O Metrô
estava cheio e as duas moças tagarelas não se importunavam com a audiência. E
eu, que nunca perco a alma e a escuta de jornalista, prestei atenção e pesquei
uma chance de refletir com vocês sobre consumismo e sobre o uso dos celulares.
Vejam só:
– Cara,
estou uma pilha de nervos. Você nem vai acreditar o que aconteceu.
– Não
sei, mas pelo seu jeito...
– Meu
filho, simplesmente, mexeu no meu celular de tal jeito que bloqueou!! Não posso
ver nada nem mandar nada para ninguém. Um inferno! Até chorei hoje no trabalho
por causa disso..
– Ah, se
acontecesse comigo também eu ia me desesperar. Deus me livre! Mas você deixa o
garoto pegar no celular?
– O que
eu posso fazer? Ele também é viciado, que nem eu (risos)... Tem dois anos de
idade, mas já sabe mexer em tudo. Só que às vezes dá ruim.
– E
agora? O que você vai fazer?
– Vou
descer numa estação antes da minha porque tem uma loja lá que talvez conserte.
Se não consertar, vou me endividar outra vez e compro outro. Ah, sem celular é
que eu não fico mesmo, já pensou?
Minha
estação chegou antes, tive que abandonar a história. Mas não é muito difícil
saber que o fim é mesmo aquele que a moça de aparência modesta, talvez
pertencente à classe D, profetizou: mais dívidas, menos dinheiro sobrando no
fim do mês de um parco salário. Em nome de quê?
Que pena
que não pude conversar um pouco. Curiosidade de saber o que leva uma pessoa a
ficar nervosa, a ponto de chorar, pela falta de um aparelho celular. Mas acho
que já sei a resposta: vício, simples assim. Além de um consumismo extremo, às
avessas, indiferente à crise econômica, ao desemprego, à falta de perspectiva.
Quero deixar claro que isto não é um julgamento, e sim uma possibilidade de se
pensar sobre a realidade.
Mas leio no
“The Guardian” que tal vício já foi detectado até
pelo Google, que prontamente se propôs a nos ajudar contra isso. Com o objetivo
de melhorar nosso “bem-estar-digital”, o site está lançando uma série de
recursos, entre eles um aplicativo que funcionará como uma espécie de painel,
informando rapidamente como - e com que frequência – a pessoa usa o telefone.
“Ele
permitirá que você defina limites de tempo por meio de um cronômetro de
aplicativos e avise quando estiver usando por muito tempo”, explica o
jornalista Matt Haig no artigo para o jornal britânico.
O
jornalista se questiona até que ponto se pode apostar na eficácia de uma medida
que usa mais tecnologia para combater o abuso da tecnologia. E completa:
“É irônico
uma empresa que alimenta nosso vício em tecnologia nos dizer que ela é a chave
para nos livrar dela. Isso funciona como um bom programa de marketing e
antecipa qualquer crítica futura à irresponsabilidade corporativa”.
De qualquer
forma, prefiro também trazer a reflexão para a nossa medida de responsabilidade
nisso. Não me parece razoável, embora tenha muito medo de julgar, que uma moça
aparentemente de baixo poder aquisitivo se esforce tanto para obter algo que
não vai ser definitivo para ajudá-la a respirar. Afinal, viver não é o
propósito final? E sei que não se trata de um caso único, nem mesmo raro.
Uma
pesquisa publicada há dois anos pelo Centro de Pesquisas Pew pode explicar bem a complexidade
dessa era da interconexão à custa da tecnologia. Não é recente, mas vale a pena
ser revisitada, porque colabora com a reflexão à qual estou me propondo.
O estudo,
conduzido em 40 países, entrevistou 45.435 pessoas e concluiu que houve um
aumento, considerado “notável” pelos pesquisadores, na porcentagem de pessoas
em países emergentes que dizem estar conectadas e ter um smartphone.
“Em 2013,
uma média de 45% de moradores de 21 países emergentes e em desenvolvimento
relataram usar a internet pelo menos ocasionalmente, ou possuir um smartphone.
Em 2015, esse número subiu para 54%, com grande parte desse aumento vindo de
grandes economias emergentes, como Malásia, Brasil e China. Em comparação, uma
média de 87% usam a Internet em 11 economias avançadas pesquisadas em 2015,
incluindo EUA e Canadá, grandes nações da Europa Ocidental, países do Pacífico
desenvolvidos (Austrália, Japão e Coréia do Sul) e Israel.”
Quando a
pergunta feita era apenas sobre se a pessoa tinha ou não um smartphone, a
diferença entre os países emergentes e os países ricos ficou na faixa de 31
pontos apenas.
“Os índices
de propriedade de smartphones em países emergentes e em desenvolvimento estão
aumentando extraordinariamente, passando de uma média de 21% em 2013 para 37%
em 2015. E maiorias esmagadoras em quase todas as nações pesquisadas relatam
possuir alguma forma de dispositivo móvel, mesmo que elas não sejam
consideradas ‘smartphones’”, revelam os pesquisadores.
Quanto ao
uso que fazem dos dispositivos, a conclusão é direta: “Usuários da Internet em
países emergentes são usuários mais frequentes de redes sociais em comparação
com os EUA e a Europa”. E os maiores seguidores de redes sociais estão no
Oriente Médio (86%), na América Latina (82%) e na África (76%). Nos Estados
Unidos este percentual é de 71% e em seis países europeus é de 65%.
O perfil
daqueles que usam mais a internet é o de pessoas com mais escolaridade e de
renda mais alta, tanto nos países desenvolvidos quanto nos pobres. A idade gira
entre 18 e 34 anos.
Fico por
aqui. Sem muitas chances de desenvolver o pensamento, lembro-me bem de
observar, quando tive chance de viajar para outros países, diferenças
fundamentais nos usuários do Metrô. Há a maioria que lê livros e há a maioria
que gruda os olhos em telas de smartphones. O que interessa para as empresas
que produzem esses dispositivos, claro, é ver todo mundo usando. Mas,
será mesmo que é progresso aquilo que trazem?