Governo paralisa (de novo) fiscalização ambiental, denunciam
servidores
Instrução Normativa publicada na semana passada retira
autonomia de ação dos fiscais do Ibama e ICMBio, aumenta burocracia e favorece
infratores
21 de abril de 2021
O governo promoveu mais uma mudança nas regras de
fiscalização ambiental – a segunda em menos de dois anos – e retirou a
autonomia dos fiscais em campo, que agora precisam da autorização prévia de um
superior para aplicar uma multa. As novas regras foram publicadas na
quarta-feira (14) da semana passada através de uma instrução normativa conjunta assinada pelo ministro do
Meio Ambiente, Ricardo Salles, e os presidentes do Ibama, Eduardo Fortunato
Bim, e do ICMBio, Fernando Lorencini.
Em entrevista ao O Globo, após repercussão negativa da carta dos servidores, o ministro Ricardo Salles afirmou que o objetivo da norma era acelerar processos, mas que o Ministério irá analisar a manifestação. “Se houver mesmo necessidade de ajuste, o faremos”, disse.
Desde a publicação da instrução normativa, ao menos três
manifestações endereçadas às presidências das autarquias foram feitas para
pedir que a norma seja revista. Uma feita por servidores do Ibama, outra pelos
servidores do ICMBio e uma terceira pela Diretoria de Proteção Ambiental, do
Ibama, assinada pelo diretor Olímpio Ferreira Magalhães. Segundo os servidores,
a instrução normativa engessa o trabalho do dia a dia no momento em que as
regras da norma anterior – que ajustou as normas após a criação dos núcleos de
conciliação – começaram a ser implementadas.
“É como se nos mantivéssemos presos sempre a uma nova
adequação”, reclama um fiscal para a reportagem de ((o))eco. A identidade do
servidor será mantida em sigilo. Desde 2019, servidores da área ambiental
federal estão proibidos de
dar entrevista sem autorização prévia da assessoria de imprensa do
Ministério do Meio Ambiente.
Servidores do Ibama protestam contra IN
Mais de 300 servidores
de carreira do Ibama assinaram uma carta, publicada na segunda-feira (19),
pedindo modificações na Instrução Normativa. Os servidores alegam que as normas
inviabilizam o seguimento dos processos em todo país. Na carta, também
endereçada ao presidente do Ibama, os servidores afirmam que as atividades nas
autarquias estão paralisadas, pois não foram tomadas medidas prévias no sistema
eletrônico para incorporar as inúmeras mudanças promovidas pela entrada em
vigor da norma.
“Para evitar responsabilização aos servidores e de forma
preventiva, estes estão apresentando suas razões no presente documento, à
administração das autarquias executoras, IBAMA e ICMBio, para exercer o direito
de recusa em iniciar procedimentos com a norma vigente e, muito menos com norma
administrativa revogada, tendo em vista que não há meios disponíveis para o
cumprimento dos prazos e, com o não cumprimento, há sanções previstas na Lei
Federal 8.112/1990, podendo até o servidor ser demitido. Num completo
descompasso com a situação das autarquias executoras da Política Nacional de
Meio Ambiente, que vem sofrendo há anos com a diminuição no quadro de
servidores, ao invés de realizar concurso público e assim prover os cargos
vagos, a administração aprova norma que, sem meios para cumprir, pode levar a
demissão de mais servidores”.
Em decorrência disso, todos os servidores que assinam a
carta declaram que estão com suas atividades paralisadas pelas próprias
autarquias. “Registramos que, no momento, os meios necessários para o estrito
cumprimento do nosso trabalho não estão disponíveis e que todo o processo de
fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se comprometido e
paralisado frente ao ato administrativo publicado. O resultado imediato e
inevitável é a potencialização da sensação de impunidade, que é apontada como uma
das principais causas do aumento do desmatamento na Amazônia, bem como de
outros crimes ambientais no país”.
Em
ofício de orientação, o Coordenador-Geral de Fiscalização Ambiental do
Ibama, Ricardo José Borrelli, afirmou que a lavratura do auto de infração e a
elaboração do relatório de fiscalização devem ser feitos com os procedimentos
já estabelecidos, ou seja, usando a norma anterior, revogada pela nova. Para os
servidores, fingir que a norma não mudou fere o princípio da legalidade do ato
administrativo.
“Rogamos à toda a sociedade o apoio necessário para que
haja, por parte dos gestores do MMA, IBAMA e ICMBio, uma atitude com vistas ao
equacionamento do quadro de paralisação total imposto pela publicação da INC
MMA/IBAMA/ICMBIO 01/2021 e para que não nos lancem convite em assumir riscos no
cumprimento de atos sem a existência de norma vigente que nos ampare. Como já
dito, isto é irregular, ilegal e configura mera tentativa de arrefecer uma
crise administrativa sem precedentes que se instalou com a alteração da norma”,
denunciam.
Na mesma direção,
servidores do ICMBio encaminharam ontem uma carta endereçada ao
presidente do ICMBio, Fernando César Lorencini, ao coordenador-geral de
Proteção (CGPRO/ICMBio), Diego Bezerra Rodrigues, e ao diretor de Criação e
Manejo de Unidades de Conservação (Diman/ICMBio), Marcos de Castro Simanovic,
em apoio à manifestação dos colegas servidores do Ibama, levantando os mesmos
pontos. Segundo os servidores do ICMBio, se a norma se mantiver, “será necessário
um enorme esforço de readaptação de procedimentos, sistemas e capacitação,
recomeçando quase do zero toda a dinâmica Fiscalização, Conciliação, Instrução
e Julgamento de autos de infração no ICMBio e no Ibama”.
Diretoria de proteção pede revogação das novas
regras
No início da noite desta terça-feira (20), o diretor de
Proteção Ambiental do Ibama, Olímpio Ferreira Magalhães, pediu
a imediata modificação de cinco pontos da Instrução Normativa: a do
conceito de relatório de fiscalização; mudança nos prazos para contemplar
excepcionalidades; permitir que outros agentes envolvidos na operação possam
sanar pendências apontadas pela chefia e alteração de artigo para deixar claro
que o relatório de fiscalização deixou de representar, necessariamente, a
abertura do processo administrativo ambiental.
“Entendo que as mudanças em questão devem ser válidas
imediatamente, tendo em vista a importância do tema. Feitas essas
considerações, encaminho à apreciação e encaminhamentos pertinentes”, escreve
Magalhães, em nota técnica encaminhada ao presidente do Ibama, Eduardo Bim.
Desde a chegada de Bolsonaro ao poder, em 2019, o número de
autos de infração vem despencando. Em abril de 2020, Salles mudou
toda a cúpula de fiscalização do Ibama após Bolsonaro se irritar com
uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, que mostrou os bastidores de uma
megaoperação em Terras Indígenas no sul do Pará. Na ocasião, foram exonerados:
o coordenador de operações de fiscalização do Ibama, Hugo Loss, um dos entrevistados
na reportagem do Fantástico; o coordenador-geral de fiscalização ambiental,
Renê Luiz de Oliveira; além do então diretor de Proteção Ambiental, Olivaldi
Azevedo.
PV entra na briga
Não são apenas os servidores que pedem a mudança na instrução normativa. Os
deputados Israel Batista (PV-DF), Célio Studart (PV-CE) e Leandre (PV-PR),
todos do Partido Verde, entraram com um decreto legislativo para sustar a
Instrução Normativa Conjunta. Segundo os deputados, é responsabilidade do
parlamento sustar normas do Poder Executivo “que extrapolem seu poder regulamentar.”
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