seriamente na revitalização do rio São Francisco, que
pressupõe parar por hora com novos projetos de irrigação e uso da água;
recompor as matas do território da bacia, principalmente as ciliares,
encostas e áreas de recarga dos aquíferos; parar com o desmatamento do
Cerrado mineiro e baiano.
Cada um de nós também pode contribuir no cotidiano, no jeito de lidar
com a água, o rio e cobrando dos responsáveis que a revitalização seja
séria e eficaz.
Perdemos muitas batalhas a cada dia na luta pelo São Francisco, mas ainda não perdemos essa guerra.
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui
formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe
CPP/CPT do São Francisco.
www.robertomalvezzi.com.br
Fonte: EcoDebate
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