Por Sucena Shkrada Resk* – Blog Cidadãos do Mundo –
Análise é feita pelo médico-patologista e pesquisador Paulo
Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de
São Paulo (IEA/USP), em entrevista especial ao Blog Cidadãos do Mundo –
jornalista Sucena Shkrada Resk
As organizações propõem a implementação de um pacto global para o
controle e redução da poluição do ar, que seja uma prioridade para todos
(líderes de governos, empresas e cidadãos). Um exercício para se
repensar e revitalizar as cidades, as regiões metropolitanas quanto ao
aspecto de uso e ocupação do solo, mobilidade urbana, fonte de energia e
saúde ambiental, entre outros. A proposta foi apresentada na sede da
ONU, em Nova York, em junho deste ano.
Afinal, a sustentação na esfera da geopolítica internacional não
falta. Como argumento, mencionam a já existência de diferentes acordos,
resoluções, convenções e iniciativas. Entre essas, estão o Protocolo de
Montreal, a Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a
Longa Distância da Comissão Econômica para a Europa das Nações Unidas, e
a resolução sobre os impactos da poluição do ar na saúde humana da
Assembleia Mundial da Saúde (ligada à OMS).
No documento, ainda enfatizam que – “… O crescimento econômico que
aceita a poluição do ar e ignora os impactos ambientais e na saúde
pública é insustentável e antiético. A queima de combustíveis fósseis e
de biomassa é a maior fonte de poluição do ar a nível global…” Paulo Saldiva
No grupo de cinco pesquisadores brasileiros, que compõem a produção
do documento internacional, se encontra o patologista e pesquisador
Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade
de São Paulo (IEA/USP), que é o entrevistado especial desta semana, do
Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk. Estudioso
internacional em saúde ambiental, há algumas décadas, Saldiva explica de
forma didática, como o nosso organismo retrata os impactos da poluição
do ar nas grandes cidades e consegue traduzir como acontece essa relação
no meio ambiente, por meio de constatações de mais um estudo recente
que realizou com equipe, em São Paulo. Ao mesmo tempo, aprofunda sua
leitura sobre a configuração transversal do tema, nos 17 ODS/ONU.
Também integraram este grupo seleto com Saldiva, os professores Maria
de Fátima Andrade, Paulo Artaxo, Nelson Gouveia (USP) e Simone El
Khouri Miraglia, da Unifesp.
Para multiplicar as informações e orientações sobre esta agenda, com
gestores à sociedade, foram também lançadas aqui no Brasil, no contexto
regional da América Latina e Caribe, a campanha “Respire Vida”, com a cartilha “16 Medidas pela qualidade do Ar nas Cidades – um Chamado pela Saúde e pelo Meio Ambiente”,
organizada pela Organização Pan-Americana de Saúde e pela ONU Meio
Ambiente. O material destaca sugestões nas áreas de mobilidade urbana,
geração de energia, processos industriais, ambiente doméstico, ambienta
rural, gestão de resíduos e saúde humana. Um dos motivos cruciais: nesta
região um percentual estimado de 80% da população vive em cidades.
Confira a entrevista de Paulo Saldiva sobre poluição do ar e saúde:
Paulo Saldiva – O estudo trata da relação da
poluição do ar e o acúmulo de poluentes no pulmão de humanos. Primeiro,
na cidade de São Paulo, a poluição é praticamente dominada pelo tráfego
veicular. As indústrias gradativamente saíram da cidade ou foram
atraídas para outros municípios, que apresentavam mais alternativas,
além do imposto e de outras dificuldades do zoneamento urbano. Então,
ficou o tráfego e a única indústria que permaneceu em São Paulo, foi a
indústria da construção civil, que transforma o solo urbano em uma commodity e não em um common.
Deixe-me explicar: o solo urbano passa a ter mais valor em áreas com
maior acesso a serviços públicos, entre outros.
Assim os empreendimentos
comerciais ocupam estes espaços e o preço venal, seja de posse ou
aluguel aumenta bastante. Então, as pessoas que menos podem vão morar
cada vez mais longe, onde pode pagar por sua moradia. Isso impõe uma
carga enorme de deslocamentos porque a cidade de São Paulo interage
funcionalmente com outros municípios da região metropolitana e até com
outras regiões metropolitanas. Por exemplo, é comum que pessoas que
moram em Jundiaí, Campinas, Sorocaba, Santos e São José dos Campos, elas
trafeguem em direção a São Paulo e vice-versa, fazendo com que sejamos
um conglomerado de metrópoles, ou seja, de uma espécie de “metápolis”.
Também é comum que passemos de quatro a cinco horas no trânsito.
Blog Cidadãos do Mundo – O que este estudo revela de alerta e mudanças emergentes no contexto da mobilidade urbana nas grandes cidades?
Paulo Saldiva – Quando você vê a rede de
monitoramento ambiental da Companhia de Saneamento Ambiental do Estado
de São Paulo (Cetesb), que tem séries históricas desde os anos 70, você
percebe que, de fato, houve uma redução da poluição, mas existe uma
concentração de poluentes na região central da cidade, onde existem mais
carros e mais congestionamentos. Então, como visto pelo olhar das
estações de monitoramento, a poluição é um fenômeno do centro da cidade
de São Paulo. No entanto, quando se olha na sala de autópsia, o pulmão
dos paulistanos, é possível ver pequenas manchas de carbono, às vezes,
até em grande intensidade, da mesma forma que acontece com os fumantes.
Este carbono (esta fuligem) é inalada pelos pulmões e como possui
substâncias tóxicas, produz certa reação inflamatória e pode ficar preso
para sempre ali, como forma de uma cicatriz escura. E se pode medir
isto. Foi o que a gente fez. Na sala de autópsia do serviço de
verificação de óbitos, que funciona na Faculdade de Medicina da USP, nós
fotografávamos a superfície do pulmão, medíamos a superfície da pleura
ocupadas por manchas escuras. Tínhamos de pedir a autorização das
famílias para fazer isto e ao mesmo tempo apresentávamos um questionário
que relatava o tempo de moradia em São Paulo, tempo de ocupação, se era
fumante ativo ou passivo, e como também tínhamos o endereço, dava para
saber a densidade de ruas e tipo de tráfego da região onde a pessoa
morava e até a proximidade a uma avenida de maior fluxo.
Blog Cidadãos do Mundo – E quanto à saúde preventiva e ao comportamento da sociedade em cidades metropolitanas, como São Paulo? Paulo Saldiva – Bom, o que deu para ver é que quando
você coloca, então, cada pulmão de indivíduo em uma estação de
monitoramento, é que a poluição não é um fenômeno da região central e,
sim, da periferia da cidade. Como é que a gente explica isto?
Possivelmente, estas pessoas que moram mais longe do centro são aquelas
que permanecem mais tempo circundadas por canos de escapamento, presas
em congestionamentos intermináveis, enquanto vão e voltam no caminho da
sua casa até o seu serviço. Também há muitas pessoas em São Paulo, que
ao findar as oito horas do trabalho convencional, quando têm, fazem um
bico dirigindo carros ou entregando coisas nas ruas da cidade. Então,
embora tenhamos reduzido a poluição doa ar da cidade, isso, um fruto de
uma política de melhoria tecnológica de motores e combustíveis, nós
ainda temos como fator determinante da nossa dose, o tempo que
permanecemos nas ruas e os nossos hábitos de mobilidade. Ou seja, embora
a nuvem de poluição quando a gente olha de cima a cidade, seja mais ou
menos homogênea, quem leva mais poluição dentro de si, são aqueles que
ficam mais tempo no tráfego. Isso é equivalente a quatro a cinco
cigarros por dia, porque nós temos dessa fuligem inalada, fumantes e
não-fumantes, nessa série de pacientes e podemos, então, comparar o
equivalente tabágico do que representa o deslocamento urbano em nossas
ruas. Isso é mais ou menos o resumo deste trabalho.
Esta pesquisa sobre este “tabaco ambiental” foi publicada recentemente, em junho, na Environmental Research.
Blog Cidadãos do Mundo – Com estas constatações,
qual sua análise sobre as mudanças emergentes necessárias para combater a
poluição, que competem à gestão pública, desde a questão energética ao
custo à saúde humana?
Paulo Saldiva – Para combater a poluição, não bastam
só novos motores e tecnologias, mas temos de pensar transporte público
de baixa emissão e alta eficiência. Quanto a políticas públicas, tudo
está inventado, nada precisa ser descoberto, mas ser, sim, implementado.
O controle da poluição do ar depende de fontes de energia mais limpas,
que já estão disponíveis e de priorizar o transporte coletivo de baixa
emissão, que também está disponível. Para isso, a gente precisa colocar
os co-benefícios econômicos do controle da poluição. Controlar a
poluição dá lucro. Então, para cada unidade de investimento em controle
de poluição, geralmente se ganha de duas a três mortes evitadas e o
aumento de produtividade no país. É por isso que muitos países,
inclusive, a China, estão pegando pesado no controle da poluição do ar.
Este controle também leva ao controle dos GEES por causa da eficiência
energética.
Blog Cidadãos do Mundo – Professor, fale mais a
respeito da necessidade dessas mudanças emergentes, que envolvem também a
mudança de comportamento da sociedade. Paulo Saldiva – O que tem de ser feito? Basicamente
fazer conta. Hoje a gente está subsidiando energias sujas com vidas
humanas e dinheiro. Quer dizer que isso não é justificável, nem do ponto
de vista moral, fazendo as pessoas morrerem antes do tempo,
principalmente as mais pobres; como também, não é econômico. Porque o
dinheiro que você arrecada desta economia ao utilizar uma energia suja,
como carvão, você perde em redução de produtividade econômica e em
custos diretos e indiretos da saúde. Há vários estudos mostrando isso.
No nosso caso específico do Brasil, não acredito muito nas políticas
públicas. A gente carece – no artigo princípio valores, está em falta na
prateleira da política nacional, no almoxarifado, nós deveremos ter
mudanças de comportamento. Elas já estão ocorrendo. Há um maior apelo
para transporte coletivo, já há mais interesse em você utilizar
transporte público e morar mais perto da condução. A ideia de possuir um
carro e gastar de forma absurda, como levar mil quilos de latas para
qualquer lado que você vai, está perdendo espaço entre a população mais
jovem. Para quem insiste nestas práticas, não é que estas pessoas sejam
intrinsecamente más, mas insistem porque são frutos de uma educação e
cultura que foram vigentes até muito recentemente. Se você visitar as
páginas de anúncios imobiliários, por exemplo, do Estadão, como eu fiz,
dos anos 70 e 80, a maior propriedade de um apartamento era número
quartos e de vagas na garagem.. Hoje é a proximidade de um parque, um
terminal de metrô ou de ônibus. Enfim, a metragem está caindo muito e
nós não estamos precisando mais de tanto espaço para viver. É um
processo lento, mas vai ocorrer. Eu sou otimista. As cidades que geraram
os problemas, mas nas ruas das cidades é que mora a criatividade,
principalmente nos momentos de crise.
Blog Cidadãos do Mundo – Qual é a relação da poluição atmosférica com as 17 metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU?
Paulo Saldiva – Quanto à relação entre o controle da
poluição e as metas de atingimento dos ODS/ONU para 2030, eu não
consegui achar sequer uma das metas das 17 que não encaixasse espaço
para o controle da poluição do ar. Este tema passa por educação, ou
seja, mudança de comportamento e educação mais saudável, cidades mais
eficientes, diminuição da equidade, uma vez que as pessoas que menos
podem são as que recebem mais poluição. A poluição é mais frequente nos
países mais pobres e dentro dos países pobres, nas comunidades mais
desfavorecidas. Atinge a saúde, o controle tanto de doenças infecciosas,
crônicas e não-transmissíveis – como diabetes, infarte e câncer. Nós
também temos um objetivo, que é o controle da poluição, quando melhora a
eficiência e utiliza combustíveis mais limpos e tecnologias mais
eficientes. Dessa forma, você reduz ao mesmo tempo, a emissão dos Gases
de Efeito Estufa (GEEs). Ao fazer isso, melhora, inclusive, a segurança
alimentar.
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