Novembro histórico ( Correio Braziliense- Blog da Conceição-14 de novembro de 2013)
Não foi preciso um junho de rebeldia para que os defensores dos fundamentos urbanísticos do Plano Piloto pudessem comemorar uma primeira e pequena vantagem sobre o governo do Distrito Federal e a Câmara Legislativa. O suposto Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) desceu do ringue e, especula-se, talvez só volte ao embate depois das eleições de 2014. Longe, porém, de considerar o adiamento uma vitória. O Plano Piloto é a joia da coroa e os convivas estão todos mirando nela, e, sempre que há uma chance, tirando fios de ouro da ourivesaria.
A ação do Ministério Público, os protestos de arquitetos e urbanistas, a militância incessante de Maria Elisa Costa, o megafone dos senadores Cristovam Buarque e Rodrigo Rollemberg, tudo somado, acabou resultando num novembro (e outubro e setembro e agosto…) de moderna rebeldia. Momentos como esse renovam o sentido de pertencimento entre aqueles que, com variações de conceito e de intensidade, defendem o maior dentre todos os sítios da arquitetura e do urbanístico moderno.
O estancamento temporário da ameaça à partitura de doutor Lucio trouxe à lembrança o inesperado movimento brasiliense contra a construção da Praça da Soberania, uma das últimas tentativas de Oscar Niemeyer de desmerecer sua própria história e de interromper o remanso que conduz o brasiliense e o visitante a se apropriar, numa só miragem, de toda a monumentalidade que vai da Plataforma Rodoviária ao Congresso Nacional.
O sentido simbólico de Brasília que se alojou no peito da juventude ativista brasiliense ainda vai nos surpreender — anotem aí. Aquele orgulho afetivo que se teve pela capital tanto quanto pela Bossa Nova, pelo cinema novo, pelo desenvolvimento, pela vitória na Copa nos anos 50, está redivivo. E a morte de Niemeyer ajudou na floração desse sentimento. Ao reconstituir a vida do arquiteto, o brasileiro reencontrou a nova capital. Brasília tem inspirado o cinema, as artes plásticas, a fotografia, a literatura, a pesquisa histórica e arquitetônica.
Mas a cidade ainda é uma estranha arqueologia arquitetônica que se confunde, injustamente, com os destinos da política brasileira mais recente. O brasileiro médio se orgulha de Oscar Niemeyer, e nem mesmo sabe quem é Lucio Costa. Não muito mais que isso.
Encerro esta crônica algo alegre com uma declaração de Glauber Rocha sobre Brasília (retirada de A cidade teatralizada , de Celso Araújo):
"Brasília foi a revolução cultural do Brasil. Com sua construção, o Brasil pode se livrar do seu complexo diante do colonialismo. O despertar político e a consciência do subdesenvolvimento datam da construção de Brasília. Isso é bastante contraditório, porque Brasília era uma espécie de Eldorado, a possibilidade que os brasileiros tinham de criar eles mesmos alguma coisa. Se falo assim, é porque também o cinema brasileiro nasceu com Brasília, num momento em que ninguém acreditava. A moderna universidade, as ciências políticas, tudo isso apareceu com Brasília. Brasília é o lugar mais importante do Brasil, depois do Antonio's, meu bar preferido no Rio".
Um comentário:
Excelente iniciativa, Magda Helena!
Deixou o recado de forma bem clara. É isso mesmo!! Não permita que transformem Brasília/Park Way ou qualquer outra região de acordo com os interesses exclusivos das corporações imobiliárias e dos políticos ligados a elas.
Temos que preservar, desenvolver, crescer, mas de forma sustentável e não apenas sair construindo e levantando empreendimentos de qualquer forma e falar que isso é "desenvolvimento".
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