Recém-descobertos pela ciência na costa norte do Brasil, corais ocupam área subaquática equivalente ao estado do Rio de Janeiro. Licença para exploração de petróleo na região pode sair a qualquer momento.
Escondidos no fundo do Oceano Atlântico, numa das regiões de
correnteza mais fortes do mundo, corais da Amazônia foram localizados em uma
área que pode, a qualquer momento, ser liberada para a exploração de petróleo.
A descoberta foi feita por pesquisadores brasileiros a bordo do navio
Esperanza, cedido pelo Greenpeace para a missão científica.
Pesquisadores buscam evidências numa faixa da costa norte do
Brasil, próxima ao Amapá e ainda sob influência das águas que o rio Amazonas
despeja no mar. É exatamente ali que a empresa francesa Total aguarda licença
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) para extrair petróleo.
"Pela primeira vez, obtivemos imagens da área com um
robô. Encontramos recifes na porção mais rasa dos blocos de onde se quer
extrair petróleo", afirma Ronaldo Francini-Filho, pesquisador da
Universidade Federal da Paraíba (UFPA).
"Tem área de petróleo aqui que está embaixo das áreas
de recife. Isso a gente não pode deixar de considerar."
Inicialmente, estimou-se que os corais da Amazônia ocupassem
uma área de 9,5 mil quilômetros quadrados, mas o cálculo mais recente indica
que seu tamanho seja mais de cinco vezes maior. "O recife tem em torno de
56 mil quilômetros quadrados. Portanto, é o maior recife do Brasil e um dos
maiores do mundo", disse Fabiano Thompson, pesquisador da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também a bordo do navio.
Os recifes cobrem, portanto, uma área submersa maior que o
estado do Rio de Janeiro, habitada por mais de 40 espécies de corais, 60 de
esponjas – metade provavelmente ainda desconhecida –, 70 espécies de peixes,
lagostas, estrelas-do-mar. A região também é refúgio de peixes que já
desapareceram da costa brasileira, como o mero. Os detalhes dessa descoberta
serão publicados num artigo científico nas próximas semanas.
A expedição a bordo do Esperanza, iniciada em 2 de abril,
entrava no sexto dia quando o novo alvo foi identificado. Enquanto um robô
especialmente trazido para a missão científica –equipado com três câmeras e um
sistema de coleta de água e material – atingia profundidade, as imagens eram
exibidas em duas telas instaladas na popa do navio.
Depois de uma detalhada análise e longos debates, os
pesquisadores confirmaram: os corais da Amazônia cobrem também exatamente o
local considerado nova fronteira petrolífera, na Bacia da Foz do Amazonas.
A faixa de recifes está localizada entre 70 e 220 metros de
profundidade na costa ao longo dos estados de Maranhão, Pará e Amapá. Até
então, os livros diziam que corais não cresciam perto da foz de grandes rios,
onde a água doce chega ao mar carregada de lama, é mais escura e impede a
entrada a luz – fonte usada pelos corais para produzir alimento.
Um mundo improvável e desconhecido
A jornada dos pesquisadores brasileiros em busca do
improvável recife de corais começou em 2011. Mais tarde, missões científicas
fizeram a coleta de dados no local. Os resultados surpreenderam o mundo num
artigo publicado em 2016.
"Exatamente porque o acesso é tão difícil e as
condições oceanográficas aqui são tão duras é que a gente sabe pouco sobre esse
lugar", comenta Francini-Filho sobre o impacto da descoberta.
As primeiras imagens dos corais da Amazônia foram
registradas em 2017, numa viagem de submarino realizada com apoio do
Greenpeace. "O pouco do conhecimento que a gente tem dessa região já
indica que realmente é uma área extremamente rica, sensível à exploração de
petróleo", complementa o pesquisador, estimando que se conheçam apenas 5% da
vida que o recife abriga.
Com o anúncio que surpreendeu a ciência, diante da iminência
da chegada de plataformas para retirada de petróleo nessa parte do Atlântico, a
conservação dos corais da Amazônia se transformou numa campanha mundial do
Greenpeace.
Corais sobre o petróleo
A atual expedição, que deve se estender até maio, exigiu
mais de um ano de planejamento, obteve autorização do governo brasileiro, e
custou 700 mil euros – montante que veio dos doadores que mantêm o Greenpeace.
"É urgente a campanha, é urgente essa pesquisa
cientifica que nós fazemos aqui pra provar que é mesmo um novo bioma, único no
mundo, pouquíssimo conhecido pela ciência", argumenta Thiago Almeida,
representante da Campanha Defenda os Corais da Amazônia.
Um vazamento de petróleo traria danos irreparáveis,
argumenta Almeida. "Além disso, esse petróleo chega mais perto da costa e
dos rios brasileiros na Amazônia, região com um dos maiores mangues do planeta.
Estamos falando de uma ameaça a diversas populações de pescadores, extrativistas,
ribeirinhos e povos indígenas."
Thompson vê grande potencial nas pesquisas. "Esse
recife é considerado uma farmácia submarina. Ele pode se reverter em divisas
para nosso país, se conseguirmos desenvolver a biotecnologia marinha a partir
da biodiversidade que ele abriga, e gerar moléculas bioativas para novos
medicamentos para tratar doenças como câncer, viroses, doenças
infecciosas", explica o pesquisador da UFRJ, citando iniciativas já em
andamento em países na Europa, Estados Unidos e Japão.
Últimos passos antes da exploração
O processo de licenciamento para exploração de petróleo no
local pela francesa Total e a britânica BP estão em suas etapas finais. O Ibama
informou que o processo conduzido pela Total está em estágio mais próximo de
decisão.
Os blocos para exploração foram adquiridos em 2013, num
leilão da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Estima-se que a região da Bacia da Foz do Amazonas armazene até 14 bilhões de
barris de petróleo.
Questionada pela DW Brasil, a Total não respondeu se sabia
da existência dos corais sobre a região que pretende explorar e se manifestou
por meio de nota. "A Total respondeu, em janeiro, ao último parecer
técnico do Ibama em relação ao Estudo de Impacto Ambiental da atividade de
perfuração de poços que a empresa prevê realizar nos blocos que opera na Bacia
da Foz do Amazonas. A empresa no momento aguarda um posicionamento do órgão, no
âmbito do processo de licenciamento ambiental que está em curso."
Os pesquisadores esperam que a ciência seja levada em conta
na decisão. "Com base no conhecimento que temos até agora, a exploração de
petróleo aqui será realmente uma tragédia, caso ela ocorra. Porque a gente
conhece muito pouco disso que estamos chamando de megabioma: uma região da
Floresta Amazônica conectada com o segundo maior rio do planeta e um dos
maiores recifes do mundo", opina Francini-Filho.
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