O novo Código Florestal explicado em 12 pontos
Conforme os dados do MapBiomas, a cobertura de vegetação nativa1 no Brasil é de 569 milhões de hectares, o que representa 66% do território do país. Desse total, 53% ocorrem em propriedades privadas. No caso do estado de São Paulo, a cobertura com vegetação nativa dentro de imóveis rurais tem uma relevância ainda maior, visto que representa 69% da vegetação nativa do estado. As unidades de conservação públicas e os territórios indígenas, áreas de proteção criadas para conservar a biodiversidade, recursos naturais e serviços ambientais, estão concentradas em algumas regiões, como na Amazônia, quando olhamos para o Brasil todo, e na Serra do Mar, no caso de São Paulo. Além disso, apenas 6% do território brasileiro está sob proteção restrita em unidades de conservação de proteção integral, portanto essas áreas não são suficientes para proteger a vegetação nativa do país. A cobertura de vegetação nativa das propriedades privadas é maior que a de áreas públicas protegidas e está distribuída de maneira mais uniforme e capilarizada pela paisagem brasileira.
A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (lei federal n. 12.651/12), conhecida como novo Código Florestal, regulamenta o uso e a proteção de florestas e demais tipos de vegetação nativa dos imóveis rurais privados. A quantidade de vegetação nativa que ocorre nessas propriedades e sua distribuição uniforme na paisagem faz com que o novo Código Florestal tenha importância similar e complementar às unidades de conservação públicas na conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, assim como na regulação climática.
O novo Código Florestal passou por um longo e turbulento processo até a sua aprovação em 2012, com conflitos de interesse entre diversos grupos. O setor rural argumentava que a adequação das terras ao Código Florestal anterior, de 1965, era difícil e prejudicava o desenvolvimento da agricultura no país. Cientistas e ambientalistas alertavam que as alterações trariam ameaças à conservação ambiental. Após oito anos de sua aprovação, a lei ainda não está totalmente implementada e segue gerando polêmicas. A seguir apresentamos algumas perguntas e respostas que ajudam a entender o tema.
1. O que é o novo Código Florestal e para que ele serve?
O novo Código Florestal é o nome pelo qual ficou conhecida a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (lei federal n. 12.651/12), que revogou o Código Florestal de 1965 (lei federal n. 4.771/65). Ele se originou de um longo e conflituoso processo de revisão da lei anterior e é a principal lei que regula a conservação e o uso da vegetação nativa existente nas propriedades rurais privadas.
Os dois principais mecanismos do novo Código Florestal para a proteção e regulamentação do uso da vegetação nativa são as reservas legais e as APPs (áreas de proteção permanente).
As reservas legais são áreas que correspondem a um percentual da propriedade rural que devem ser mantidas sem práticas agrícolas intensivas, parcial ou totalmente cobertas de vegetação nativa, mas que podem ser exploradas economicamente com atividades de extração ou produção de baixo impacto ambiental, como a produção sustentável de espécies frutíferas. A área destinada à reserva legal depende do bioma no qual a propriedade se encontra, podendo variar entre 20% e 80% da área total da propriedade. Por exemplo, no estado de São Paulo, para os biomas Mata Atlântica e Cerrado, esta porcentagem é de 20%. No entanto, alguns artigos do Novo Código Florestal permitem a redução dessas áreas. Na maioria dos casos a área de APP pode-se somar à reserva legal para atingir o percentual necessário.
As APPs são áreas que precisam de proteção ambiental prioritária para prover serviços ecossistêmicos como regulação hídrica e manutenção da qualidade da água, ou áreas sensíveis muito suscetíveis à degradação caso utilizadas intensivamente com agricultura. Entre elas estão, por exemplo, margens de rios, encostas, topos de morros, altitudes elevadas, veredas e manguezais. Intervenções em APPs só são autorizadas em casos comprovados de atividades de baixo impacto ambiental e com utilidade pública, com algumas exceções maiores nas propriedades rurais pequenas.
2. Qual a importância de conservar florestas em propriedades privadas?
As unidades de conservação, na maioria públicas, são criadas para proteger a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, mas não são suficientes para essa proteção, visto que, de 18% do território nacional que está protegido por estas áreas, apenas um terço (cerca de 6%) se localiza em unidades de conservação de proteção integral onde não é permitida a exploração direta dos recursos naturais. O restante (12%) está sob proteção de UCs de uso sustentável, em sua maioria APAs (Áreas de Proteção Ambiental), situações que permitem certo grau de uso dos recursos e podendo inclusive se sobrepor à propriedades particulares. Além disso, de maneira geral, essas áreas de proteção públicas estão concentradas em algumas regiões, como a Amazônia e, em grande parte, encontrando-se isoladas em áreas remotas, com baixa densidade populacional e pouca atividade agrícola. Portanto, as áreas agrícolas que dependem fortemente dos serviços ecossistêmicos providos pela vegetação nativa — como polinização, controle de pragas e provimento de água — ficam desprovidas desses serviços e recursos naturais.
Já as propriedades rurais particulares possuem 53% da vegetação nativa brasileira e encontram-se amplamente distribuídas pelo território. Assim, a conservação de sua vegetação, além de aumentar a conectividade2 entre as unidades de conservação existentes, é essencial para a proteção de serviços ecossistêmicos como a polinização, a estabilização do ciclo hidrológico (o que evita a escassez de água ou inundações) e a regulação do clima local. Além disso, os rios não obedecem aos limites das propriedades, portanto suas margens devem ser conservadas, dentro de áreas públicas ou privadas, para garantir a manutenção do provimento de recursos hídricos em quantidade e qualidade. Da mesma maneira, outras áreas frágeis, como encostas e várzeas, devem ser protegidas para evitar processos erosivos e de assoreamento, que causam desastres como desabamento de casas, enchentes e comprometimento de abastecimento de água.
3. Se o imóvel rural é um bem privado, por que o proprietário é obrigado a manter a reserva legal e a área de preservação permanente?
Para responder a esta pergunta, temos que levar em conta três informações jurídicas: a primeira é a lei máxima do Estado brasileiro, a Constituição de 1988, que, em seu artigo 225, garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações atuais e futuras. Visando a esse equilíbrio, leis como o Código Florestal e o Código Civil foram elaboradas para garantir os direitos e deveres dos cidadãos, bem como a perpetuação dos recursos naturais.
Mais especificamente, o Código Civil, em seu artigo 1.228, parágrafo 1º, diz: “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Logo, o proprietário tem o dever de cumprir não só o previsto pelo Código Florestal, mas também, ao receber o direito à propriedade privada, passar a ter o dever de preservar os recursos naturais existentes dentro dessa área.
Estudos como Metzger et al. (2019) e Brancalion et al. (2016) apontam que tanto a reserva legal quanto as APPs são componentes-chave para o equilíbrio ecológico e fazem parte da função social dos imóveis rurais. Além disso, os ecossistemas não respeitam os limites políticos e de propriedade, portanto áreas importantes para biodiversidade e para a proteção dos recursos naturais permeiam áreas privadas e não só áreas públicas, como unidades de conservação. Assim, as reservas legais e as áreas de proteção permanente são fundamentais para a proteção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos essenciais para as populações humanas.
4. Por que é preciso manter a vegetação nativa nos imóveis rurais, se a população está cada vez mais vivendo nas cidades?
A proteção de recursos naturais essenciais para a população humana, como a água, depende da proteção da vegetação nativa (Metzger et al. 2019). A vegetação nativa nas áreas rurais é importante para a estabilização de encostas, a proteção de margens de cursos de água contra a erosão e o aumento da infiltração de água no solo — o que evita processos erosivos e regula os ciclos hidrológicos nas bacias hidrográficas. Assim, a proteção dessa vegetação impede a degradação dos recursos hídricos pelo escoamento excessivo de sedimentos e poluentes em direção aos cursos d’água, previne a escassez de água em períodos de seca, controla eventos de enchentes em períodos chuvosos e evita o desmoronamento de encostas. Além disso, a presença de vegetação nas áreas agrícolas protege o solo de empobrecimento, aumenta a polinização das próprias culturas agrícolas e o controle natural de pragas, diminuindo os custos com insumos agrícolas. Essa vegetação também é responsável por regular o clima (evitando o aumento excessivo das temperaturas) e o controle do fogo, que pode destruir áreas agrícolas e chegar a áreas urbanas. Áreas de vegetação nativa também contribuem para o controle de dispersão de doenças que afetam a saúde humana.
Apesar de a vegetação existente nas unidades de conservação também contribuir para todos esses benefícios, em geral essas áreas estão afastadas das áreas urbanas e geograficamente concentradas em parte do território brasileiro. Já as reservas legais e as áreas de proteção permanente permeiam todo o país, inclusive áreas próximas a grandes centros urbanos. Portanto, conservar a vegetação dessas áreas protegidas pelo Código Florestal é extremamente importante para a produção de alimentos, abastecimento de água, diminuição de desastres — como desabamento de encostas e alagamentos —, geração de energia e saúde pública, que são de total interesse das pessoas que vivem nas cidades.
5. Qual é o total estimado do déficit ambiental do estado de São Paulo? E onde ele está concentrado?
Utilizando as regras existentes na lei que regula a implementação do novo Código Florestal nos estados, o Programa de Regularização Ambiental, do estado de São Paulo, estimamos que o déficit total no estado — ou seja, a área de vegetação nativa que falta para a propriedade se adequar à lei — de áreas de reserva legal e de áreas de preservação permanente é de 1,02 milhão de hectares.
O estado de São Paulo tem 334.911 propriedades rurais. Entre elas, 9.222 (3%) apresentam déficit de reserva legal, somando um total de 328 mil hectares a serem restaurados ou compensados. Oitenta e dois por cento dos déficits estimados encontram-se em áreas de Mata Atlântica e 18%, no Cerrado. Apenas 1% do número de imóveis rurais de São Paulo (1.228) concentra 50% do total do déficit estadual, que está localizado principalmente nas regiões noroeste paulista e o Pontal do Paranapanema.
Para as APPs são estimados 228 mil imóveis rurais com irregularidades, o equivalente a 68% do total de propriedades no estado de São Paulo. A área soma 692 mil hectares que precisam ser restaurados. Desse total, 83% encontram-se na Mata Atlântica e 17%, no Cerrado. Assim como no caso das reservas legais, o déficit estimado das APPs está muito concentrado em poucas propriedades rurais: 2% dos imóveis do estado (7.484) retêm 50% desse déficit.
6. Como o proprietário de um imóvel rural pode adequar a sua propriedade ao novo Código Florestal?
O novo Código Florestal traz algumas opções para o proprietário rural que apresenta déficit de vegetação nativa em áreas de reserva legal ou em áreas de preservação permanente regularizar suas terras.
Para as reservas legais, o proprietário pode optar pela recomposição, regeneração natural ou compensação da vegetação nativa3. Na recomposição, o proprietário deve realizar o plantio de mudas de espécies nativas, que podem ser combinadas com até 50% de espécies exóticas4. O proprietário também pode optar por deixar a vegetação nativa se regenerar naturalmente. Uma terceira opção é compensar o seu déficit de reserva legal em outra propriedade, preservando a vegetação existente ou restaurando. A compensação deve ocorrer em áreas que estejam no mesmo bioma e sigam o critério de identidade ecológica (ver pergunta 7). Caso estejam em estados diferentes, a área de compensação deve ser considerada como prioritária para a conservação. A área de compensação pode ser adquirida pelo proprietário com déficit por meio da compra das chamadas cotas de reserva ambiental, arrendamento de áreas de servidão ou doação de áreas dentro de unidades de conservação. As reservas legais permitem esse tipo de compensação em outro local pois são como um “estoque” de vegetação nativa, e não áreas ecologicamente sensíveis, como é o caso das APPs.
Já para as APPs, o proprietário pode optar apenas entre a restauração e a regeneração natural — ou seja, não há a opção de compensação. Isso porque as APPs são áreas com características físicas e biológicas específicas, que têm alto valor ambiental, como são as margens de rios, encostas de morros e manguezais. Portanto, é preciso recuperar a vegetação existente no próprio local para que se recupere, ao máximo, a função ecológica da área (Guidotti et al., 2020).
7. O que é identidade ecológica, e qual é a importância de compensar a reserva legal em áreas ecologicamente equivalentes?
O termo identidade ecológica não aparece na literatura científica, porém, os termos “equivalência” e “similaridade” ecológica são bem estabelecidos na ciência. O entendimento é que a compensação de reserva legal deve ser feita em áreas de equivalência ecológica, ou seja, que têm um grau de similaridade com a área a ser compensada em termos de características e funções ecológicas (espécies, relevo, clima) (Tomas et al., 2018; Maron et al., 2012). A equivalência ou similaridade ecológica é um atributo quantitativo — ou seja, uma área pode ser menos ou mais similar a outra. Nesse sentido, há uma oportunidade para equilibrar o ganho ambiental com a garantia dos benefícios socioeconômicos, buscando um limiar de tolerância para equivalência ecológica que beneficie ambos os aspectos.
A compensação com algum nível de equivalência ecológica é mundialmente recomendada para evitar perdas irreparáveis da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos e contribuir para sua distribuição uniforme no território (Bull, Strange 2018), seja dentro do mesmo estado ou bioma. Por exemplo, no estado de São Paulo, os remanescentes de vegetação nativa de Mata Atlântica estão concentrados na região costeira, onde se tem predomínio de floresta ombrófila. Outras formações, como florestas estacionais, que se localizam mais no interior do estado, podem ter sua proteção comprometida — o que, por sua vez, pode impactar espécies endêmicas (que ocorrem apenas nesse local) e serviços ecossistêmicos essenciais prestados por essa vegetação e muito importantes regionalmente. Para o estado de São Paulo, um modelo de equivalência ecológica que considera o equilíbrio entre conservação ambiental e necessidades socioeconômicas já foi elaborado e pode ser utilizado para auxiliar a elaboração de estratégias de compensação que gerem esse efeito e nas quais ambos os lados ganham.
8. O que ainda falta ser resolvido para implementar o novo Código Florestal, e como a ciência pode contribuir?
Um dos principais desafios para a implementação do novo Código Florestal é a aplicação do artigo 68, que isenta de compensação, restauração, ou regeneração, os proprietários que suprimiram a vegetação nativa de sua reserva legal de acordo com os percentuais exigidos pela legislação em vigor à época da supressão. Outra questão que depende de conhecimento científico é a implementação do conceito de identidade ecológica na compensação de reserva legal.
Ambos os temas vêm sendo bastante discutidos e estudados pelo meio acadêmico, com propostas para sua aplicação sem inviabilizar a implementação do novo Código Florestal. A decisão do Supremo Tribunal Federal em fevereiro de 2018 de restringir a compensação de reserva legal entre áreas com identidade ecológica gerou polêmica entre os setores envolvidos na implementação da lei. Porém, os estudos científicos (ver pergunta 7) apontam que a aplicação desse conceito é importante e possível, balanceando uma área muito restrita que era estabelecida para a compensação no Código Florestal de 1965 (microbacia) e uma área muito extensa como o bioma, conforme previsto no Novo Código Florestal. A ciência apresenta métricas para medir essa equivalência e modelos de aplicação.
Em relação ao artigo 68, muitos estados ainda precisam definir em seus Programas de Regularização Ambiental (PRA) quais serão os marcos legais utilizados para a aplicação desse mecanismo. No caso do estado de São Paulo, após o julgamento do PRA, ficaram estabelecidos os seguintes marcos: Código Florestal de 1934, lei federal n. 7.803 de 1989 e o Código Florestal de 1965. No entanto, para o Código Florestal de 1934 não existem mapas espacialmente precisos sobre a distribuição da vegetação nativa. Portanto, para esse período, no estado de São Paulo, a equipe do Projeto Temático BIOTA/FAPESP do Código Florestal desenvolveu um mapa que representa a probabilidade da distribuição da vegetação nativa. No entanto, por ser um mapa probabilístico e para o qual não é possível avaliar o grau de incerteza, ele não é adequado para a tomada de decisão na hora de avaliar se o proprietário tem direito aos benefícios do artigo 68.
A permanência desse marco no PRA paulista faz com que a análise do artigo 68 (ou artigo 27 da lei estadual), provavelmente, tenha que ser feita caso a caso, o que pode atrasar ainda mais a implementação do novo Código Florestal. Portanto, os demais estados devem avaliar cuidadosamente os benefícios em comparação aos desafios da manutenção da lei de 1934 para a análise do artigo 68.
9. Cumprir o novo Código Florestal limita a capacidade de produzir alimentos e outros produtos agrícolas (etanol, papel e celulose)?
Esta pergunta foi respondida no artigo “Why Brazil needs its Legal Reserves”, do pesquisador Jean Paul Metzger e colaboradores. As reservas legais geralmente ocorrem em terras de baixa aptidão para a agricultura intensiva. Elas não competem com áreas propícias para a cultura agrícola e acarretam apenas ganho econômico a curto prazo e limitado, com a venda do carvão vegetal e criação do gado em áreas recém-convertidas. A médio e longo prazo, na verdade, a degradação ambiental pode levar à perda da produtividade agrícola, gerando mais ônus ao proprietário do que ganho na produção de uma cultura. Na região amazônica, muitas áreas desmatadas para pastagem são abandonadas depois de alguns anos devido à baixa aptidão para o cultivo e a criação de gado, gerando áreas de vegetação nativa secundária (INPE, 2014).
Ademais, estudos como do pesquisador Sparovek e seus colaboradores (2015) apontam que o Brasil tem imensas áreas de pastagens degradadas altamente adequadas para agricultura. Esses dados só reforçam que a produção agrícola não deveria ser regulada apenas quanto a sua expansão nas áreas protegidas ou na implementação do novo Código Florestal, mas em buscar intensificar essa atividade nas áreas já consolidadas com os recursos técnicos disponíveis atualmente.
10. Quais são as possíveis consequências de não cumprir de forma eficiente o novo Código Florestal, assim como aconteceu com suas versões anteriores?
O não cumprimento do Novo Código Florestal ameaça a proteção e a restauração de grandes áreas de vegetação nativa e, com ela, da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, como a regulação do clima, o abastecimento de água, a polinização e o controle de pragas agrícolas e arboviroses. Portanto, o seu cumprimento é importante não apenas para o meio rural e a agricultura, mas para a população das cidades.
Tomando apenas o estado de São Paulo como exemplo, 1,02 milhão hectares de vegetação nativa podem deixar de ser restaurados com o não cumprimento do código. Em relação ao Brasil como um todo, sem considerar as reduções de reserva legal fornecidas pelo artigo 68 do novo Código Florestal, essa área pode ser de 19 milhões de hectares (Guidotti et al., 2017)
11. Qual a importância da comunicação científica em veículos de fácil acesso à população, não só em forma de artigos científicos? Como esse tema aparece no Projeto Temático BIOTA/FAPESP sobre o Código Florestal?
Entre o tempo de escrever um artigo científico até a sua publicação é possível que se passe um ano ou até mesmo mais tempo. No entanto, muitas questões importantes para a sociedade exigem decisões urgentes e planos de ação rápidos. Portanto, é de interesse tanto dos cientistas quanto da sociedade que as políticas públicas, bem como outras decisões socialmente relevantes, sejam baseadas em evidências científicas Nesse sentido, é necessário que os cientistas utilizem outros meios para divulgar seus estudos para além de periódicos científicos, que geralmente têm alcance restrito ao público acadêmico. Por exemplo, notas técnicas, publicações para mídias de jornalismo científico e divulgações por meio de sites de acesso público são algumas opções para uma divulgação mais ampla e mais rápida da ciência.
Além disso, por meio de outros meios de comunicação, os cientistas podem se valer do uso de uma linguagem mais acessível do que aquela extremamente técnica e, por vezes, árida para o público em geral, exigida pelos periódicos científicos. Assim, é possível não apenas levar os resultados científicos para um maior número de pessoas, como garantir que eles sejam compreendidos por qualquer um que tenha interesse. No caso do Projeto Temático BIOTA/FAPESP do Código Florestal em São Paulo, essa forma de ciência, participativa e inclusiva, foi realizada por meio de reuniões abertas ao público para levantar as demandas por informações científicas, apresentar resultados e discutir metodologias. Além disso, os dados gerados foram disponibilizados em um site de acesso livre e divulgados por meio de notas técnicas e da mídia em geral, e não apenas em artigos científicos.
12. Quais são os desafios para que a ciência seja mais aplicada na formulação de políticas públicas?
Embora se dê cada vez mais importância à necessidade de interação entre a ciência e a formulação de políticas públicas, ainda existem diversos desafios para que ambas caminhem juntas. Parte desses desafios se deve ainda à falta de costume do desenho de projetos científicos que permitam, desde seus estágios iniciais, a cocriação entre cientistas, gestores, membros do governo, setor privado, ambientalistas e outros atores da sociedade civil. Para isso, cientistas precisam fazer um esforço para balancear seus interesses de pesquisa com demandas da sociedade por informações científicas. Por outro lado, tomadores de decisão precisam se habituar a basear suas ações em informações científicas e evidências sempre que possível, independentemente de questões ideológicas. Assim, um grande desafio ainda a ser enfrentado é assegurar que a ciência não seja silenciada por forças políticas que visam a garantir o interesse de poucos. Ainda é preciso encontrar meios para que a razão dos fatos científicos fale mais alto do que interesses políticos.
Bibliografia
Brancalion, P.H.S., Garcia, L.C., Loyola, R., Rodrigues, R.R., Pillar, V.D., Lewinsohn, T.M., 2016. A critical analysis of the Native Vegetation Protection Law of Brazil (2012): Updates and ongoing initiatives. Natureza e Conservação, 14, 1–15. https://doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.003
Bull, J., Strange, N. 2018. The global extent of biodiversity offset implementation under no net loss policies. Nature Sustainability, 1, p. 790-798, https://doi.org/10.1038/s41893-018-0176-z
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