Uma disparidade entre o sistema solar e o calendário gregoriano criado pelos homens deu nisso: um dia a mais no mês de fevereiro, de quatro em quatro anos. Para nós, um ano bissexto. Para outros povos, é um “Leap Day”, ou “Dia do Salto”.
Em setembro do ano passado, às vésperas da Conferência Climática (COP-21) que aconteceu na França em dezembro, a jornalista canadense e ativista ambiental Naomi Klein se aproveitou do fenômeno e criou uma espécie de plataforma política independente chamada Leap Day. Foi a forma que encontrou para chamar a atenção dos líderes mundiais para a necessidade de enfrentar as mudanças climáticas, de entender que é preciso provocar novos rumos sociais para tornar o mundo mais possível para todos. Seria um “Salto” para a humanidade. Nasceu assim o “Leap Manifesto” , que se propõe a mostrar que o mundo precisa mais do que de pequenos passos.
Para comemorar o dia, há eventos marcados em vários países, sempre com foco em mudanças climáticas. Nesse sentido, o discurso de ontem do ator Leonardo DiCaprio na cerimônia do Oscar () , que ganhou como protagonista do filme “O regresso”, vem a calhar. DiCaprio, que tem sido uma das vozes do mundo das celebridades mais ouvidas no combate às mudanças climáticas, contou que a produção do filme precisou ir muito longe para conseguir neve, o que mostra que o aquecimento global já está impactando regiões do planeta.
“A mudança climática está acontecendo nesse momento e é a maior ameaça que nossa espécie está enfrentando. Temos que apoiar os líderes que não estão falando em nome dos grandes poluidores, mas que falam em nome dos povos nativos, das bilhões de pessoas de baixa renda que serão impactadas por isso”, disse o ator.
O “Leap Manifesto” já tem assinatura de mais de 30 mil pessoas e 200 organizações. As ações propriamente ditas começam hoje e vão se estender por todo o ano e em vários países. No Brasil está marcado um evento no dia 1 de maio, nas Cataratas do Iguaçu (ver aqui) que pretende convocar a população para ajudar a manter o petróleo e o gás no solo. Pode parecer surreal quando estamos acompanhando notícias sobre as novas regras de exploração do pré-sal apoiadas pelo Senado, e é. Assim mesmo, vida que segue.
Nas redes sociais, a grita geral de quem não se conformou com a possibilidade de entrar capital estrangeiro no processo de exploração do pré-sal é respondida por ambientalistas que lembram que o Acordo de Paris, que será assinado em abril por 195 países, exige que 80% das reservas conhecidas de todos os combustíveis fósseis fiquem onde estão. Só assim se poderá atingir a meta de manter em 1.5 graus Celsius a temperatura da Terra até o fim do século. Só para lembrar, o Brasil será um dos signatários do Acordo.
E, para quem está pensando que só no Brasil acontecem paradoxos, vale saber que em entrevista à revista “Exame”, o britânico Peter Lacy, considerado um dos mais influentes nomes em sustentabilidade no meio corporativo, que acaba de lançar o livro “Waste to Wealth” (“Do lixo à riqueza” em tradução livre) afirma que consegue ver cifras e mais cifras por conta da extração de recursos naturais. A tese dele é enxergar oportunidade no fato de que a humanidade, se seguir o ritmo de hoje, vai ter que extrair cerca de 8 bilhões de toneladas extras da natureza em 2030. Lacy vê lucro nisso a partir do que chama “economia circular”, ou seja, uma forma de reaproveitar o que antes era descartado:
“Isso representa cerca de 4,5 trilhões de dólares ou 5% da economia mundial. É aí que está a oportunidade”, disse ao repórter Felipe Serrano. Nenhuma palavra sobre a necessidade de se diminuir o ritmo de extração dos recursos naturais para que a produção e o consumo tenham limites.
Naomi Klein recebe críticas em seu blog porque, segundo alguns, ela diz apenas aquilo que não quer, resiste a dizer o que pode ser feito para mudar o cenário. Neste “Dia do Salto”, no entanto, Klein comemora o fato de ter conseguido lançar um projeto dentro da proposta de “cuidar do planeta, e uns dos outros”. Trata-se do “Inativo No More”, que já está em vigor para fazer um uso racional das agências dos Correios do país, quase inativas. Não só no sentido de instalar energia solar e formas de reusar água, como também para que possam servir de depósitos para produtores agrícolas locais e, assim, otimizar o sistema de encurtamento do circuito de alimentos. É uma boa ideia.
“É mais fácil mudar os sistemas criados pelo homem do que mudar as leis da natureza. Desta forma, o ano bissexto é uma metáfora perfeita para o momento presente, em que os nossos sistemas políticos e econômicos precisam ser atualizados para acomodar as duras realidades da nossa casa comum, a Terra”, escreve Klein em seu blog.
A ativista ambiental tem pela frente uma árdua tarefa em seu próprio país, já que o Canadá está entre os dez maiores emissores mundiais de gases do efeito estufa. Graças à intensa e incessante exploração da areia betuminosa (espécie de petróleo em estado semissólido), o país será responsável, de 2010 a 2020, pela emissão de 56 milhões de toneladas de dióxido de carbono . Além disso, vazamentos acidentais estão expondo pessoas e animais que vivem em torno do rio Athabasca - ao norte da região de Alberta, onde fica a principal fonte de betume do país – à contaminação por metais pesados, como cádmio, níquel e mercúrio.
É um tema espinhoso, este. Há corporações envolvidas, as mesmas cuja missão principal é extrair recursos da natureza. Quando muito, tais empresas conseguem transformar sua operação em oportunidade, talvez descartando o lixo corretamente, segundo o pensamento de especialistas como Peter Lacy.
Uma lufada de otimismo aos que levam a sério propostas de manter o petróleo no subsolo (em nosso caso, abaixo da camada de sal) para minimizar efeitos bem nocivos que são esperados caso a Terra aqueça mais do que os 2 graus, foi dada pelo presidente Obama no caso Keystone. Pouco antes da COP 21, ele anunciou que se recusaria a permitir a construção do oleoduto Keystone XL que permitiria o transporte de petróleo de Alberta, no Canadá, até o centro dos Estados Unidos, em Nebraska, de onde poderia ser distribuído às refinarias do país no golfo do México. Mas a lufada de otimismo pode estar com os dias contados. Transcanada, a empresa encarregada de construir o oleoduto anunciou no início do ano que vai cobrar 15 bilhões de dólares pelo prejuízo. E está assegurada em seu direito pelo Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).
Assim fica difícil saltar. Enquanto não houver uma decisão verdadeiramente unânime sobre o destino e o tamanho do salto, as comemorações vão acabar sendo, elas também, assim como 2016, bissextas.
Em setembro do ano passado, às vésperas da Conferência Climática (COP-21) que aconteceu na França em dezembro, a jornalista canadense e ativista ambiental Naomi Klein se aproveitou do fenômeno e criou uma espécie de plataforma política independente chamada Leap Day. Foi a forma que encontrou para chamar a atenção dos líderes mundiais para a necessidade de enfrentar as mudanças climáticas, de entender que é preciso provocar novos rumos sociais para tornar o mundo mais possível para todos. Seria um “Salto” para a humanidade. Nasceu assim o “Leap Manifesto” , que se propõe a mostrar que o mundo precisa mais do que de pequenos passos.
Para comemorar o dia, há eventos marcados em vários países, sempre com foco em mudanças climáticas. Nesse sentido, o discurso de ontem do ator Leonardo DiCaprio na cerimônia do Oscar () , que ganhou como protagonista do filme “O regresso”, vem a calhar. DiCaprio, que tem sido uma das vozes do mundo das celebridades mais ouvidas no combate às mudanças climáticas, contou que a produção do filme precisou ir muito longe para conseguir neve, o que mostra que o aquecimento global já está impactando regiões do planeta.
“A mudança climática está acontecendo nesse momento e é a maior ameaça que nossa espécie está enfrentando. Temos que apoiar os líderes que não estão falando em nome dos grandes poluidores, mas que falam em nome dos povos nativos, das bilhões de pessoas de baixa renda que serão impactadas por isso”, disse o ator.
O “Leap Manifesto” já tem assinatura de mais de 30 mil pessoas e 200 organizações. As ações propriamente ditas começam hoje e vão se estender por todo o ano e em vários países. No Brasil está marcado um evento no dia 1 de maio, nas Cataratas do Iguaçu (ver aqui) que pretende convocar a população para ajudar a manter o petróleo e o gás no solo. Pode parecer surreal quando estamos acompanhando notícias sobre as novas regras de exploração do pré-sal apoiadas pelo Senado, e é. Assim mesmo, vida que segue.
Nas redes sociais, a grita geral de quem não se conformou com a possibilidade de entrar capital estrangeiro no processo de exploração do pré-sal é respondida por ambientalistas que lembram que o Acordo de Paris, que será assinado em abril por 195 países, exige que 80% das reservas conhecidas de todos os combustíveis fósseis fiquem onde estão. Só assim se poderá atingir a meta de manter em 1.5 graus Celsius a temperatura da Terra até o fim do século. Só para lembrar, o Brasil será um dos signatários do Acordo.
E, para quem está pensando que só no Brasil acontecem paradoxos, vale saber que em entrevista à revista “Exame”, o britânico Peter Lacy, considerado um dos mais influentes nomes em sustentabilidade no meio corporativo, que acaba de lançar o livro “Waste to Wealth” (“Do lixo à riqueza” em tradução livre) afirma que consegue ver cifras e mais cifras por conta da extração de recursos naturais. A tese dele é enxergar oportunidade no fato de que a humanidade, se seguir o ritmo de hoje, vai ter que extrair cerca de 8 bilhões de toneladas extras da natureza em 2030. Lacy vê lucro nisso a partir do que chama “economia circular”, ou seja, uma forma de reaproveitar o que antes era descartado:
“Isso representa cerca de 4,5 trilhões de dólares ou 5% da economia mundial. É aí que está a oportunidade”, disse ao repórter Felipe Serrano. Nenhuma palavra sobre a necessidade de se diminuir o ritmo de extração dos recursos naturais para que a produção e o consumo tenham limites.
Naomi Klein recebe críticas em seu blog porque, segundo alguns, ela diz apenas aquilo que não quer, resiste a dizer o que pode ser feito para mudar o cenário. Neste “Dia do Salto”, no entanto, Klein comemora o fato de ter conseguido lançar um projeto dentro da proposta de “cuidar do planeta, e uns dos outros”. Trata-se do “Inativo No More”, que já está em vigor para fazer um uso racional das agências dos Correios do país, quase inativas. Não só no sentido de instalar energia solar e formas de reusar água, como também para que possam servir de depósitos para produtores agrícolas locais e, assim, otimizar o sistema de encurtamento do circuito de alimentos. É uma boa ideia.
“É mais fácil mudar os sistemas criados pelo homem do que mudar as leis da natureza. Desta forma, o ano bissexto é uma metáfora perfeita para o momento presente, em que os nossos sistemas políticos e econômicos precisam ser atualizados para acomodar as duras realidades da nossa casa comum, a Terra”, escreve Klein em seu blog.
A ativista ambiental tem pela frente uma árdua tarefa em seu próprio país, já que o Canadá está entre os dez maiores emissores mundiais de gases do efeito estufa. Graças à intensa e incessante exploração da areia betuminosa (espécie de petróleo em estado semissólido), o país será responsável, de 2010 a 2020, pela emissão de 56 milhões de toneladas de dióxido de carbono . Além disso, vazamentos acidentais estão expondo pessoas e animais que vivem em torno do rio Athabasca - ao norte da região de Alberta, onde fica a principal fonte de betume do país – à contaminação por metais pesados, como cádmio, níquel e mercúrio.
É um tema espinhoso, este. Há corporações envolvidas, as mesmas cuja missão principal é extrair recursos da natureza. Quando muito, tais empresas conseguem transformar sua operação em oportunidade, talvez descartando o lixo corretamente, segundo o pensamento de especialistas como Peter Lacy.
Uma lufada de otimismo aos que levam a sério propostas de manter o petróleo no subsolo (em nosso caso, abaixo da camada de sal) para minimizar efeitos bem nocivos que são esperados caso a Terra aqueça mais do que os 2 graus, foi dada pelo presidente Obama no caso Keystone. Pouco antes da COP 21, ele anunciou que se recusaria a permitir a construção do oleoduto Keystone XL que permitiria o transporte de petróleo de Alberta, no Canadá, até o centro dos Estados Unidos, em Nebraska, de onde poderia ser distribuído às refinarias do país no golfo do México. Mas a lufada de otimismo pode estar com os dias contados. Transcanada, a empresa encarregada de construir o oleoduto anunciou no início do ano que vai cobrar 15 bilhões de dólares pelo prejuízo. E está assegurada em seu direito pelo Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).
Assim fica difícil saltar. Enquanto não houver uma decisão verdadeiramente unânime sobre o destino e o tamanho do salto, as comemorações vão acabar sendo, elas também, assim como 2016, bissextas.
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