Peixes em reservatório no Paraná apresentam contaminação por metais pesados e agrotóxicos já banidos no país
O Reservatório de Alagados é uma barragem artificial com 15 quilômetros de extensão que abastece água para os municípios paranaenses de Ponta Grossa, Castro e Carambeí que, juntos, somam 450 mil habitantes. Um estudo desenvolvido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) analisou lambaris (A. altiparanae) coletados no reservatório. O peixe é muito apreciado e consumido por pescadores que frequentam a área e também indica a qualidade ambiental da água. Amostras de carne, órgãos e ovas da espécie indicaram sua contaminação pelos pesticidas Aldrin, Dieldrin, Endosulfan e DDT.
De acordo com Sandro Xavier de Campos, coordenador do Grupo de Pesquisa em Química Analítica Ambiental e Sanitária da UEPG, as atividades agropecuárias podem ser a principal fonte da contaminação, por cercarem e estarem muito próximas do reservatório.
As análises apontam que alguns princípios ativos, como Aldrin e Dieldrin, estão acima do limite estipulado por organismos internacionais, demonstrando que essas concentrações podem gerar efeitos maléficos à saúde para aqueles que consomem o lambari.
“A população precisa ser alertada para não comer esses peixes pois, a longo prazo, pode ocasionar um grande risco à saúde com a bioacumulação. Se esses peixes forem consumidos com frequência, esses metais vão se acumulando no organismo, porque a pessoa não consegue eliminá-los. Há resultados mostrando que o efeito toxicológico é muito grande”, enfatiza Campos.
Ainda segundo o especialista, na questão dos agrotóxicos, os resultados são bastantes preocupantes ainda. Foram detectadas substâncias já proibidas há cerca de 30 anos no Brasil e no mundo. O mais famoso é o DDT, um composto desenvolvido na Segunda Guerra Mundial e que possui um potencial extremamente tóxico para a fauna, a flora e também para a saúde humana. “Eu não consumiria e deixaria um alerta para a população que esses peixes não estão aptos para consumo, apenas para pesca esportiva”, ressalta.
O DDT foi o primeiro pesticida usado em larga escala no combate a mosquitos transmissores da malária e dengue. Também foi aplicado em soldados para matar piolhos. Até que, em 1962, a cientista e ecologista americana Rachel Carson publicou um estudo relatando os estragos causados pelo veneno.
No livro Primavera Silenciosa, Carson relaciona o DDT com a incidência de câncer e descreve como os inseticidas alteravam os processos celulares das plantas, animais e seres humanos gerando uma série de proibições do produto pelo mundo. No Brasil, o uso do DDT em lavouras foi proibido em 1985 pelo Ministério da Agricultura.
Já o Endosulfan, inseticida para pragas agrícolas, foi vedado em 2013 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por causar problemas reprodutivos e endócrinos e afetar diversos outros insetos benéficos. Ambos são extremamente tóxicos e persistem por muito tempo no organismo e no meio ambiente.
450 mil pessoas recebem a água do Reservatório de Alagados
Contaminação com metais pesados em carpas e carás
Em outro estudo desenvolvido pelo grupo de pesquisa, na mesma represa, foi identificada a contaminação por metais pesados como chumbo, cádmio, zinco e alumínio em dois tipos diferentes de peixes, no cará (Geophagus brasiliensis) e na carpa (Cyprinus carpio), uma espécie que pode ser usada como bioindicador de qualidade ambiental, por ser bastante resistente à poluição e ao aumento de temperatura.
Metais ocorrem na natureza e nem todos são prejudiciais à saúde, mas as atividades humanas têm contribuído para aumento do nível de suas concentrações em muitos dos ecossistemas aquáticos. Os metais não se degradam com o tempo e podem se acumular, causando sérias intoxicações. Os fertilizantes usados na agricultura são uma das fontes dos metais pesados. O excesso no uso pode levar esses produtos para dentro do reservatório, principalmente após as chuvas.
A acumulação no organismo é feita, em geral, pela alimentação, o que inclui também a água que bebemos. Quanto mais no topo da cadeia alimentar o animal está, mais sujeito ao acúmulo. É o caso dos seres humanos que se alimentam de plantas e carne contaminadas. Essa intoxicação, na maioria dos casos, não é percebida imediatamente, mas é desencadeadora de diversas doenças, como o câncer, por exemplo.
Além disso, diversos estudos médicos comprovam que agrotóxicos e metais pesados estão diretamente relacionados com o aumento dos casos de autismo, doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer, assim como problemas de fertilidade.
Pesquisadora da UEPG avalia grau de contaminação de lambaris
Análises periódicas da empresa responsável pelo tratamento e abastecimento de água atestam que a qualidade está dentro do que estabelece a legislação nacional e os órgãos de controle e, portanto, seria potável. Mas é importante lembrar que existe uma permissividade centenas de vezes maior no Brasil da concentração de agrotóxicos na água se comparado à legislação europeia. Um exemplo é o glifosato, herbicida conhecido como Mata-Mato. Enquanto a União Europeia limita a quantidade máxima que pode ser encontrada do glifosato na água potável em 0,1 miligramas por litro, o Brasil permite até 5 mil vezes mais. E isso ocorre também com outros compostos químicos presentes na água que bebemos.
“A água estar dentro do que exige a legislação não significa que não
existe o risco. Essa falta de rigor da legislação brasileira pode fazer
com que essa população esteja consumindo substâncias que não deveria”,
explica o coordenador do Grupo de Pesquisa.
Segundo Campos, a
sociedade precisa estar informada por meio da ciência e dos dados
científicos para que cobre dos gestores um estudo mais amplo e uma área
maior de preservação ambiental ao redor da Represa de Alagados para
evitar a entrada dessas substâncias na água. Outro ponto é investigar de
onde os contaminantes proibidos estão vindo. O contrabando pode ser uma
explicação para as altas taxas de venenos agrícolas já banidos do país.
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Governo reduz distância mínima entre pulverização aérea de pesticidas em cultivo de bananas e povoados e mananciais de água
Fotos: Tatiana Stremel/divulgação UFPG (peixes) e Prefeitura Municipal de Ponta Grossa (Reservatório de Alagados)
O Observatório de Justiça e Conservação (OJC) é uma iniciativa apartidária e colaborativa que trabalha fiscalizando ações e inações do poder público no que se refere à prática da corrupção e de incoerências legais em assuntos relativos à conservação da biodiversidade, prioritariamente no Sul do Brasil, dentre os quais se destacam, a Floresta com Araucária
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