“Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”
Augusto Comte (1798-1857)
[
EcoDebate]
O Brasil já nasceu grande em termos de extensão territorial, mas ainda
era uma economia pequena no século XIX. Com o fim da escravidão (1888) e
a Proclamação da República (1889) o país redirecionou o seu sistema
produtivo para a busca do desenvolvimento nacional e, progressivamente,
para o fortalecimento do mercado interno.
O lema “Ordem e Progresso” foi inscrito na bandeira nacional por
influência dos positivistas. Este binômio foi inspirado no lema do
sociólogo francês Auguste Comte (1798-1857), considerado o pai do
positivismo: “Amor como princípio e ordem como base; o progresso como
meta”. O progresso era uma ideia em moda no século XIX e a Europa era
uma referência para o mundo na medida em que conquistava territórios e
vendia seus produtos modernos. Inspirados na ideologia europeia, os
positivistas brasileiros tiveram papel de destaque na Proclamação da
República (Só não se sabe porque eles não colocaram a palavra amor na
faixa da bandeira nacional).
Naquela época, o Brasil era um país pouco povoado, rural, agrário e
com pouca integração entre suas diversas regiões. Desta forma, não é de
se estranhar que o progresso estivesse relacionado ao crescimento
populacional, ao desenvolvimento econômico, à dominação da natureza e à
grandeza da Pátria. Não havia preocupação com as questões ambientais e a
defesa da biodiversidade.
O presidente do Brasil, Afonso Pena (1906-1909), dizia que “Governar é
povoar”. Já Washington Luis (1926-1930), ampliando esta concepção,
dizia que “Governar é abrir estradas”. A frase completa do último
presidente da República Velha, dando ênfase à ocupação do território, é:
“Governar é povoar; mas, não se povoa sem se abrir estradas, e de todas
as espécies; Governar é, pois, fazer estradas”.
O Presidente Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) chegou ao poder
prometendo redirecionar o desenvolvimento brasileiro para o mercado
interno e para o interior. Ele apoiou a família extensa, o crescimento
populacional e a migração para o Oeste. Os trabalhadores assalariados da
CLT foram premiados com um “salário-família” a título de estimular uma
prole numerosa. No governo Vargas foram implantadas políticas sociais
que, de forma intencional ou não, tinham objetivos pronatalistas.
Mas além da política positivista voltada para o crescimento
populacional, na era Vargas houve uma legislação claramente
anti-controlista, por exemplo: a) o Decreto Federal n. 20.291, de 11 de
janeiro de 1932 estabelecia “É vedado ao médico dar-se à prática que
tenha por fim impedir a concepção ou interromper a gestação”; b) a
Constituição de 1937 em seu artigo 124 diz: “A família, constituída pelo
casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. As
famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de seus
encargos”; c) em 1941, durante o Estado Novo, foi sancionada a Lei das
Contravenções Penais que em seu artigo 20 proibia: “anunciar processo,
substância ou objeto destinado a provocar o aborto ou evitar a
gravidez”.
A maior obra do presidente pós Segunda Guerra, Eurico Gaspar Dutra
(1946-1951), foi a construção da Via Dutra (BR 116), inaugurada em 19 de
janeiro de 1951 ligando as duas maiores cidades do Brasil. Após o
segundo governo Vargas, foi eleito o Presidente Juscelino Kubitschek que
tinha como lema central a bandeira: “50 anos em 5”. Ele prometia
acelerar a modernização do país, construindo hidrelétricas, indústria de
base, automóveis, bens de consumo em geral e, principalmente, a
construção de Brasília e a conquista do Cerrado. Os governantes
brasileiros sempre consideraram a natureza uma fonte inesgotável de
riquezas que deveriam ser exploradas sem maiores considerações e
seguiram a visão cornucopiana de Pero Vaz de Caminha: “Aqui, nesta
terra, em se plantando, tudo dá.”
Os militares, que tomaram o poder em 1964, estavam na linha de frente
da exploração desenfreada do meio ambiente e da política populacional
expansionista do “Brasil potência”. Mesmo com as precárias condições de
vida e a falta de investimentos no bem-estar qualitativo da população,
os primeiros governos militares adotaram uma política pronatalista, como
mostrou Canesqui: “A doutrina da Segurança Nacional, adotada pelo
regime militar no período 1964-1970, assegurou a posição natalista,
incluindo expectativas quanto ao crescimento demográfico e o
preenchimento dos espaços vazios de regiões a serem colonizadas
(Amazonas e Planalto Central).
Esta preocupação ficou bastante clara no
Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970) do governo Costa e
Silva. Este mesmo governo reafirmou suas convicções natalistas face ao
desenvolvimento e à segurança, em mensagem dirigida ao Papa Paulo VI,
por ocasião da publicação da Encíclica Humanae Vitae (1968) de forma a
não contrariar a posição oficial da Igreja Católica, diante da política
controlista da natalidade”.
Seguindo a linha dos governos autoritários, o general linha dura e
Presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) chegou a estabelecer a
seguinte orientação para o processo de ocupação territorial: “Levar os
homens sem-terra à terra sem homens”. Na Primeira Conferência Mundial
sobre o Homem e o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, o
General Costa Cavalcante, Ministro do Interior e representando o
governo, proferiu um discurso claramente antiecológico: “Para a maioria
da população mundial, a melhoria de condições é muito mais uma questão
de mitigar a pobreza, dispor de mais alimentos, melhorar vestimentas,
habitação, assistência médica e emprego, do que ver reduzida a poluição
atmosférica”.
Após o processo de redemocratização, os governos José Sarney
(1985-1989), Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) pouco fizeram para reverter a o
quadro de degradação ambiental e redirecionar o processo de
desenvolvimento do país. Da mesma forma, os governos Luís Ignácio Lula
da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014) reviveram a linha do
neodesenvolvimentista, dando incentivo aos grandes projetos, como o
pré-sal, a transposição do rio São Francisco, as hidrelétricas na
Amazônia e a venda de commodities do agronegócio e dos agrotóxicos,
assim como de produtos minerais altamente poluidores (ferro, bauxita,
nióbio, ouro e outros metais). O uso do mercúrio e do cianeto na
separação e limpeza da exploração mineral transforma o garimpo em uma
das atividades mais poluidoras, tendo como consequência a contaminação
de peixes e animais silvestres, afetando inclusive a saúde humana.
O Brasil passa por uma especialização regressiva e a economia está
muito dependente de produtos básicos, vindos da “Roça” (agronegócio) e
da “Mina” (pré-sal e mineração). A Câmara dos Deputados aprovou, dia 29
de novembro de 2017, o texto-base da Medida Provisória 795/17, que
concede isenções tributárias para a indústria do petróleo que podem
ultrapassar R$ 1 trilhão em 25 anos. Por conta disto, o Brasil recebeu
uma honraria indesejada pelos países durante as negociações climáticas
da COP23: o “Fóssil do Dia”. O “prêmio” é dado pela Climate Action
Network para os países que ou estão atravancando as conversas na
conferência ou não tomando internamente as ações necessárias para o
combate às mudanças climáticas. Portanto, a ideologia positivista do
desenvolvimentismo a qualquer custo continua viva e virou quase uma
religião de Estado.
Evidentemente a ideia de progresso tal como aconteceu no país tem
sido questionada por muitas pessoas e diversos movimentos populares. Por
exemplo, em entrevista à Revista época (04/06/2012), Dom Erwin
Kräutler, bispo do Xingu, fez várias críticas sobre a forma como o
progresso brasileiro possibilitou o aumento do genocídio dos índios e o
ecocídio das espécies vivas do Cerrado e da floresta amazônica. Na
verdade dos os ecossistemas brasileiros foram afetados terrivelmente
pelo processo de desenvolvimento do Brasil.
O gráfico acima, mostra que até os 200 anos da Independência
(1822-2022), a população brasileira terá crescido 46 vezes, o PIB terá
crescido 834 vezes e a Renda per capita terá aumentado em 18 vezes. A
despeito das desigualdades sociais, o progresso humano foi espetacular.
Mas todo o progresso humano ocorreu às custas do retrocesso ambiental.
Todos os biomas brasileiros foram afetados e continuam sendo degradados.
Os rios urbanos viraram esgotos e foram enterrados vivos. Os dois
maiores rios da região Sudeste (rio Doce e Paraíba do Sul) estão em
estado de miséria.
O rio São Francisco está cada vez mais sem água e o assoreamento e a
degradação é quase uma sentença de morte. Os rios Pajeú e Riacho do
Navio só existem na imortal música de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.
Embora o Brasil seja o país com o maior superávit ambiental do mundo,
caminha, se forem mantidas as tendências das últimas décadas, para uma
situação de déficit. A Footprint Network apresenta duas medidas úteis
para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a
disponibilidade de “capital natural” do mundo. A Pegada Ecológica serve
para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A
Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente
produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana
por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.
A pegada ecológica per capita do Brasil, em 1961, era de 2,4 hectares
globais (gha) e a biocapacidade per capita era de 22,7 gha. Portanto, a
biocapacidade per capita era 10 vezes maior do que a pegada ecológica.
Mas em 2013, a pegada ecológica subiu para 3 gha, enquanto a
biocapacidade caiu para 8,9 gha. A relação entre as duas medidas caiu
para menos de 3 vezes. O Brasil ainda possui um grande superávit
ambiental, mas pode jogar fora todo este patrimônio natural nos próximos
50 anos se nada for feito para reverter o padrão insustentável de
desenvolvimento.
A análise apresentada nesse artigo é uma pequena parte do capítulo
“Population, development and environmental degradation in Brazil” de
ALVES e MARTINE (2017), que compõe o livro “Brazil in the Anthropocene:
Conflicts Between Predatory Development and Environmental Policies”,
editado por ISSBERNER LR; LENA P. (2017). Uma síntese do capítulo pode
ser acessada no link abaixo, com base na apresentação feita no dia
27/09/2017, no Rio de Janeiro. Se o rumo da insustentabilidade não for
redirecionado, o Brasil não terá nada a comemorar, em 2022, nos 200 anos
da Independência.
Referências:
ALVES, JED; MARTINE, G. Population, development and environmental
degradation in Brazil. In: Brazil in the Anthropocene: Conflicts Between
Predatory Development and Environmental Policies”, Londres, NYC,
Routledge, 2017
ALVES, JED. População, desenvolvimento e degradação ambiental no
Brasil, Apresentação do capítulo do livro Brasil no Antropoceno, no
Museu do Amanhã, Rio de Janeiro, 27/09/2017
https://pt.scribd.com/document/360151759/Populacao-desenvolvimento-e-degradacao-ambiental-no-Brasil