Sob o gelo do mar do Ártico, em uma noite de janeiro, baleias-da-groenlândia cantam.
~
Normalmente são suas primas, as baleias jubarte, que são famosas pela
cantoria, mas, na verdade, esta espécie tem um repertório musical bem
maior.
Um estudo com um grupo destes animais que vive próximo ao arquipélago
norueguês de Svalbard revelou que os cantos que emitem podem ser tão
variados quanto o de pássaros canoros, nome dado a um conjunto de 4 mil
espécies de aves que têm órgãos vocais bastante desenvolvidos, entre
elas o sabiá, o rouxinol e a andorinha.
Isso tornaria as baleias-da-groenlândia únicas entre todas as espécies de baleias e até mesmo entre os mamíferos.
Kate Stafford, pesquisadora da Universidade de Washington, nos Estados
Unidos, e líder do estudo publicado no periódico Proceedings of the
Royal Society, explica que, "se o canto da baleia jubarte é como música
clássica", por ter uma ordem bastante clara, o da baleia-da-groenlândia
"é como jazz", por ser um tipo de som fluido, improvisado e complexo.
"Ao analisarmos as gravações que fizemos ao longo de diferentes
invernos, não só os tipos de canção não se repetem, mas, a cada estação,
há uma série de novas canções."
Acasalamento e caça
Durante três anos de observação, o grupo de baleias produziu 184
canções únicas. As vocalizações foram detectadas em qualquer momento do
dia e ao longo da maioria do inverno de cada ano, quando se dá a
temporada de acasalamento destes animais.
"O alfabeto das baleias-da-groenlândia tem milhares de letras até onde sabemos", disse Stafford à BBC News.
"Enquanto a canção de uma jubarte pode durar de 20 a 30 minutos, uma
canção de uma baleia-da-groenlândia pode ter de 45 segundos a dois
minutos, mas elas a repetem várias vezes."
Outra diferença é que, enquanto as jubarte cantam canções parecidas ao
longo de uma temporada, as baleias-da-groenlândia variam o tipo de
canção em questão de horas ou dias.
Isso é incomum, já que a maioria dos mamíferos realiza chamados específicos e repetitivos, que não variam.
Com a habilidade de romper uma barreira de até meio metro de gelo e
chegando a viver 200 anos, as baleias-da-groenlândia podem ser animais
formidáveis.
Mas sua capa de gordura, a mais grossa entre todas as espécies de
baleias, fez com que os animais que vivem neste arquipélago fossem
caçados desde o início dos anos 1600.
A redução do número destas baleias existentes ali e as duras condições
de seu habitat natural sob o gelo fizeram com que elas fossem pouco
estudadas e conhecidas.
Outros grupos de baleias-da-groenlândia, como a população do Ártico
Ocidental, são melhor compreendidas graças ao conhecimento acumulado por
povos nativos do Alasca, explica Stafford. Mas, ainda assim, sabemos
"relativamente pouco" sobre a espécie, diz ela.
Solistas
Ainda não se sabe, por exemplo, se uma baleia-da-groenlândia canta a
mesma música por toda a vida ou se muda de uma estação para outra.
Também ainda não foi determinado por que há uma diversidade tão grande de cantos em uma mesma população.
Não foi possível contar o número de integrantes do grupo estudado por
meio das gravações realizadas, mas trabalhos anteriores na região
estimam que sejam ao menos 343 baleias.
Falta ainda, diz Stafford, identificar acusticamente cada animal e
aprender mais sobre quem está fazendo a vocalização e o motivo disso.
"É um mistério que será difícil de solucionar", afirma a cientista.
"Mas ser capaz de escutar o que ocorre sob o gelo neste local remoto é
incrível."
Nenhum comentário:
Postar um comentário