sábado, 26 de julho de 2014

Professora perde família inteira em tragédia, sobrevive e vira inspiração

A caminho das férias, a professora perdeu na BR-020 quatro filhos e o marido. Com marcas de queimadura, ela resiste à dor. Dá palestras e busca ajuda para editar o livro Pérolas no asfalto, em que relata o drama e a superação



Publicação: 25/07/2014 06:02Correio Braziliense


Depois de três anos e meio do desastre que mudou sua vida, a professora Vânia conta sua experiência em hospitais, igrejas e centros espíritas   (Ed Alves/CB/D.A Press)
Depois de três anos e meio do desastre que mudou sua vida, a professora Vânia conta sua experiência em hospitais, igrejas e centros espíritas


Tirar da maior dor do mundo uma lição de vida. Assim pode ser resumida a história de Vânia Borges de Carvalho, 46 anos. Em dezembro de 2010, animada com as festas de fim de ano, a professora e a família viajavam rumo às merecidas férias em Fortaleza (CE) quando a história deles mudou para sempre. Em um trágico acidente na BR-020, menos de quatro horas depois de deixar a casa no Guará, Vânia perdeu tudo. Três dos quatro filhos, Anna Beatriz, 12 anos, Júlia, 5, e Pedro, 9, e o marido, Jarismar, 43, não resistiram ao impacto da batida e às chamas que tomaram o carro. O único levado ao hospital, Rayran,16 anos, morreu 15 dias depois.

Com 70% do corpo queimado, Vânia lutou por mais de 87 dias para sobreviver. E sobreviveu. Não apenas curou as feridas que tomaram o seu corpo, como encontrou forças para mostrar que é possível seguir. “Tudo o que eu pedi a Deus, ele me deu. Um marido maravilhoso, filhos lindos e saudáveis. Como eu poderia me revoltar na hora em que Ele me pediu para devolvê-los?”, questiona.

A prova mais concreta dessa superação tem nome: Pérolas no asfalto. Esse é o título do livro em que Vânia narra o “holocausto” pelo qual passou e, o mais importante, conta como conseguiu ultrapassar desafios capazes de derrubar qualquer ser humano. “Enquanto estive internada, soube que os médicos ligaram algumas vezes para os meus pais e falaram: ‘A Vânia não passa de hoje. Venham se despedir’. Mas passavam os dias, e eu mostrava que estava ali pronta para viver”, detalha. O livro começou a ser escrito em 2012. Apesar de ser destra, ela precisou aprender a usar a mão esquerda, já que perdeu parte dos movimentos no membro direito.

A ideia do título da história surgiu ainda na ambulância, quando ela e o filho mais velho, Rayran, então com 16 anos, recebiam os primeiros socorros. Ao ouvir o barulho de uma forte explosão, ela teve a certeza de que Anna Beatriz e a pequena Júlia haviam morrido. “Disse a ele que as nossas meninas não tinham resistido, mas acreditava que o meu marido e o Pedrinho iriam sobreviver. Falei que as nossas pérolas estavam no asfalto”, lembra.

Pedro e Jarismar Moreira de Carvalho, Jarinho, como era carinhosamente conhecido o companheiro de 19 anos de vida, chegaram a ser retirados com vida da Zafira da família. O garoto, no entanto, morreu ao dar entrada no Hospital de Base de Brasília. Com uma forte hemorragia interna, Jarinho também não resistiu. Rayran ficou internado no Hospital Regional da Asa Norte, o mesmo onde Vânia viveu dias de terror até conseguir curar as feridas que tomaram o corpo. Perdeu parte do braço direito, da barriga, das pernas e dos seios. Teve convulsões, precisou de anestesia geral para aguentar os banhos com esponjas de aço que preveniam as infecções.

Depois de 15 dias, o filho mais velho morreu em decorrência de queimaduras e traumatismo craniano. “Naquele dia, eu senti que ele havia partido. Tive falta de ar, as dores ficaram mais fortes.” Ninguém, porém, tinha coragem de contar o desfecho da trágica viagem. “Sempre que eu perguntava sobre eles, as pessoas me diziam que todos estavam em estado muito grave, mas que lutavam para sobreviver”, conta. As respostas lacônicas de enfermeiros, parentes e amigos foram, aos poucos, dando pistas da tragédia. Vânia soube depois que, em muitos desses episódios, enfermeiras, amigos e parentes tratavam de sair logo do quarto para chorar. Os médicos temiam que, com a saúde totalmente comprometida, ela não resistisse ao impacto da notícia.

A verdade só seria revelada na volta para casa. “A minha mãe preparou um chá e me contou tudo. Não senti revolta. Soube naquele momento que, se Deus tinha me salvado, devia ter algum propósito para mim.” Ao longo do doloroso tratamento — que continua até hoje —, Vânia amadureceu a ideia de registrar a história em livro. “Nada acontece ao acaso. Acho que a minha missão é mostrar às pessoas que é possível continuar vivendo. Tudo que eu superei foi graças a uma forca interior, de Deus mesmo, porque é humanamente impossível resistir a tudo isso”, resume.

Com o livro pronto, Vânia enfrenta agora um novo desafio: conseguir publicá-lo. Mas isso não é capaz de desanimá-la. Incentivada por amigos, a professora decidiu lançar uma campanha virtual para levantar fundos. Até a tarde de ontem, havia atingido 31% da meta, que é R$ 7 mil. Agora, conta com a solidariedade de amigos e desconhecidos para levar Pérolas no asfalto ao maior número de pessoas que conseguir.

Motivação
Quando voltou a trabalhar, no ano passado, Vânia passou também a dar palestras sobre superação e compartilhar a experiência. Já foi a escolas, hospitais, igrejas, centros espíritas. A religião, aliás, é a fortaleza da professora, que dá aulas no Centro de Ensino Fundamental nº 5, no Guará 2. Espírita, ela diz ter certeza de que a fé a salvou e é responsável por mantê-la firme. “Depois das palestras, muitas pessoas conversam comigo e dizem que sou uma inspiração. Mães que perderam filhos conseguem ver que existe esperança. Eu vejo que Deus me deixou aqui para isso.”
Pedrinho, Júlia e Anna Beatriz, filhos de Vãnia, e o marido, Jarismar, morreram no dia do acidente, na véspera do Natal de 2010. Rayran, o primogênito, resistiu 15 dias no hospital (Bruno Peres/CB/DA Press)
Pedrinho, Júlia e Anna Beatriz, filhos de Vãnia, e o marido, Jarismar, morreram no dia do acidente, na véspera do Natal de 2010. Rayran, o primogênito, resistiu 15 dias no hospital     
 
Trechos do livro
Pérolas no asfalto, de Vânia Borges de Carvalho

“Filhos amados, mamãe tem feito um esforço incalculável para lembrá-los sem prantos de choro, mas é humanamente impossível...choro, choro muito a ausência de suas presenças. Em meu travesseiro encharco de lágrimas sofridas e no mesmo instante sinto o amparo do Altíssimo e a calmaria toma conta do meu ser, como a bonança trazendo brisas, após um longo vendaval.”

“Eles partiram para uma viagem nada programada em dias, meses, anos anteriores... Viagem a qual todos nós faremos, mas que, na maioria das vezes somos pegos de surpresa, sem avisos prévios...será?! Saibamos nos silenciar, amiúde, para ouvirmos a voz do Pai a nos perguntar: Filho, está preparado? E prontamente, se exercitarmos as suas lições, Lhe responderemos que sim; carregando em nossa bagagem somente as preciosidades da alma. Tenha cautela e vasculhe na sua consciência se as Leis de Deus foram bem empregadas enquanto esteve na universidade da vida, essas sim terão enorme peso, enquanto encarnados, e quando retornarmos vitoriosos à casa do Pai!”

“Lembro-me que em determinado momento do percurso, meu esposo abriu praticamente todo o vidro do seu lado, visto que o ar condicionado estava desligado...e mais uma vez a Espiritualidade já preparava todo o cenário daquela manhã que imaginávamos ser inesquecível, tornando-se, mais à frente, fatídica e inimaginável. A morte não é uma fatalidade, nem tão pouco uma casualidade, se apresenta no momento e na hora que aprouver ao Pai chamar os seus filhos para o retorno à pátria espiritual, e assim se fez: ali, naquele momento, já estava nos planos divinos virar-me e falar ao meu esposo que ele retornasse: naquele retorno deixamos os nossos sonhos, a nossa história inesquecível embalada por lindos rebentos que fortaleceram com alegria a família abençoada que o criador nos presenteou...Uma pancada violenta abateu de uma vez os entes mais amados de toda a minha vida.”

“Foram dias inumeráveis de retornos ao ambulatório para os curativos que se faziam necessários. Submeti-me a cirurgias reparadoras, ao uso de malhas extremamente apertadas, no intuito de prevenir o surgimento de queloides, fisioterapias para reaprender a andar; lembrando que, ao receber alta, eu fiz uso da cadeira de rodas — as idas ao hospital eram sacrificantes ao meu irmão Kim e vizinhos que precisavam reunir força braçal para descer 47 degraus comigo. Quanto receio senti de cair do terceiro andar e rolar escadas abaixo. Meu Deus! E hoje, superados tantos medos, me vejo e me surpreendo com atitudes que outrora não me via tomando. É verdade...a vida nos apresenta tantas oportunidades e habilidades, que muitas vezes nos achamos incapazes de desenvolver e, quando menos esperamos, os talentos divinos nos são oferecidos gratuitamente e urge o tempo que precisamos fazer uso e os desenvolvermos com destreza e satisfação próprias.”




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