Quando o Acordo de Paris foi conseguido, em 2015, na 21ª Conferência das Partes (COP) convocada pela ONU para debater as mudanças climáticas, alguns ambientalistas, mesmo comemorando o feito, alertaram para o fato de o trato poder se tornar mais uma retórica inútil.

O tempo passou e um relatório recentemente divulgado pela Oxfam - organização que centra suas atividades no combate à fome e à miséria no mundo – mostra que, mesmo depois de terem ratificado a decisão do Acordo com as devidas assinaturas, os países ricos não estão nem perto da soma de US$ 100 bilhões que haviam prometido para ajudar os pobres a passarem pelo drama dos eventos extremos causados pelas mudanças do clima. E este é um dos pontos fortes do Acordo.

O estudo  mostra que, entre 2015 e 2016, os países de renda mais alta repassaram apenas metade do valor acordado em Paris: US $ 48 bilhões. Como a meta deve ser atingida até 2020, legitimamente os pesquisadores da Oxfam dão o alerta: embora as contribuições tenham aumentado desde 2015 e o setor privado tenha novas iniciativas, o valor que se vai arrecadar provavelmente não vai alcançar os US $ 100 bilhões.

Mais grave ainda do que isso é o fato, também denunciado no estudo, de que o financiamento anunciado pelos países doadores envolve projetos que não estão diretamente relacionados a mudanças climáticas. A assistência, conforme ficou acordado, deve estar relacionada à redução das emissões de gases de efeito estufa e à construção de resiliência aos eventos extremos. Muitos projetos nem esbarram nisso.

O resultado do estudo da Oxfam foi divulgado no site da Africa Climate Smart Agriculture Summit (Conferência de Agricultura Inteligente do Clima na África, em tradução literal) que vai acontecer nos dias 15 e 16 de maio no Quênia. O encontro, convocado pelo Forum de Ajuda e Desenvolvimento Internacional (Aidf), uma plataforma que reúne líderes, organizações não-governamentais, empresários e a própria ONU, tem como objetivo fomentar o debate, estabelecer colaborações. O foco é a segurança alimentar de um continente que tem 20% de sua população, ou seja, 243 milhões de pessoas, passando fome.

No site do evento, outras notícias dão conta das privações que têm atingido alguns países, sobretudo na África Subsaariana. No Mali, por exemplo, a seca e as inundações custam ao país cerca de US $ 140 milhões por ano. O governo está fazendo um projeto, que será implementado pelo Banco Mundial, para fortalecer seus sistemas de alerta contra inundações ao longo do rio Níger e melhorar seus boletins de inundação. Está sendo, para isso, apoiado pela Austrália, França, Alemanha, Luxemburgo e Holanda.

Mas o Mali também está na lista dos países africanos que estão sofrendo com fome severa. Além dele, Níger, Burkina Faso e Chade estão precisando de assistência alimentar a tal ponto que suas reservas de alimentos devem se esgotar até o fim do mês.

“A fome e a escassez de alimentos foram provocadas por condições climáticas incomuns que limitaram o crescimento das produções agrícolas. Em condições climáticas normais, os suprimentos de comida geralmente duram até setembro”, informa o site da Conferência.

Abdou Dieng, diretor regional do Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP) para a África Ocidental e Central, contou as cenas que tem presenciado:

"Estamos vendo pessoas reduzirem o número de refeições diárias e crianças que estão abandonando a escola. O mundo não pode continuar ignorando esses sinais de um desastre iminente", disse Dieng.

As crianças são as mais afetadas. Há mais de 1,6 milhão delas vítimas de desnutrição severa este ano, um aumento de 50% em comparação com a última grande crise na região do Sahel, uma faixa de 500 a 700 quilômetros de largura que fica entre o deserto de Saara e a savana do Sudão.

Julgam os especialistas do Fundo das Nações Unidas para a Infância, que dando chances para que as pessoas possam se organizar para saber com antecedência quando haverá seca ou enchente, parte dos problemas pode começar a ser resolvido. Será preciso também, certamente, apoio financeiro para que os pequenos produtores possam se instrumentalizar.

“Para mitigar a atual crise, o Pam, o Unicef e a FAO lançaram uma iniciativa de resposta conjunta para fornecer suprimentos emergenciais de alimentos, proteger os meios de subsistência e combater a desnutrição. Juntos, eles fornecerão alimentos para 3,5 milhões, protegerão 1 milhão de crianças da desnutrição aguda grave e evitarão mais deterioração para 2,5 milhões de agricultores e suas famílias”, diz o texto no site da Conferência que vai tentar debater e encontrar soluções para a crise, que não é a primeira nem é rara.

A tremenda falta de recursos do continente africano tem feito estudiosos buscarem respostas. A África tem o solo riquíssimo em minerais que são extraídos por muitos. Desde quando ela se tornou apenas uma espécie de território livre para os países e empresas retirarem de lá o que quiserem sem deixar nem terça parte de seu lucro para os habitantes?

Busquei parte dessa resposta (não a explicação total) no livro “A corrida pelo crescimento”, escrito pelo professor emérito indiano  Deepak  Nayyar (Editado pelo Instituto Celso Furtado).  O estudioso analisa, com dados de pesquisa, a drástica transformação da economia mundial a partir da segunda década do século XIX quando, aos poucos, as divisões geográficas do mundo “transformaram-se em divisões econômicas, e estas transformaram-se rapidamente num imenso abismo”.

“A Revolução Industrial na Grã-Bretanha, durante o fim do século XVII, que se espalhou pela Europa nos cinquenta anos seguintes, exerceu uma profunda influência na moldagem do que estava por vir”, escreve ele.

“Os cem anos decorridos de 1850 a 1950 assistiram à integração progressiva da Ásia, da África e da América Latina na economia mundial, através do comércio internacional, dos investimentos internacionais e das migrações internacionais, que criaram entre os países uma divisão do trabalho que teve consequências desiguais para o desenvolvimento. Os resultados desse processo foram o declínio e a queda da Ásia e o retrocesso da África... de modo que, em 1950, a distância entre os países industrializados ricos e os países pobres em desenvolvimento era enorme”.

Desde então, como se sabe, esta distância só fez aumentar.  A pergunta é: as mudanças climáticas e seus eventos extremos causadores de tantas desgraças e mortes poderão ser o efeito catalisador de uma nova geopolítica que inclua a palavra solidariedade entre os países ricos?