Vou começar fazendo um convite aos leitores que, verdadeiramente, se interessam pelo tema desenvolvimento sustentável, levando em conta a porção de mudanças climáticas que incide sobre os debates. José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-SP) vai entrevistar o climatologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas do mundo na área de mudanças ambientais globais e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A conversa vai girar sobre “Sistema Terra” e vai ao ar, ao vivo, pelo site do Instituto de Economia Agrícola (IEA) no dia 10 às 10h.

É só conhecer um pouco do perfil de entrevistador e entrevistado para saber que não vai ser uma entrevista para deixar os ouvintes na zona de conforto. Sempre que lhe dão chance de falar, Carlos Nobre faz questão de frisar a preocupação com relação ao desmatamento da Amazônia. Para ele, estamos prestes a perder um tesouro. E faz questão também de ajudar a fazer as ligações necessárias entre desmatamento e outros terrores que atacam o homem. Como a fome, por exemplo.

Feito o convite, sigo estimulando os leitores, agora, a acompanharem comigo outras notícias, também muito pouco alvissareiras, sobre a preocupação com nossos tesouros. Pois tesouros também não serão as pessoas que habitamos o planeta? E, da mesma forma impactados pelas mudanças climáticas e pela ação destruidora do próprio homem, muitos estão sofrendo com o retrocesso, em pleno século XXI, que os levam diretamente ao estado de extrema pobreza no Brasil. Em recente artigo, o coordenador de projetos do Ibase Francisco Menezes faz uma avaliação sobre os resultados do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2016 publicados em novembro do ano passado:

“É muito preocupante que, no que diz respeito à extrema pobreza, o Brasil voltou, em apenas dois anos, ao número de pessoas registradas dez anos antes, em 2006. Entre 2014 e 2016 o aumento desse contingente foi de 93%, passando de 5,1 milhões para 10 milhões de pessoas. Em relação aos pobres, o patamar de 2016 – 21 milhões – é o equivalente ao de oito anos antes, em 2008, e cerca de 53% acima do menor nível alcançado no país, de 14 milhões, em 2014. Entre tantas consequências, o espectro da fome, que havia sido superado nesse período, como constatou a FAO, pode estar voltando com maior rapidez do que se possa imaginar”, escreveu ele.

Tem que ter vontade política para superar a fome, a pobreza, a extrema miséria, alerta José Graziano da Silva, diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em artigo publicado anteontem (2) no jornal “Valor Econômico” e republicado no site da ONU. Graziano estende a preocupação e lembra que “a crise dos últimos anos devolveu 18 milhões de latino-americanos e caribenhos à condição anterior de carência. A desigualdade voltou a crescer, e a fome, depois de quase três décadas de recuos sucessivos, ergueu a cabeça novamente na região”.

“Entre 2015 e 2016, mais 2,4 milhões de pessoas foram enredadas nas malhas da desnutrição e da subnutrição, totalizando 42,5 milhões de cidadãos que subsistem hoje sem uma dieta suficiente e digna. Outros 130 milhões de latino-americanos e caribenhos persistem abaixo da linha de pobreza. A música da inclusão, de fato, parou de tocar”, escreveu ele.

É uma questão suprapartidária, uma demanda incontornável, e tanto quanto possível, diante dos tempos bicudos de crises de todas as categorias, no Brasil e no mundo, há pessoas pensando a respeito. No mês passado,  a 35ª Conferência Regional da FAO, na Jamaica, registrou um comparecimento recorde em 40 anos de presença da organização na América Latina e Caribe. A agenda da segurança alimentar tenta abrir brechas para se impor com a necessária urgência que inspira.

Não há uma solução para o problema, mas várias. A fome tem facetas, pode ser causada pelas mudanças climáticas que causam efeitos severos de seca ou tempestade, como pode também, tão simplesmente, ser uma questão não de falta de alimentos, mas de falta de dinheiro para ter acesso aos alimentos.

E vamos falar sobre desigualdade, outro tema comum que só costuma ganhar contornos mais fortes quando há relatórios ou livros demonstrando o fosso enorme entre pobres e ricos que só faz crescer. No site da Oxfam, organização empenhadíssima em manter o assunto para tentar buscar soluções, há histórias que demonstram como tudo o que foi escrito aqui até agora está interlidado, inclusive o convite inicial de um bate-papo com um especialista em mudanças climáticas.

O site conta o caso de Lan, uma mulher vietnamita de 32 anos com dois filhos pequenos e um marido doente que precisou migrar da região rural para tentar ganhar a vida na província de Dong Nai, a 1.500 km de sua casa. Quem toma conta dos meninos é a mãe de Lan, para que ela possa trabalhar nove a dez horas por dia numa fábrica de calçados seis dias por semana ao preço de 1 dólar por hora. Para mandar dinheiro para os filhos, Lan ainda trabalha aos domingos, seu único dia de folga, num restaurante e duas noites na semana ela costura para um alfaiate.

“A maior parte do meu salário vai para os meus filhos. Não posso deixá-los passarem fome ou sentir que eles não são tão bons quanto as outras crianças. Eles não são iguais a outras crianças porque não temos dinheiro. Eu posso morrer de fome, mas meus filhos não podem”, diz ela, à reportagem do site da Oxfam.

Investir num novo modelo econômico, que leve em conta as mudanças climáticas e dê às pessoas o controle das próprias vidas é a forma sugerida pelos economistas espalhados pelo mundo sob o chapéu da New Economics Foundation. Basicamente é priorizar o desenvolvimento local e atentar para o fato de que “a mudança não começa nos corredores do poder”. Vale a pena conferir a agenda da NEF, sobretudo num dia como o de hoje, de tantas polarizações equivocadas. Há lufadas de ar fresco que podem fazer bem.