Os caminhos contra o iminente colapso climático
Os sinais de esgotamento natural nos ensinam sobre os
limites aceitáveis dos impactos decorrentes das atividades humanas, que desde a
metade do século XX começaram a alterar drasticamente as funções ecossistêmicas
vitais
3 de junho de 2021
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de
Proteção Ambiental (Proam)
A sobrevivência da espécie humana e a enorme biodiversidade
planetária estão ameaçadas por seu maior desafio de equilíbrio ambiental:
as mudanças climáticas.
As visões ecossistêmicas trazem grandes lições de equilíbrio
e sobrevivência. Qualquer sistema vital, bem-sucedido para a finalidade à qual
se destina, evolui em estado contínuo de persistência para existir. Não é o
nosso caso.
Temos pouco tempo pela frente para agir. Nicholas Stern,
economista e conselheiro da coroa britânica, uma das maiores autoridades
mundiais em meio ambiente, apresenta o conceito de “janela para o tempo”, que,
uma vez ultrapassado, levaria a humanidade ao colapso devido ao elevadíssimo
custo a ser pago por uma adaptação de proporções apocalípticas. A mesma
afirmativa é feita por James Hansen, considerado o pai das mudanças climáticas,
um dos pesquisadores climatologistas pioneiros da Nasa. Entre os brasileiros
que também apontam a gravidade da situação encontra-se o cientista social Luiz
Marques, da Unicamp, que considera a sociedade humana inerte e à beira do
abismo, frente a um iminente colapso climático.
Os sistemas naturais, que são vocacionados em essência para
proteger a vida, apresentam enorme capacidade de adaptação, mas nada poderão
fazer contra a intoxicação por carbono da atmosfera, decorrente da insistência
em matrizes insustentáveis por falta de inteligência ética da civilização
humana.
A realidade desafiadora do Antropoceno, marca da era
civilizatória atual, coloca em xeque a capacidade da sociedade humana de
repensar seu comportamento. Os sinais de esgotamento natural nos ensinam sobre
os limites aceitáveis dos impactos decorrentes das atividades humanas, que
desde a metade do século XX começaram a alterar drasticamente as funções
ecossistêmicas vitais.
A ciência tem se debruçado há décadas sobre os prognósticos
para o ano de 2100 e sugerido mudanças para um estado de menor entropia que garanta
condições planetárias satisfatórias. Este prognóstico nos coloca diante do
desafio de mudar o atual e insustentável modus vivendi da sociedade humana.
A transformação deve ser eficaz para despressurizar o
ambiente de forma estrutural, o que exige o questionamento dos valores da
sociedade de consumo, de modo a colocar um novo coração na economia do business
as usual, com matrizes de ética planetária, simplicidade voluntária e um
benigno aparato tecnológico.
Para a maioria dos cientistas há luz no fim do túnel, mas
isso só será possível se medidas fortes puderem frear as emissões de gases
efeito estufa (GEE). Os avanços em matrizes limpas ainda são insuficientes para
conter as emissões globais. Assistimos a um desfile de promessas e compromissos
para o futuro, mas sem ações fortes e corajosas de governos para enfrentar as
corporações dos combustíveis fósseis e paralisar a intoxicação da atmosfera.
O estado propício para que um novo paradigma conquiste os
corações e as mentes deve reconhecer o atual diagnóstico, com a devida
observação das tendências civilizatórias, os caminhos e os descaminhos do
futuro. Este prognóstico demanda uma grande angular transdisciplinar. Transpor
nossa realidade para uma perspectiva futura sustentável implica uma abordagem holística,
uma apropriação do conhecimento que revele as inconsistências e nos permita
contemplar a possibilidade que o desafio do Antropoceno nos apresenta: a
transformação pela percepção das vulnerabilidades.
A sobrevivência é a grande regente da natureza. A conjuntura
atual aproxima a civilização humana desta realidade, considerando que há muito
deixamos a tese da prevalência dos mais fortes, amparados em conquistas sociais
sacralizadas nas constituições das nações e dos organismos supranacionais.
Impõe-se o paradigma de reaprender a natureza a partir do desafio de garantir a
sobrevivência de todos, especialmente dos mais vulneráveis.
Um país como o Brasil, tão rico em natureza e
vulnerabilidades sociais, necessita de políticas públicas que contemplem o respeito
aos que estão mais expostos aos riscos ambientais. É necessária uma nova
consciência que possa sensibilizar os privilegiados e ampliar a voz dos
desprovidos, promovendo a justiça ambiental e social.
É urgente também a ampliação da consciência pública, da
compreensão sobre a ética para com a vida, especialmente com o atual estágio da
governança federal do Brasil, subjugada por um incompreensível negacionismo
científico e de valores éticos – e sem a mínima compreensão sobre a realidade
natural.
O Brasil deve fazer sua lição de casa para a prevenção e
mitigação dos impactos das alterações climáticas. Áreas inundáveis e sujeitas a
deslizamento, expostas às alterações drásticas de maré e do crescente nível do
mar; planejamento para evitar o colapso do abastecimento de água; políticas
preventivas para evitar o risco de migrações em massa; proteção de regiões
estuarinas onde sobrevivem da pesca comunidades tradicionais e das
sub-habitações ineficientes diante de intempéries.
A participação social e a prática de advocacy são
imprescindíveis neste cenário, como agente transformador, para afastar decisões
que privilegiem interesses menores, e elevar a percepção social para um patamar
de interesse público.
O efeito positivo da eleição de Joe Biden segue potencializando
essas transformações. Interessante observar como premissas sociais e
ambientais estão sendo absorvidas por organismos supranacionais como Nações
Unidas, Comunidade Europeia, Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e Organização Mundial do Comércio (OMC).
As perspectivas impostas pela tríade Environmental, Social
and Governance (ESG) começam a se tornar mandatárias no mundo dos negócios,
diminuindo mais e mais as chances de impunidade para agressão às comunidades
indígenas e a devastação ambiental.
Diante da COP 26, que ocorrerá em novembro no Reino Unido, o
que se espera é o advento e fortalecimento de políticas públicas globais e
locais, como avanço efetivo na transformação pelas vulnerabilidades
evidenciadas pelas mudanças climáticas.
As opiniões e informações publicadas nas sessões de colunas e análises são
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