Em Barranquilla, na Colômbia, parques urbanos
revitalizaram uma cidade em decadência
17 Jan 2023 Por Anne
Maassen Foto: WRI Ross Center for Sustainable Cities
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Samira Perez, uma antiga moradora da cidade de Barranquilla, na Colômbia, costumava gastar tempo e dinheiro com táxis para levar seus filhos aos shoppings locais depois da escola e aos finais de semana. Lá, eles passavam o tempo admirando vitrines de lojas sofisticadas, assistindo a shows e fazendo refeições nos restaurantes.
A presença do shopping na vida da família de Perez é comum
em cidades latino-americanas que têm passado por um rápido processo de
urbanização, no qual, diante da ausência de alternativas acessíveis ao ar
livre, os shoppings costumam oferecer espaços de convivência seguros e limpos.
Em Barranquilla, onde os shoppings são onipresentes, uma pesquisa de percepção
realizada em 2009 mostrou que 90% dos moradores estavam insatisfeitos com as
áreas verdes e públicas da cidade.
Mas as coisas mudaram em 2016. O Parque Los Andes, próximo
de onde Samira vive, é um dos 258 espaços públicos transformados por meio do
programa municipal de renovação de parques, Todos
al Parque. Antes associado ao tráfico e ao crime e negligenciado pelo
setor público, o parque é hoje um local de encontro para as famílias, com
playgrounds e campos de futebol bem iluminados e bem cuidados.
Também é um caso emblemático de uma história mais ampla: a
do renascimento de Barranquilla.
O projeto Todos al Parque é o vencedor da
edição 2021-2022 do WRI
Ross Center Prize for Cities (informação atualizada em 3 de fevereiro
de 2023), um exemplo de como investimentos inclusivos em espaços públicos
verdes podem ser uma estratégia efetiva para desenvolver a economia, empoderar
grupos marginalizados e renovar a confiança nas instituições públicas.
Começando por onde a mudança era mais necessária
Nos anos 1970, a outrora poderosa indústria naval de
Barranquilla estava em decadência, as florestas da cidade vinham sendo
desmatadas e os bairros passavam por diversas mudanças – para pior.
Assentamentos informais se espalhavam enquanto qualidade de vida, saúde, segurança
e oportunidades econômicas decaíam. No final dos anos 2000, o índice de espaço
público por habitante era menos que 10% do mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde.
Bairros com parques e espaços públicos negligenciados registravam taxas mais
altas de criminalidade, além de maior incidência de asma, obesidade e outros
problemas de saúde.
Em 2011, a gestão da então nova prefeita, Elsa Noguera,
criou um programa para recuperar 60 parques localizados nas áreas mais
desassistidas da cidade. O Todos al Parque priorizou as
necessidades de grupos vulneráveis e desfavorecidos, incluindo crianças,
mulheres, pessoas com deficiência e idosos. O eixo central do programa era a
participação dos moradores no redesenho dos parques.
Desde o início, o programa tinha o objetivo de promover uma
distribuição mais social e espacialmente equitativa das áreas verdes da cidade.
Começando pelas áreas mais desassistidas, na região sudeste de Barranquilla, e
espalhando os benefícios por toda a cidade ao longo do tempo.
Jogadores fazem um intervalo em uma partida de futebol no
Parque Sagrado Corazon. Durante o planejamento de cada parque, moradores da
comunidade local foram convidados a sugerir melhorias que gostariam de incluir
no espaço, como campos de futebol (foto: WRI Ross Center for Sustainable
Cities)
No planejamento de cada parque, arquitetos e lideranças
comunitárias debateram necessidades e ideias de desenho. Em seguida,
representantes do poder público se reuniam com os moradores da comunidade onde
o parque seria construído ou renovado. Nessas ocasiões, as pessoas faziam
recomendações que seriam posteriormente incorporadas ao projeto – como mudar a
superfície do campo de futebol (de areia para grama sintética), aumentar o
tamanho do playground e criar uma área dedicada a receber programações
infantis. Antes do início da construção de cada parque, foi realizada uma
cerimônia simbólica de assinatura para que os moradores pudessem aprovar a
versão final do projeto.
Hoje, 93% dos moradores de Barranquilla possuem acesso a um
espaço público verde a oito minutos de caminhada de suas casas. O Todos
al Parque está presente nos 188 bairros da cidade.
Como esse trabalho foi feito?
Depois do lançamento do programa, em 2011, uma pequena
equipe nomeada pelo gabinete da prefeita reuniu-se com especialistas locais,
avaliou os parques da cidade e pesquisou as melhores práticas internacionais.
Uma inspiração foi Tampa, na Flórida (EUA), cidade-irmã de Barranquilla. Na
época, Tampa ostentava 44m² de área verde por habitante, em comparação com os
0,86m² de Barranquilla. Durante um estudo de campo em Tampa, a equipe aprendeu
sobre infraestrutura, técnicas de cocriação e aspectos práticos sobre como
diferentes departamentos e construtoras da cidade podem trabalhar em conjunto.
A equipe de Barranquilla colocou as lições em prática em
projetos-pilotos ao longo de 2013. A prefeita, então, instaurou um Comitê de
parques, sob coordenação da Agência Distrital de Infraestrutura, que incluía
representantes dos departamentos de obras, lazer, trânsito, segurança viária,
iluminação pública e segurança pública.
Aula de dança ao ar livre. Os parques de Barranquilla
sediam eventos públicos, como festivais, aulas de ginástica, campanhas de
vacinação e feiras para promover a saúde pública e fortalecer os laços
comunitários (foto: WRI Ross Center for Sustainable Cities)
A primeira fase de implementação do programa, em 2014, foi
tão bem recebida que a cidade deu continuidade ao programa por mais seis fases
consecutivas que acontecem até hoje. O Todos al Parque, hoje,
inclui diversas parcerias público-privadas que realizam o plantio de árvores (Siembra
Barranquilla), a manutenção da infraestrutura (Puerta de Oro) e projetos
para a iluminação (APBAQ). O governo municipal adotou uma abordagem
participativa para promover a participação popular nas atividades da gestão e,
atualmente, repete a mesma abordagem na elaboração de planos de desenvolvimento
para os bairros.
Colocando as pessoas no centro das políticas públicas
O programa Todos al Parque trouxe
benefícios inquestionáveis para os moradores de Barranquilla. E, em alguns
casos, chegou a transformar por completo a vida das pessoas.
Sete anos atrás, Ricardo Antonio Cueto Gonzalez perdeu o
emprego, a casa e acabou sucumbindo ao uso de drogas. Por dois ou três anos,
ele dormiu nos parques abandonados de Barranquilla. “Eu estava em uma situação
muito séria, porque havia perdido meu emprego e, ao mesmo tempo, era um
sem-teto”, relatou Gonzalez. “Realmente não quero que isso aconteça com outras
pessoas.”
Ricardo Antonio Cueto Gonzalez, guarda do parque (foto:
WRI Ross Center for Sustainable Cities)
Antes da renovação, ele foi testemunha do tráfico e dos
crimes que aconteciam em muitos dos parques. Um dia, a diretora de um abrigo
local o ajudou a mudar sua vida ao apresentá-lo ao coordenador do programa
municipal de parques, Alberto Salah.
“Ela [a diretora do abrigo] me ajudou muito”, diz
Cueto. “Graças a meu bom comportamento, ela me ajudou a me tornar um guarda do
parque. O coordenador, Dr. Alberto, me entrevistou, e consegui o emprego no
parque. Eu não sabia quase nada sobre jardinagem, mas aprendi com o tempo”.
Como guarda, trabalhando em diferentes parques da cidade, Cueto participa da
manutenção diária dos espaços, incluindo rega, cuidados com a vegetação,
remoção do solo, poda e limpeza.
Sempre que possível, o Todos al Parque tenta
melhorar a vida dos moradores de rua, vendedores informais e demais habitantes
da cidade, fomentando entre as pessoas o sentimento de pertencimento e orgulho
dos espaços públicos de sua cidade.
Mais do que um parque
Em 2018, uma universidade local mostrou que 98% dos
moradores de Barranquilla concordavam que a recuperação e construção de parques
aumentou o bem-estar de suas famílias. Mas os benefícios foram além dos ganhos
individuais, melhorando a saúde pública, as finanças da cidade, os empregos, a
resiliência climática e a erosão do solo.
Até hoje, o Todos al Parque já criou quase
1,5 milhão de metros quadrados de área verde. Nos bairros com parques
recuperados, foi registrado um aumento das taxas de conformidade fiscal, com um
efeito positivo na arrecadação da cidade. Também diminuíram as ocorrências de
roubos em um raio de até 100 metros dos espaços renovados. Durante a pandemia
de Covid-19, os parques serviram como mercados improvisados, locais de teste e
vacinação, além de receberem atividades como aulas de ginástica ao ar livre, a
fim de contribuir para a saúde de 39.400 pessoas.
Encontro da comunidade em um parque de Barranquilla para
a iniciativa Asi Vivo Mi Barrio, que usa a abordagem de design participativo
pioneira do programa Todos al Parque para envolver os moradores no planejamento
de seu bairro (foto: WRI Ross Center for Sustainable Cities)
Para além de Barranquilla, o programa inspirou o governador
do Departamento Atlântico a lançar um programa semelhante em 2020. O projeto Parques
para la Gente busca recuperar 311 mil metros quadrados de parques e
espaços públicos em 23 cidades do estado. E, em 2021, prefeitos de oito cidades
latino-americanas – no Brasil, Argentina, Uruguai, Peru e Colômbia – assinaram
a Declaração de Barranquilla, criando uma rede regional de “biodivercidades” para promover investimentos em
infraestruturas e espaços públicos verdes. A iniciativa conta com o apoio da
CAF, o banco de desenvolvimento da América Latina.
Enquanto isso, em Barranquilla, os parques estão criando uma
nova cidade – não apenas para as atuais gerações, mas também para o futuro.
“Para mim, esse parque [Parque los Andes] significa
muito”, afirma Samira Perez. “Gosto muito dos espaços infantis, da natureza e
das áreas verdes, que não tínhamos antes. É algo que vai estar aqui no futuro,
para meus filhos e netos. Esse parque mudou minha vida. Me deu um senso de
pertencimento, para mim e para a comunidade.”
A edição 2021-2022 do WRI Ross Prize for Cities reconheceu
projetos e iniciativas que mostram como viver e prosperar em tempos
difíceis.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.
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