Se o mundo vivesse como os portugueses, a Terra declarava "falência" este domingo
Se o mundo vivesse como os portugueses, a Terra declarava "falência" este domingo
Se
todos os cidadãos do planeta tivessem a mesma pegada ecológica que os
portugueses, os recursos naturais chegariam ao fim a 26 de maio. Se a
comparação fosse a Europa, já tinha acontecido no dia 10.
A
imagem podia ser esta: se a Terra fosse um banco e os recursos naturais
fossem transformados em dinheiro, e se todos os habitantes do mundo
gastassem como os portugueses, neste domingo, 26 de maio, os cofres
estariam vazios e o Planeta declarava falência.
Ou, numa linguagem ambientalista,
se o mundo inteiro vivesse da forma que vivem os portugueses, ou seja,
tivessem a mesma pegada ecológica, os recursos naturais da Terra
esgotavam-se neste dia - o ano passado o overshoot day foi a 16 de junho. Portanto, gasta-se cada vez mais e o "banco" ficam sem um único tostão mais cedo.
A
notícia - que ainda não preocupa os representantes políticos como os
ambientalistas gostariam - é má mas podia ser mais drástica se em vez de
Portugal se estivesse a analisar a maneira como consomem os europeus -
se todos os habitantes da Terra tivessem o mesmo modo de vida
que os habitantes dos 28 Estados-membros da União Europeia, os recursos
já se tinham esgotado no dia 10 de maio. Quer isto dizer que os
hábitos de consumos dos portugueses permitem assim que possamos
usufruir mais 18 dias dos recursos naturais do Planeta que a média
europeia.
Este cenário negro, que ilustra como o Homem destrói a natureza, foi revelado pela World Wildlife Fund (WWF) e pela Global Footprint Network. E revela que seriam necessários 2,8 planetas Terra se toda a humanidade consumisse tanto quanto os europeus.
Dito de outra forma: 20 por cento da biocapacidade da Terra é usada pela União Europeia, mesmo que os 28 países só acolham 7% da população mundial.
O pior dos Estados-membros da União Europeia é o Luxemburgo - neste caso, os recursos esgotaram-se há mais de três meses, a 16 de março.
Mas se o país surge sempre mal na fotografia ecológica, sobretudo pelo
gasto de excessivo de energia comparativamente ao número de habitantes,
também é verdade que tal se deve ao facto de um grande número de pessoas
das regiões limítrofes se deslocar ali para abastecer os automóveis,
conforme explica Francisco Ferreira da Zero.
Os cidadãos europeus
mais poupados, ou seja, os que menos recursos gastam são a Roménia, a
Hungria e a Bulgária, que só levariam o Planeta à falência dos seus
recursos naturais em junho. A nível mundial, e ainda tendo um
banco como imagem, a "empresa" Estados Unidos da América teriam entrado
em colapso a 15 de março, seguida da Noruega a 18 de abril e da
Federação Russa a 26.
Se a análise for alargada o mundo inteiro, os países que mais poupam a natureza são o Níger, Marrocos e Cuba -
nestes casos, o recursos da Terra esgotar-se-iam em dezembro, sendo que
no país africano terminariam precisamente no dia de Natal.
"É
urgente inverter esta tendência de acumulação de dívida. Tal é possível
com a adoção de algumas novas práticas, em particular na área da
alimentação e mobilidade", considera a ZERO - Associação
Sistema Terrestre Sustentável. Acrescentado que Portugal é, já há muitos
anos, deficitário na sua capacidade para fornecer os recursos naturais
necessários às atividades desenvolvidas, (produção e consumo).
Como se pode reduzir a pegada ecológica?
O consumo de alimentos - que representa (32%) da pegada ambiental do país - e a mobilidade (18%) são, segundo a Zero, as atividades humanas diárias que mais contribuem para a pegada ecológica de Portugal.
Por essa, razão, num comunicado emitido a propósito do overshooting day do
nosso país, a Zero aconselha a que se reduza a proteína animal na
dieta. "Os dados para Portugal indicam que cada português consome cerca
de três vezes a proteína animal que é preconizado na roda dos alimentos,
metade dos vegetais, um quarto das leguminosas e dois terços das
frutas. Aproximar a nossa dieta à roda dos alimentos reduz, de forma
significativa, o impacto ambiental associado à alimentação e é mais
saudável."
Em termos de mobilidade, a associação ambientalista
aconselha à utilização dos transportes públicos - lembrado que a descida
dos preços dos passes sociais pode ser um incentivo. E sugere outros
meios sustentáveis de locomoção, como andar a pé, de bicicleta, de
trotinete, e incentivar as crianças a fazer o mesmo. A redução das
viagens de avião é outras das medidas propostas.
O consumo de alimentos representa 32% da pegada ambiental de Portugal.
O
consumo desenfreado traz problemas financeiros... e ambientais. Por
isso, os ambientalistas propõem a política dos três êrres: reduzir,
reciclar e reutilizar.
"É fundamental mudar o paradigma de 'usar e
deitar fora', muito assente na reciclagem, incineração e deposição em
aterro, para um paradigma de 'ter menos, mas de melhor qualidade', com
um forte enfoque na redução, reutilização, troca, compra em segunda mão e
reparação", refere a ZERO.
Também Nuno Sequeira, vice-presidente
da Quercus, aconselha à redução do consumo e aconselha pequenos gestos
que podem fazer a diferença para ajudar a salvar o planeta. Alguns muito
simples e que o cidadão deve esforçar-se para introduzir no seu
quotidiano: usar lâmpadas e eletrodomésticos mais eficientes, desligar,
bem como desligar o stand by - já que a falência do planeta deve também muito ao uso excessivo de energia.
Os
ambientalistas também aconselham a não comprar só pelo ato de comprar:
antes de substituir um eletrodoméstico, deve-se ver se pode ser
reparado; antes de adquirir roupas novas, deve-se ver se são mesmo
necessárias.
Atentar na poupança da água é outro conselho dado por
Nuno Sequeira, da Quercus. Usar redutores de caudal, garantir que as
torneiras estão bem fechadas, armazenar água para regas e lavagens são
alguns pequenos gestos que podem fazer muito pela Terra.
Tal como
um extrato bancário dá indicação das despesas e dos rendimentos, a
Pegada Ecológica avalia as necessidades humanas de recursos renováveis e
serviços essenciais e compara-as com a capacidade da Terra para
fornecer tais recursos e serviços (biocapacidade).
O overshoot day de
Portugal ocorre dois dias depois da greve climática que trouxe à rua
pela defesa do Planeta. "Nota-se que os jovens estão mais sensibilizados
para estas questões. Mas também se
nota que às vezes falta um bocado
passar das palavras às ações. Nem sempre é muito fácil perceber a
ligação destes pequenos gestos, perceber que água é também eletricidade e
que eletricidade é também queimas de combustíveis fósseis e que
combustíveis fósseis é aquecimento global", diz Nuno Sequeira.
E acrescenta: "Mas o que notamos é que quando percebem a ligação e que podem fazer alguma coisa, esforçam-se e não
tenho dúvida que vamos ter uma próxima geração de decisores muito mais
informada, muito mais consciente, como a atual já o é em relação à
antecedente. Com estes movimentos que estão a acontecer, os jovens querem dizer que não querem esperar por 20 anos para que sejam eles a decidir, querem que se decida agora."
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