Alvinho, o raríssimo tamanduá-bandeira albino do Cerrado brasileiro
Esta semana, fotos deste tamanduá-bandeira lindão e diferente – ele é albino! – chamaram a atenção nas redes sociais. Ele é Alvinho, foi descoberto há poucos meses e está sendo monitorado pelos pesquisadores do ICAS – Instituto de Conservação de Animais Silvestres numa fazenda de Mato Grosso do Sul.
Os registros preciosos são do fotógrafo Luciano Candisani – expert em natureza e conservação – e estão ajudando a contar esta história para o público, além de demonstrar, mais uma vez, como a fotografia pode ser uma aliada potente na proteção da biodiversidade (veja os outros animais albinos que ele já retratou, no final deste post).
Para contar sobre esta descoberta fantástica, aqui, também selecionei imagens produzidas pelos cientistas que acompanham Alvinho desde setembro e integram a equipe que está monitorando o animal para um estudo inédito. Vamos a ela!
Dois filhotes albinos: serão parentes?
Em agosto de 2021, um filhote de tamanduá-bandeira albino foi avistado por funcionários da Fazenda Barra Bonita, na região de Três Lagoas, no MS, e registrado pela Polícia Militar Ambiental (PMA), que logo comunicou os pesquisadores do ICAS.
Desde 2017, por meio do projeto Bandeiras e Rodovias, a organização se dedica a estudos de conservação e monitoramento do tamanduá-bandeira no Cerrado do Mato Grosso do Sul e à elaboração de medidas de mitigação contra atropelamentos da espécie.
Tratava-se do primeiro caso de albinismo dessa espécie encontrado na região. Rapidamente os pesquisadores foram no encalço do animal para avaliar seu estado de saúde e iniciar o monitoramento. O objetivo era acompanhar o desenvolvimento de um animal tão sensível a mudanças de temperatura como o tamanduá-bandeira, neste caso ainda mais vulnerável devido à sua condição de albino.
No entanto, eles o encontraram sem vida. “Quando chegamos, ele já estava em óbito, mas conseguimos coletar amostras genéticas que foram enviadas para análise em laboratório”, conta a médica-veterinária Débora Yogui que compartilhou a ‘missão’ em campo com o médico-veterinário Mario Alves.
O filhote já era independente, não andava mais nas costas da mãe, portanto, “era juvenil, como chamamos, devia ter em torno de 8 a 12 meses”, explica Arnaud Desbiez, zoólogo, doutor em manejo da biodiversidade e presidente e fundador do ICAS. “Os pesquisadores encontraram sua ossada espalhada, mas não sabemos a causa exata da morte. Suspeitamos que pode ter sido predação”. No local já foram vistas onças pardas.
Um ano depois, na mesma fazenda, outro filhote de pelagem clara foi identificado pelos funcionários, que avisaram o ICAS novamente. Débora e Mário se dirigiram para lá e encontraram uma fêmea (de pelagem normal) com o pequeno tamanduá nas costas (era um bebê!), que apresentava características de albinismo, se destacando na paisagem.
Batizado com o nome de Alvino pela dona da fazenda, ele logo virou Alvinho. “Brasileiro gosta de usar ‘inho’, brinca Desbiez. Ah, ficou mais bonitinho e carinhoso, não?
A equipe, então, capturou a mãe e o filhote para colher material de ambos para exames de laboratório que vão ajudar a identificar se há alguma relação de parentesco com o tamanduazinho albino de 2021 (o resultado deve ficar pronto em cerca de seis meses). “Também tentaremos entender como um evento tão raro pode ter acontecido duas vezes no mesmo lugar, em um período tão curto”, destaca Nídia Attias, bióloga e pesquisadora do ICAS.
Monitoramento e estudo
Alvinho recebeu um colar de monitoramento (via GPS), possibilitando, assim, o início de um estudo inédito que identificará como pode se dar a adaptação deste animal, com características incomuns, em vida livre, mais especificamente no Cerrado, cuja vegetação é semelhante à de uma savana, com árvores baixas e esparsas, e o bioma sofre com o desmatamento.
O albinismo é uma desordem genética que limita a produção de melanina. “Existe uma teoria ecológica que diz que os bichos albinos de vida livre tendem a ser menos adaptados à natureza”, explica Nídia.
Talvez seja o caso de Alvinho, que não dispõe da pelagem escura comum aos tamanduás-bandeiras, que funciona como uma camuflagem contra possíveis predadores e filtra os raios solares, proporcionando conforto térmico e protegendo do sol e do calor típicos desse bioma.
Este estudo vai ajudar a identificar “se, de fato, os albinos são mais suscetíveis ao sol, ao calor, ao frio e aos predadores e entender mais sobre o comportamento e as necessidades destes indivíduos raros”, diz a pesquisadora.
Desbiez destaca, ainda, que o tamanduá-bandeira “é um animal homeotermo imperfeito, ou seja, tem a temperatura corporal mais baixa, o que o torna extremamente sensível a mudanças de temperatura e a temperaturas extremas. Ele altera seu período de atividade dependendo da temperatura do ambiente. Se estiver muito calor, sai mais à noite, se está frio – como em junho, julho, agosto – se torna mais diurno”. E completa:
“Há tempos acompanhamos essa questão e a importância da vegetação nativa para a termorregulação e estamos fazendo um estudo para mostrar o impacto das mudanças climáticas. Sabemos que todos os tamanduás são suscetíveis ao clima. E aí a gente pergunta: como vai ser a vida de um tamanduá albino nesse cenário? Como vai ser sua busca pela termorregulação, por sombra? Alvinho vai nos ajudar a responder essas e outras perguntas”.
De acordo com o especialista, com um ano de monitoramento já será possível ter informações importantes, mas, como Alvinho tem entre 8 e 9 meses (pesa 11 quilos) e os tamanduás juvenis se dispersam a partir de um ano e meio até três anos, “vamos segui-lo por mais tempo, para acompanhar sua dispersão e crescimento”.
E Nídia alerta para um outro fato interessante, referente aos limites da ciência em ambientes naturais: “Mesmo sabendo que ele corre vários riscos, não podemos interferir na vida deste animal de forma direta, pois estaríamos influenciando nos processos ecológicos naturais e, como conservacionistas, sabemos que isso não é bom para as espécies ou para o ambiente”.
E o colar? Incomoda? Machuca?
Esta é uma das questões que mais impactam o público diante de imagens de animais com radio-colar, uma ferramenta imprescindível no trabalho de proteção e conservação.
Esta semana, por exemplo, ao publicar, em suas redes sociais (Facebook e Instagram), algumas das imagens que fez de Alvinho, como contei no início deste texto, o fotógrafo Luciano Candisani foi questionado por seguidores sobre o radio-colar que o tamanduá usa.
“Esse colar não provoca sofrimento?”, “O colar me causou desconforto, mas sou leigo no assunto. Precisa ser assim, mesmo?”, “Coitado! Esse colar enorme”, “O bicho cresce e o colar vai ficando apertado, cientistas sacrificam os bichos para seu estudo, isso eu não gostei. O bicho é magnifico!”, “Nossa.. mas esse colar é bem grande. Tanta tecnologia, não daria pra fazer um menor ou algo mais tecnológico, tipo um chip?”, “Vc gostaria de ser monitorado assim pelo pesçoco? E com uma coleira destas? Me fala…”.
Para garantir conforto e acompanhar o crescimento de Alvinho, que é um tamanduá-bandeira juvenil, o dispositivo terá suas tiras trocadas a cada seis meses. E, apesar de necessitar de anestesia – claro! -, a troca é muito rápida, não causa sofrimento.
Se fosse bebê, a troca se daria de 2 em 2 meses; se ele fosse adulto, a cada 2 anos. Além disso, existe um tamanho de colar para período de vida. E os pesquisadores sempre levam em conta as especificidades de cada animal para definir o tempo e a manutenção.
“Cientificamente já provamos que o colar não incomoda os animais!”, salienta o pesquisador. Eles se adaptam à sua presença, também devido aos cuidados dos pesquisadores. “Já monitoramos mais de 15 filhotes juvenis e a curva de crescimento deles não é igual, muda a cada indivíduo. E há momentos em que acontece um boom no desenvolvimento, aí temos que ficar mais atentos e fazer trocas menos espaçadas”, explica Desbiez.
Além disso, todos os animais são monitorados a cada quinze dias (in loco, como mostra a foto que Candisani fez de Mario, próximo de Alvinho) e a cada quatro dias por satélite.
No caso de Alvinho, que tem uma condição mais delicada por ser albino, os veterinários ainda monitoram sua saúde e condição física com maior frequência do que seria normal. Portanto, ele está muito bem amparado.
Detetives ecológicos
A experiência ímpar com colares de monitoramento vem de um trabalho gigante realizado pelo ICAS no Pantanal e no Cerrado, que acompanha mais de 100 tamanduás-bandeira, em propriedades particulares (a Fazenda Santa Lourdes é a principal). Vale ressaltar, aqui, que a parceria do ICAS com os donos de fazendas – que têm visão conservacionista – é uma prova de que o respeito e a colaboração são possíveis entre o meio ambiente e a produção agropecuária no Brasil.
“E ainda temos um estudo de longo prazo, com o qual monitoramos 30 animais, sendo dez fêmeas e seus filhotes de 5 a 6 meses, que recebem colares para estudarmos dispersão, quando saem das costas de suas mães”.
E o pesquisador completa: “Por assim, vemos como se dispersam – por isso os chamamos de detetives ecológicos – e entendemos o que é um habitat permeável entre 1 ano e meio e 3 anos. Eles podem andar até 100 km em linha reta! Se somar tudo o que eles andaram, podem chegar a 8 mil km! E fazem isso há 4 meses. É muita andança!”.
“Este estudo ajuda a compreender a movimentação desses animais. Vem daí, também, a experiência para capturar e monitorar filhotes com mais de 8 quilos, que, em breve, sairão das costas das mães.
“Esse projeto nos ajuda a influenciar políticas públicas, revelando quais são os habitats mais importantes para preservar no Cerrado. E, com ele, estudamos o impacto das rodovias”, acrescenta. “Monitoramos mais de 13 mil km de estradas e graças aos colares identificamos que só metade dos animais atropelados morrem nas estradas, a outra metade vai morrer mais longe e não é incluída nas estatísticas”.
A seguir, assista ao vídeo gravado em setembro pelos pesquisadores do ICAS, em campo, quando Alvinho era bebê e andava nas costas da mãe. Dá para ver bem sua condição de albino, os olhos claros, sem pigmento, e a diferença da cor dele e da mãe. E, também, como ele se destaca na paisagem, o que torna vulnerável a qualquer predador.
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Foto (destaque): Luciano Candisani
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