domingo, 21 de junho de 2015

Meu guru--Ítalo Pasini



MEU GURU



Ítalo Pasini



            Tenho um guru. Quais de vocês, prezados leitores, têm um guru? Não adianta procurar no dicionário. Não encontrarão, porque não é palavra de nosso idioma. Vem lá da Índia. Caracteriza uma espécie de líder espiritual, pessoa exemplar, na qual podemos nos espelhar. Confesso que não sei toda a abrangência do significado. Somente líder espiritual satisfaz meu propósito. 



            Na Catedral de Ipameri é um local onde podemos encontrá-lo, bem à frente, na segunda fileira de bancos, do lado esquerdo, aos sábados, durante a missa, sempre acompanhado de sua esposa. Tem sido assim, nos últimos sessenta ou mais anos.



            Aproveitando que me foi concedido escrever uma coluna neste jornal, quero prestar-lhe uma homenagem. Procurei sempre espelhar-me nessa pessoa maravilhosa. Seu exemplo de vida (religiosidade, dedicação à família, sentimento de companheirismo e dedicação ao trabalho) foi marcante em minha formação. Hoje, tenho 75 anos de idade e continuo a observá-lo. Foi meu mestre, agora é meu “guru”.



            Voltando à Catedral de Ipameri, aos sábados. Faltam quinze minutos para dezenove horas. Sozinho ou com minha esposa, sento-me no lugar costumeiro.  Cinco para dezenove, adentra a esposa dele; será que ele não vem? Estará doente? Meu coração agita-se levemente. Sem ele, algo estará errado. Mas, logo em seguida ele aparece, vagarosamente, com um semblante alegre, cumprimenta as pessoas com um meneio de cabeça quase imperceptível.  Senta-se. Agora está tudo bem.           


            Considero uma graça Divina o fato de que ele foi meu professor e diretor durante todo o curso ginasial. Fase maravilhosa e inesquecível de minha vida, aquele período em que estudei no então Ginásio Estadual de Ipameri (GEI), dirigido por ele. Não sei se pela idade, pelo ambiente, ou ambos.  O certo é que outros cursos que fiz não foram tão marcantes. Confesso que o prédio imponente do GEI, hoje Colégio Estadual Professor Eduardo Mancini (CEPEM), e a presença em Ipameri de alguns antigos professores e colegas, influenciaram-me quando escolhi a cidade de Ipameri para viver, até há algum tempo, na condição de aposentado.

            

               Considero-o “meu guru” por uma soma de vários fatores. Não é somente por ter sido seu aluno, mas porque, como ele, também sou professor. Sempre que o vejo, lembro-me do provérbio latino, de um daqueles filósofos antigos: “Sic vos, non vobis, melificatis, apis”. 
 

               Em toda sua essência, essa frase refere-se não somente ao professor, mas também a todo cidadão trabalhador, honesto e principalmente desprendido, que presta serviços à comunidade, sem almejar necessariamente uma recompensa pecuniária. Contenta-se com a satisfação do dever cumprido. Este provérbio que, vertido, significa “Assim vós, mas não para vós, fazeis o mel, ó abelhas”, caracteriza o professor em todas suas nuanças. 
 

                 Ele transmite os ensinamentos, mas estes não revertem em seu favor. Não há um “feed back” imediato. Este pode acontecer muitos anos depois. Por exemplo, um ex-aluno que se elege a um alto cargo; destaca-se nacional ou internacionalmente como escritor, cientista, desportista, um jurista famoso, um médico de renome etc. Assim, o professor recebe sua recompensa. No caso de meu “guru”, posso citar um “feed back” recebido por ele. Um seu ex-aluno, retornando da capital federal, implantou, a duras penas, a primeira Faculdade (Agronomia) em Ipameri (Ramón Henrique Edreira Neves).

             


                 Divaguei, num parágrafo enorme, para delinear o professor. Volto ao assunto propriamente dito, que é “meu guru”. Meus contemporâneos, que leem essa coluna, já sabem de quem se trata, porém vou citar seu nome apenas mais adiante.

                     

                    Como disse anteriormente, ele era o diretor do GEI, professor de Língua Portuguesa, e uma disciplina chamada Civilidade. Quando necessário, dava aulas de francês, latim ou outra disciplina, se o professor titular estava impedido. Do seminário católico, trouxe a maior parte de sua formação. Afinal, foi seminarista no Brasil e na Holanda, trazendo, em sua bagagem cultural, ingredientes valorosos como a religiosidade e principalmente o sentido de autoridade, que no seminário, como numa caserna, são transmitidos, enfaticamente, para uso em todas as situações da vida (família, trabalho, lazer, estudos, etc.).

            


                    Dirigia o Ginásio com serenidade, mas com firmeza. Sem elevar o tom de voz, impunha-se sobre professores e alunos. De vez em quando, seu rosto aparecia na janela, observando a atuação do professor. Durante suas aulas, ficávamos embevecidos. Com didática e psicologia educacional avançadas, para a época, sabia conduzir e dosar sua disciplina de modo que o aluno sentisse prazer, na sala de aula. No tocante à Língua Portuguesa, que ele era o titular, influenciou-me de tal forma que sempre desejei fazer o curso de Letras, não propriamente para ser professor, mas sim para adentrar-me no universo dos livros, à literatura propriamente dita. 



                      Interessantes eram as aulas de Civilidade. Ali, ele transmitia conhecimentos usuais para o cotidiano, tais como: comportamento à mesa (uso de talheres, postura, etc.); sentimento de urbanidade e companheirismo; as vantagens de ser educado e honesto. Lembro-me bem que ele nos dizia: “Jamais façam algo que não desejaria que lhes fizessem”. Muito mais tarde, soube que ele resumia para nós, a fala de Jesus Cristo no Sermão da Montanha: “Tudo quanto quereis que os homens vos façam, fazei-lhos também vós”.



                 Ocorria, à época, uma eleição acirrada para prefeito da cidade. Zuzu falava sobre o valor do voto. Da necessidade de se analisar o candidato; que essa capacidade de julgamento só poderia ser adquirida através da educação; e que a educação estava na escola e na família; que sem possuir um senso crítico, o eleitor sujeitar-se-ia a ter uma pessoa incompetente e/ou desonesta dirigindo os destinos dos cidadãos, prejudicando-os seriamente e à cidade. Não éramos eleitores, porque a idade não permitia, mas vivenciamos intensamente aquela eleição. Foi um aprendizado importante. Hoje sei que ele tentava fazer-nos compreender que uma democracia depende de pessoas capazes de pensar por si próprias. Onde buscar essa capacidade? Lendo muito. Envidei esforços para pautar minha vida naqueles ensinamentos.



                 Ainda sobre este assunto, ano de 2005, por ocasião das eleições para prefeito, eis que recebo, via postal, um envelope contendo cópia de um artigo de jornal, escrito pelo arcebispo de Goiânia, versando sobre o voto consciente. Não é que meu guru, apenas cinquenta anos depois, continua ensinando seu ex-aluno?


                    Também nos esportes, Zuzu era exemplar. Na minha visão de aluno e fã, no futebol ele era um craque. Disciplinado, mas de canela dura, especializou-se em marcar gol de mão. O juiz pensava que era de cabeça, apitava e mandava a bola para o meio do campo, completamente insensível aos queixumes dos adversários. Ríamos “a bandeiras despregadas”. No basquete, era melhor ainda, chegando a integrar, salvo engano, a seleção da cidade, que se destacou nacionalmente.



                  Este é meu guru. José Bernardino da Costa, carinhosamente apelidado de ZUZU. Aqui está ele, em nosso convívio, graças a Deus. Já nos noventa e um anos, tem os cabelos ainda escuros (não sei se pintados), não tem barriga grande, continua lúcido, educado e sereno. Confesso que sinto um prazer imenso, me locupleto, quando, ao encontrá-lo, dedica-me alguns minutos de sua atenção, para uma conversa informal 



                         Para agradecer publicamente ao Zuzu, na oportunidade que essa coluna me oferece, quero fazê-lo citando os nomes de meus colegas, que juntos terminamos o curso ginasial, em 1957. Considerando que naquele tempo a formação universitária era alcançada quase somente pelos jovens de família abastada, ao fazer uma análise, verifica-se que os 14 ex-alunos do Zuzu, da turma supramencionada, tiveram êxito considerável em seus estudos e vidas. 


                      Célio de Oliveira (advogado); Edir de O. Negry (engenheiro); Gilberto Porto (bancário); Ítalo Pasini (professor); José Peixoto Vaz (fazendeiro); Julieta de Souza (diplomata); Júlio Fausto de Faria (funcionário público); Lindolfo Roberly Aquino Moura (empresário); Maria Aparecida Silva (dona de casa, mãe exemplar); Manoel Maria Teixeira (médico); Marilene de Andrade (dona de casa, mãe exemplar); Ramon Henrique Edreira Neves (arquiteto, professor); Ubiratan Cury (oficial do Exército); Wdson Mesquita Vaz (agrônomo).



            Muito obrigado, Zuzu! Você é verdadeiramente um exemplo de vida.



(Ítalo Pasini – Licenciatura Plena em Letras, pela Universidade de ITUIUTABA - MG.)

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