“A
Mineradora Anglo American informou nesta sexta-feira (30) que voltou a
paralisar as atividades na quinta-feira (29), após registrar um novo
vazamento, 17 dias depois de um primeiro caso que levou à poluição de um
manancial em Minas Gerais. A paralisação durará um mês, enquanto a
empresa realiza testes de segurança no mineroduto do Minas-Rio, que
percorre 529 quilômetros entre Conceição do Mato Dentro (MG) e o porto
do Açu, em São João da Barra (RJ)”.
Leio a notícia, publicada pelo jornalista Julio Ottoboni no site da Envolverde e
meu pensamento segue longe, aflito com os ditos e não ditos da
dramática relação entre homens, desenvolvimento e meio ambiente. São
três protagonistas que terão seus destinos enredados para todo o sempre,
com pitacos de dor e morte em todos os capítulos. Estranho mesmo que,
com tantos incentivos e investimentos tecnológicos anunciados, com a
entrada em cena da Quarta Revolução Industrial, que promete a
convergência do digital com o físico e o biológico, empresas ainda
cometam atrocidades desse tipo.
Os
cuidados com a natureza deveriam ser o limite para o desenvolvimento
econômico, e isso não é conversa de quem abraça árvores. Estudos e mais
estudos já foram feitos por cientistas, provando, comprovando, que a
ação do homem destrói o meio ambiente. O fim desse drama poderá ser um
nível de desconforto cada vez maior para os cidadãos com recursos médios
viverem o dia a dia no planeta. Para os pobres, possivelmente nem
haverá possibilidade de sentir o desconforto.
Há década e meia estamos nessa estrada, de jornalistas que encaminham o assunto para informar aos cidadãos
comunso que tem sido feito pelo setor produtivo. Tudo o que posso
afirmar a vocês, com base no muito que tenho ouvido e lido sobre o tema,
é que há avanços, sim. Mas são poucos diante da enormidade das
questões. Só para ilustrar o que estou dizendo, se é que é preciso ainda
mais provas, ontem assisti, na Netflix, a um episódio do seriado
britânico “As Casas mais Extraordinárias do Mundo” e, lá pelas tantas, o
entrevistado teve coragem de dizer aos dois apresentadores (Piers
Taylor e Caroline Quentin), que antes de erguer sua supercasa precisou
“limpar o terreno”. O que ele queria dizer é que muitas árvoresforam
sacrificadas para seu bel prazer. E não demonstrava um pingo de
constrangimento ao dizê-lo.
Mas
este exemplo é apenas uma gota no oceano. Voltemos à questão da
mineração que, como se sabe, é uma atividade extremamente poluente,
embora a maioria dos executivos que trabalha em empresas do ramo negue
esta afirmação.Solos e água do entorno de qualquer abertura de mina, no
entanto, correrão sempre perigo de serem contaminados.No caso da Anglo
American, o próprio presidente da empresa assume que houve vazamento.
Entre cinco e oito minutos, algumas toneladas de minério foram
absorvidas pelas águas de um ribeirão. Pessoas moram perto do rio. Nada a
temer?
A América
Latina e a África são dois continentes que têmmuito o que oferecer, em
seus solos, aos donos de mineradoras.Mas os abusos e perigos têm sido
tão ostensivos que há muito movimento já no sentido de tentar minimizar
as atividades mineradoras nesses locais.
Costa
Rica, por exemplo, país que viveu neste domingo (1º) seu dia de
eleições polarizadas e elegeu Carlos Alvarado, tem um histórico
interessante de preservação, com políticas ambientais pioneiras, como a
criação do sistema nacional de unidades de conservação, sistemas de
trocas de dívida externa por projetos de preservação ambiental e o
desenvolvimento de corredoresecológicos. Quem conta isso é Bruno
Milanez, engenheiro, pesquisador, membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e
um dos autores do livro “Desastre no Vale do Rio Doce: antecedentes,
impactos e ações sobre a destruição”, no artigo intitulado “Costa Rica: o
verdadeiro ouro do futuro” do livro “Diferentes formas de dizer não”,
editado pela Fase.
Segundo
Milanez,na Costa Rica há uma legislação ambiental que impõe uma série
de restrições e condições quanto à realização da atividade de extração
mineral. Se for de interesse nacional, as concessões de lavra podem ser
negadas, e pronto.
“Ao
invés de colocar a extração de mineral como prioritária em relação às
outras atividades (como no caso da legislação brasileira), o Código da
Costa Rica aponta para a necessidade de definir usos do território que
tenham prioridade sobre a mineração”, escreve Milanez.
Além
da atuação governamental, os cidadãos costa-riquenhos decidiram também
se unir e fazer uma resistência contra a mineração em seu país.
“Experiências
anteriores de contaminação, fechamento repentino de minas e não
pagamento de compensações parecem ter criado um sentimento negativo com
relação à mineração... governos locais passaram a questionar as decisões
do governo nacional por entenderem que a mineração gerava não apenas
degradação ambiental, mas também o empobrecimento da população”, escreve
Milanez em seu artigo.
A
lei nacional da Costa Rica restringindo as atividades de mineração foi
promulgada em 2010 e se junta a leis semelhantes em Argentina e
Colômbia.
Já El Salvador, o menor e um dos mais pobres países da América Latina, decidiu proibir totalmente a mineração de ouro em seu país há um ano. Ao
jornal “The New York Times”, Keith Slack, diretor de programa global
para indústrias extrativas da ONG Oxfam America, disse que “há um
crescente questionamento sobre a mineração como um motor de
desenvolvimento econômico”. E que a decisão de El Salvador
"definitivamente fortalece a voz das comunidades que estão levantando as
questões."
Na Colômbia, também há um ano, a cidade de Cajamarca disse não, num plebiscito, a projetos de mineração. No site “El Espectador” , há notícias de que os cidadãos estão se concentrando em outras atividades e que não há crise por lá.
Para ajudar os cidadãos da América Latina na luta por seus territórios, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) criou a Convenção 169, que
entrou em vigor internacionalmente em 1991 (somente em 2003, com o
governo Lula, entrou em vigor aqui no Brasil), um importante instrumento
legal, que obriga os governos a consultarem os povos indígenas quando
os projetos afetam suas comunidades. Como se sabe, pelos inúmeros
conflitos que acontecem entre empresas que exploram recursos naturais e
as pessoas que vivem no entorno do empreendimento, tal ferramenta nem
sempre é levada em conta.
Continuo
puxando o fio da memória e vou para 1992, quando um grupo de
empresários se juntou e criou também uma espécie de ferramenta, também
para ajudá-los a lidar com os limites para o crescimento que, até a
década de 70, eles consideravam infinito. O suíço Stephan Schmidheiny
compilou os debates num livro que se chamou “Mudando o rumo”, onde há
promessas e muitas certezas que hoje, mais de vinte anos depois, já
foram descartadas.
Puxei
aqui da estante o livro e pinço dele uma das muitas frases de efeito
consideradas pelo grupo de empresários preocupados com o rumo do mundo. É
de Shinroku Morohashi, na época presidente da Mitsubishi Corporation,
que pode bem explicar porque, além dos preços e das dificuldades de
mercado, a atividade da mineração tem sido tão combatida e evitada:
“Acreditamos
que uma empresa não pode continuar existindo sem a confiança e o
respeito da sociedade por seu desempenho em termos ambientais”.
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