sexta-feira, 2 de março de 2012

Brasília receberá mais uma visita da Unesco para verificar tombamento

Max Milliano Melo
“Brasília é o patrimônio em situação mais difícil, o que mais nos preocupa.” O alerta vem de Rosina Parchen, presidente no Brasil do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), que assessora a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) a monitorar os Patrimônios Culturais da Humanidade.

Para a entidade, o estado de conservação da capital brasileira, que nos anos 1980 fez história ao ser o primeiro monumento moderno a receber a chancela, alcança um nível crítico, colecionando agressões como puxadinhos, alterações na destinação de áreas e desvios no projeto da cidade. A situação motivou uma série de denúncias de violação do tombamento e, por isso, Brasília receberá, mais uma vez, a visita de uma comitiva de especialistas internacionais que pode resultar na inclusão de Brasília na Lista dos Patrimônios em Risco, grupo dos lugares que podem perder o reconhecimento, já em julho.

Essa é a segunda vez que o Comitê Mundial do Patrimônio (WHC) — conselho que monitora, avalia e aprova a inclusão e a exclusão de patrimônios mundiais — recomenda uma visita técnica à cidade. A primeira ocorreu em 2001, motivada por outras denúncias, e não levou à inclusão de Brasília na lista de patrimônios ameaçados. Ne-nhuma outra cidade brasileira gerou tal preocupação. Ouro Preto também foi visitada, em 2003, mas em uma missão mais simples, que não precisava da aprovação dos membros do comitê internacional.

A Unesco e o Instituto do Patrimônio Histórico e Natural (Iphan) acertam quando deve ocorrer a vistoria, sendo a data mais provável a primeira semana de fevereiro. Um especialista do WHC e um membro do Icomos farão uma série de reuniões com autoridades locais e visitarão pontos da cidade. Caberá a eles elaborar um relatório a ser apresentado na reunião anual do comitê, em julho, quando o destino do tombamento de Brasília será definido.

Na lista a ser verificada, estão velhos problemas, como os puxadinhos das entrequadras da Asa Sul, e projetos novos, como a expansão do Setor Hoteleiro Norte na 901 Norte, uma das iniciativas relacionadas à Copa do Mundo de 2014 (veja quadro). “(O WHC) encoraja o Estado Parte (Brasil) a continuar com a implementação do processo de regularização da área do comércio local sul, bem com um plano de revitalização para a Vila Planalto e o controle e aplicação dos regulamentos ao longo do Lago Paranoá”, afirma o documento aprovado pela Unesco para justificar a visita.

O diretor de Projetos do Icomos Brasil, Henrique Osvaldo, explica que, no caso da orla do Paranoá, o problema é a construção de moradias na área. “Inicialmente, só haveria clubes e parques na região, e posteriormente foi autorizada a construção de hotéis. No entanto, hoje, há presença de flats. A ocupação com essas moradias permanentes torna o setor uma nova área residencial, o que fere o patrimônio”, diz. Segundo ele, o tombamento do Plano Piloto tem um conceito de desenvolvimento constante e permanente. “Trata-se da preservação de uma proposta urbanística, da construção da cidade, que, infelizmente, não vem sendo respeitada.”

Oportunidade
Para o assessor internacional do Iphan Marcelo Brito, o tombamento da cidade tem uma singularidade especial e, por isso, em sua opinião, a situação não é tão grave. “Não é um determinado edifício de uma determinada quadra, se ele está pintado de verde ou de azul ou de amarelo, que importa para o patrimônio mundial”, argumenta. Segundo Brito, o patrimônio de Brasília está associado aos planos da cidade, que distingue as regiões urbana, gregária, monumental e bucólica, que teria atualmente modificações “localizadas” e “pontuais”. “As pessoas precisam entender que o que está aqui reconhecido e valorizado, o que está definido como patrimônio, são as escalas urbanas”, completa.

Assim, ele se mantém otimista quanto ao resultado da missão que visitará a cidade nas próximas semanas. “O que ocorrerá é um monitoramento que acontece de forma sistemática, quando são apresentados alguns questionamentos ou denúncias sobre determinada região. É um dispositivo muito mais técnico do que administrativo”, minimiza.

Para o secretário de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal (Sedhab), Geraldo Magela, a visita da Unesco é uma oportunidade para a capital se capacitar para gerir o patrimônio criado por Lucio Costa, Oscar Niemeyer e milhares de candangos. “Vamos ouvir o que a Unesco tem a nos dizer e certamente servirá de orientações para a gestão do patrimônio de Brasília, justamente por se tratar de um governo novo, que acredita na proteção do Patrimônio Mundial”, afirma.

Segundo Magela, a grande solução dos problemas apontados será o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (Ppcub), um projeto em elaboração pela Sedhab que vai estabelecer as áreas que precisam de atenção especial e como elas serão geridas. “O Ppcub incluirá certamente a região de amortecimento para a área tombada, uma das demandas da Unesco”, antecipa o secretário. “Entendemos que, mesmo fora da região de patrimônio, o Guará, as áreas de margem do Paranoá e os lagos Sul e Norte têm influência sobre o urbanismo de Brasília”, completa.

Ele acredita na solução dos demais problemas apontados por organismos internacionais. “Infelizmente a Vila Planalto já está descaracterizada, mas podemos trabalhar para impedir o avanço dessa descaracterização”, diz. “Quanto à 901 Norte, temos certeza de que conseguiremos chegar a um entendimento sobre a destinação de uma área nobre, no centro da cidade, que não pode ficar vazia, mas seja coerente com o patrimônio brasiliense.”

Na visão da Unesco, esse tipo de visita tem uma função primordial na preservação dos patrimônios. “O monitoramento é fundamental. Sem esse tipo de ação, o reconhecimento internacional do patrimônio se resumiria a apenas uma honraria sem nenhuma consequência”, afirma Jurema Machado, coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil. “Já estava mais do que na hora de Brasília receber essa missão, não apenas para fiscalizar, mas para ajudar a melhorar a coordenação dos órgãos de proteção no Brasil, no caso o GDF e o Iphan, além de estabelecer questões mais imediatas, como metas e prazos de ação”, completa.
Publicação: 04/01/2012 08:10 Atualização:

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