Governo quer revogar decreto que criou as reservas
extrativistas
Secretaria-Geral da Presidência da República consultou
ICMBio sobre possibilidade de revogar norma de 1990, com a justificativa de que
a lei do SNUC já contempla as Resexs. ICMBio e extrativistas discordam
DANIELE
BRAGANÇA · 22 de abril de 2021
A Subchefia para Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral da
Presidência da República pediu a opinião do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pelas unidades de
conservação federais, sobre a revogação do decreto 98.897/90, que criou as
reservas extrativistas no ordenamento jurídico do país. A justificativa é que o
decreto já está contemplado na lei do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC), logo, não teria perda com a revogação do decreto. Segundo
documento ao qual ((o))eco teve acesso, o ICMBio não concorda com posição do
governo e considera que há pontos importantes do decreto que não foram
acolhidos na lei.
O pedido da Subchefia foi enviado à Secretaria-Geral do Ministério do Meio Ambiente no dia 12 de abril e pedia celeridade no processo de consulta, pois o governo pretende assinar um decreto revogador no dia 27 de abril. A resposta deverá incluir a manifestação jurídica do órgão.
Segundo o que ((o))eco apurou, as diretorias do ICMBio já
responderam no sentido de não recomendar a extinção da norma. O motivo é o
artigo 4º do decreto, que prevê dois pontos não contemplados na lei do SNUC e
nem no decreto que a regulamenta: “(I) determinação de que a
cessão de uso para as populações destinatárias das Reservas Extrativistas deve
ser dar mediante contrato de concessão de direito real de uso a título
necessariamente gratuito e; (II) A obrigatoriedade de se prever, inclusive com
disposição em contrato de concessão, cláusula de rescisão quando houver danos
ao meio ambiente ou a transferência da concessão inter vivos.”
Art. 4º A exploração autossustentável e a
conservação dos recursos naturais será regulada por contrato de concessão real
de uso, na forma do art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967.
§ 1º O direito real de uso será concedido a título
gratuito.
§ 2º O contrato de concessão incluirá o plano de
utilização aprovado pelo Ibama e conterá cláusula de rescisão quando houver
quaisquer danos ao meio ambiente ou a transferência da concessão inter vivos.
Para o secretário-geral do Conselho Nacional das Populações
Extrativistas (CNS), Dione Torquato, a possibilidade de revogação, que ele
ficou sabendo por ((o))eco, sinaliza um passo a mais do governo para fragilizar
esses territórios.
“As reservas extrativistas são uma luta histórica do
movimento extrativista brasileiro. A modalidade é um modelo único. O governo
brasileiro deveria ver isso como um patrimônio do Brasil e deveria assegurar a
lei. Como deveremos acreditar que a modificação não afetará nada com as
sucessivas tentativas de mudar a lei do SNUC no Congresso Nacional? Inclusive
com a mudança no artigo 18 do SNUC, que fala sobre as reservas extrativistas,
na tentativa de transformar essas áreas em áreas consolidadas do agronegócio”,
diz Torquato, em entrevista por telefone ao ((o))eco.
O secretário-geral cita como uma das ameaças o projeto
de lei 313/2020, de autoria do deputado Júnior Ferrari (PSD-PA), que muda a
lei do SNUC para permitir a criação de rebanhos de bovinos e bubalinos em
reservas extrativistas. O Conselho Nacional das Populações Extrativistas
considera esse projeto uma ameaça às reservas, pois daria o primeiro passo para
transformá-las em fazendas.
Torquato também reclama que as populações não foram
consultadas sobre a revogação do decreto, como prevê a legislação nacional e os
acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
“As populações extrativistas são corresponsáveis pela gestão
desses territórios e [em] qualquer mudança na legislação precisam ser
consultadas. É um comportamento comum desse governo propor ações e programas de
cima pra baixo, sem ouvir as populações. E na maioria das vezes a proposta é
para flexibilizar nossos direitos e se apropriar dessas áreas, ignorando
a importância que esses territórios têm para o país e mundo”.
Para Claudio Maretti, ex-diretor de Ações Socioambientais e
Consolidação Territorial em Unidades de Conservação do ICMBio e ex-presidente
da autarquia, a Lei do SNUC já fala em contrato de concessão de direito real de
uso, ainda que menos diretamente, e a vedação de usos contrários ao objetivo da
unidade está previsto no artigo 23 da lei.
“O que alguns extrativistas gostam é do “plano de
utilização”, diferente do plano de manejo, mas mais pela prática que existia no
começo e pelo relativo desrespeito que passou a existir logo após o SNUC. Mas
creio que isso foi superado, vide a participação dos extrativistas na proposta
renovada de regulamentação de plano de manejo feita em 2017 e 2018”, disse
Maretti.
Embora considere que a eventual extinção do decreto não irá
atingir o ordenamento das reservas extrativistas, Maretti lembra que em 2017 e
2018, durante sua gestão como diretor, o ICMBio estava trabalhando em uma
proposta para regulamentar a categoria, junto às populações extrativistas, para
consolidar a gestão compartilhada entre os extrativistas e o ICMBio. O decreto
foi encaminhado ao Ministério do Meio Ambiente, mas com a chegada da nova
administração, não foi publicado.
“Eu defendo as reservas extrativistas como parte do Sistema
de Unidades de Conservação e acho que o sistema tem que ser visto com uma
complementariedade entre as categorias. É uma forma de conservar defendendo a
cultura e seus direitos sociais”.
Com a palavra, o MMA
((o))eco entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente
para saber qual será a posição oficial do órgão sobre o assunto, mas a
assessoria de imprensa ainda não retornou nossos contatos.
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