A arquiteta Maria Elisa Costa, filha do inventor de Brasília, sugere uma comissão deliberativa para cuidar do Plano Piloto
postado em 20/06/2015 09:13
/ atualizado em 20/06/2015 15:31
Ana Dubeux
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Dad Squarisi
/Correio Braziliense
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Cristine Gentil
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Conceição Freitas
Ativista número 1 das boas causas de Brasília (um bem da humanidade), a arquiteta Maria Elisa Costa entrou na rede faz algum tempo. Posta protestos, denúncias, espantos e raridades que segue descobrindo nas preciosidades que o pai deixou espalhadas pelo apartamento onde morou por 50 anos e que a filha segue catalogando e transferindo para a Casa de Lucio Costa. Mas Maria Elisa bem podia estar numa situação desconfortável: o governador da cidade que tanto defende é seu sobrinho. Ela foi casada com o irmão da mãe de Rollemberg. O casamento acabou, o ex-marido morreu, mas a relação afetiva se fortaleceu ao longo das últimas três décadas.
Nesta entrevista ao Correio, Maria Elisa sugere ao governador que crie uma comissão de alto nível, autônoma e deliberativa, para fazer frente à pressão dos que querem lotear o Plano Piloto. “Todo mundo é guloso, todo mundo quer meter a mão em Brasília.” Critica o sobrinho: “O fato de Rodrigo querer agradar a Deus e o mundo é fruto da geração pós-ditadura”. Lamenta que a autonomia política de Brasília tenha acabado com os prefeitos indicados. E diz que “o crachá de Lucio Costa” lhe dá o direito de falar o que bem entende.
Antes da entrevista, a filha do inventor havia almoçado com o representante das construtoras, o presidente do Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal), Luiz Carlos Botelho Ferreira, numa grande mesa que incluiu três aguerridos defensores da cidade, os arquitetos Carlos Magalhães e Fernando Andrade, e o jornalista Silvestre Gorgulho. Depois do bate-papo no Correio, Maria Elisa foi à Câmara Legislativa participar da sessão que entregou o título de cidadão honorário post-mortem ao fotógrafo Mário Fontenelle.(Além das jornalistas do Correio, participou da entrevista o jornalista convidado Silvestre Gorgulho)
O direito de falar o que bem entende
“Vou contar uma tragédia… Foi a maior lição que tive quando passei pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Eu, filha do Lucio, na presidência do Iphan. O Park Hotel, um hotelzinho lindo que meu pai projetou em Nova Friburgo, que é síntese dele, estava cheio de goteiras. Tinha de arranjar um jeito de bancar o conserto. Havia uma verba de R$ 80 mil. Levei um mês convencendo meus súditos (risos) para dar esse dinheiro para o conserto do ParkHotel porque estava chovendo dentro. Não podia, porque era propriedade particular. É particular, mas a chuva está caindo…
Tanto insisti que concordaram. Fiquei na maior felicidade. Achei que estava resolvido o problema. Mas fui burra. Quem trabalha em serviço público tem que ter know-how. Serviço público não é pra amador, é pra profissional. Passaram-se seis meses para o dinheiro chegar ao destino. Nesses seis meses, a chuva foi de tal ordem que o hotel teve de ser fechado e nunca mais abriu. Isso com a filha do doutor Lucio na presidência do Iphan! O que é terrível é que a solução era a mais simples do mundo. Eu tinha de ter chegado pra minha chefe de gabinete e dito: Dia sim, dia não, telefona pra ver se o dinheiro chegou.
Sem isso, as coisas não andam. Tem que ter alguém que cobre o tempo inteiro. Por isso que tomei horror de reunião. A reunião acaba em si mesma, o produto final da reunião é ela mesma.
Nunca mais quero saber de cargo coisíssima nenhuma. Continuarei autônoma a vida inteira. E falando o que bem entendo. O que me permite estar aqui falando essas coisas é que sou uma aposentada autônoma. É um direito e uma mania. Essa liberdade de falar o que penso não seria igual se eu estivesse presa a um emprego público. E esse crachá de Lucio Costa também me dá o direito de falar o que bem entendo."
DAD SQUARISI — O governo fez bem em retirar o PPCuB da discussão na Câmara Legislativa?
MARIA ELISA COSTA — Aquele velho, feito em Cingapura, aquele catatau? Aquilo tinha que jogar fora. Não analisei tim-tim por tim-tim porque me recusei a levar a sério um plano daquele tamanho. Foi feito para ser burlado. É muito mais fácil burlar um plano prolixo do que um plano enxuto.
Foi uma perda de tempo, um erro. Tinha de ser deletado para se fazer uma coisa mais sensata, mais saudável. O governo mudou. Pela primeira vez Brasília tem um governo de pessoas de Brasília. Começar uma coisa decente, benfeita.
DAD SQUARISI — O que a senhora considera benfeito, decente? Quais são os pontos principais?
MARIA ELISA — Quem trabalha com essas coisas tem que ter umas tantas convicções. Não tem regra. Você tem que ter o mínimo de discernimento para saber o que importa, o que não importa. Administrar Brasília é muito difícil. São duas situações adjacentes e opostas. De um lado, há uma cidade com quase 3 milhões de habitantes e um centro histórico que tem que ser preservado.
São coisas opostas e indissociáveis ao mesmo tempo. Ter consciência disso é o primeiro capítulo. É preciso evitar que, daqui a muito menos tempo do que a gente imagina, a parte original de Brasília seja reduzida a um aviãozinho cercado de torres por todos os lados, uma jaulinha com um aviãozinho lá dentro, que é uma coisa terrível e que, se você bobear…. Está no momento limite para se impedir que isso aconteça.
DAD SQUARISI — Como se faria isso?
MARIA ELISA — A Bacia do Paranoá é o território original de Brasília. O divisor de águas delimitaria o centro histórico da capital do Brasil. Todo mundo é guloso, todo mundo quer meter a mão em Brasília.
Não sei juridicamente como se faria, mas seria uma espécie de comissão técnica de alto nível que fosse permanente, e que tivesse poder de veto. Quer fazer 501? Negativo, meu amor. 901? Mas nem vem!
Com isso você já sinalizava para a especulação: Inventa outro esquema, a área preservada de Brasília pertence ao Brasil. As pessoas não têm a menor ideia do que seja o tombamento de Brasília porque ele é atípico.
Até o tombamento de Brasília, o tombamento era sempre de objetos construídos e quando o Zé Aparecido (José Aparecido de Oliveira, governador do Distrito Federal entre 1985 e 1988) resolveu tombar Brasília, queria tombar a cidade que ia acontecer.
O arquiteto Italo Campofiorito teve a brilhante ideia de tombar o conceito da cidade através das escalas urbanas que meu pai usou para a fazer o projeto — a escala monumental, a residencial, a gregária e a bucólica.
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