Por Márcio Pereira
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O recente movimento grevista dos caminhoneiros levou o governo federal a buscar alternativas para a solução da crise que paralisou o país, definindo-se pela concessão de subvenção ao consumidor de diesel, além da retirada temporária da obrigatoriedade da mistura B10 (10% de biodiesel), entre outras medidas. A par da discussão econômica e política, a solução surge bem no momento em que o governo discute a implementação do RenovaBio (Lei 13.576/2017), que compõe o pacote de políticas públicas destinadas a atender os compromissos assumidos pelo Brasil, por meio do Acordo de Paris, como o de reduzir em 43% as emissões de gases do efeito estufa (GEE) e aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para 18% até 2030.
O tema biocombustível é atual e urgente. A recente audiência pública, realizada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, possibilitou discutir o processo de certificação da produção eficiente de biocombustíveis, que é necessário para a emissão dos créditos de descarbonização (CBIOs), em mais uma etapa para a implantação do RenovaBio. Na mesma data, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) anunciou a meta de redução de carbono em 10% até o fim de 2028, outro importante instrumento que também aguardava regulamentação. Espera-se, segundo o governo, o crescimento da participação dos biocombustíveis dos atuais 20% para 28,6% na matriz de combustíveis, bem como maior previsibilidade para os investimentos.
É inegável que o Brasil possui uma forte dependência do transporte rodoviário, movido essencialmente a óleo diesel, sendo certo que a sua oneração tributária ou fiscal impacta a cadeia produtiva. Por isso, soluções na mesma linha da que foi adotada na recente crise, por meio da adoção de medidas fiscais e tributárias, para fins de redução das emissões e remoção de gases de efeito estufa, conforme previsto na Política Nacional de Mudanças Climáticas (Lei 12.187/2009), não são um caminho fácil e dependem de lei específica.
Optou-se, assim, pela adição compulsória de biocombustíveis aos combustíveis fósseis. O biodiesel, que apresenta reduzida emissão de gases de efeito estufa na sua cadeia produtiva, foi introduzido na matriz energética brasileira por meio de sua mistura obrigatória ao diesel fóssil (Lei nº 11.097/2005). Com o amadurecimento do mercado brasileiro, foi determinado um cronograma de aumento do teor de biodiesel (Lei 13.263/2016).
Segundo o Ministério de Minas e Energia, em 2017 foram consumidos 4,29 bilhões de litros de biodiesel, o que dá ao Brasil a posição de segundo maior mercado mundial, atrás apenas dos EUA (7,4 bilhões de litros). Importante destacar que alguns segmentos já chegaram a propor a antecipação do aumento gradual da mistura de biodiesel no diesel fóssil de 10% para 15%, podendo se chegar a 20% em dez anos, como meio de obter uma redução do preço final ao caminhoneiro no curto prazo, o que também traria um impacto positivo na redução de emissões do setor de transporte.
Participação dos biocombustíveis deve aumentar de 20% para 28,6% na matriz de combustíveis
Em reforço às adições compulsórias determinadas em lei, o RenovaBio traz uma inovação ao acrescentar no atual quadro normativo um mecanismo inédito no Brasil, que tem sido apresentado como a primeira experiência de criação de um mercado de eficiência ambiental e energética na América Latina, inspirado em solução similar já implementada nos Estados Unidos ("Renewable Fuel Standard"). Como parte do conjunto de medidas para colocar esse mercado em operação, a recente meta nacional de redução em 10% será desdobrada em metas individuais, a serem fixadas anualmente para os distribuidores de combustíveis, conforme sua participação no mercado de combustíveis fósseis. A comprovação ao atendimento da meta individual será por meio da apresentação de CBIO, a ser emitido pelo produtor ou importador de biocombustível em quantidade proporcional ao volume de produção, importação e comercialização de biocombustíveis.
O valor do CBIO dependerá da certificação da produção de biocombustíveis, que atribuirá notas diferentes para cada produtor, em valor inversamente proporcional à intensidade de carbono do biocombustível produzido. A nota refletirá exatamente a contribuição individual de cada agente produtor para a mitigação de uma quantidade específica de gases de efeito estufa em relação ao seu substituto fóssil.
Com a regulamentação da ferramenta de cálculo da Nota de Eficiência Energético-Ambiental (RenovaCalc), em ajustes finais pela ANP, poderá ser contabilizada a intensidade de carbono do biocombustível por meio de uma metodologia que considera a avaliação dos impactos ambientais de um produto durante todo o seu ciclo de vida.
Nesses moldes, o CBIO, que valorizará os combustíveis de menor intensidade carbônica, será um ativo financeiro, negociado em bolsa. Existe, porém, a preocupação de que a aquisição obrigatória desses créditos possa vir a ser um custo operacional das distribuidoras que, por sua vez, poderão repassá-lo adiante até chegar na bomba ao consumidor final. Porém, o governo espera o contrário, estimando uma redução em 0,84% do preço do conjunto de combustíveis oferecidos ao consumidor final. A questão, portanto, parece voltar ao cerne da recente crise: o custo a que a sociedade estará disposta a pagar pelo combustível de menor potencial poluidor, que poderá contribuir para uma economia sustentável e a melhoria da qualidade de vida.
A expectativa é que o RenovaBio agregue, por meio de um mecanismo de mercado, ganhos de eficiência na produção e no uso dos biocombustíveis, inclusive com a busca por matérias-primas com menor pegada de carbono, bem como crie condições para a redução das emissões de gases de efeito estufa no setor de transporte.
Márcio Pereira é advogado e sócio do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão.
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