domingo, 3 de abril de 2016

Sobre parasitas e políticos.Quando ecologia e política passam a ser um só organismo.

A teoria da Rainha Vermelha

Por Fabio Olmos
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Nesta e nas imagens a seguir, infelizes insetos vítimas de fungos zumbis na Mata Atlântica 
de Ubatuba (SP). Os corpos de frutificação que emergem das múmias que restam
espalham esporos ao vento. Fotos: Edélcio Muscat

Fungos zumbis são fascinantes, umas 400 espécies do gênero Cordiceps e parentes. Um esporo cai sobre ou é ingerido por um inseto ou aranha, germina e cresce, infectando o sistema nervoso do hospedeiro. O fungo assume controle de sua vítima, que passa a se comportar conforme o parasita manda.


Sob domínio do fungo, a vítima escala uma planta e fica imóvel lá em cima, enquanto o fungo se alimenta dele e produz corpos de frutificação de onde esporos são lançados ao ar para contaminar novas vítimas.


Inevitável a comparação com ideologias, formadas por memes da mesma forma que organismos são por genes; a analogia entre fungos zumbis usando insetos cuja vontade foi dominada para espalhar seus genes com ideologias  usando pessoas com vontades dominadas subindo em púlpitos, palanques, programas de TV e carros de som para espalhar seus memes e criar novos zumbis.


Fungos zumbis também foram usados para explicar a epidemia de zumbis no game The Last of Us. Provavelmente a melhor sacada da atual zumbimania, embora, por mais que alguns queiram, uma epidemia zumbi não tenha futuro. Humanos são bons demais em matar uns aos outros. E correm mais rápido.


Parasitas são um fato da vida em todos os ecossistemas e um único indivíduo de qualquer espécie pode ter dezenas de amigos do peito que vivem de sugar nutrientes de seu hospedeiro. Alguns sâo inofensivos, outros podem te matar.


Alguns são pouco sofisticados, como as sanguessugas e, na minha analogia, os funcionários fantasma. Grudam na vítima e sugam o que precisam. Outros como o fungo zumbi, o vírus da raiva e o toxoplasma são extremamente sofisticados e controlam o comportamento de seu hospedeiro para que este os sirva.
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Embora o bom parasita não comprometa seu hospedeiro e invista em uma relação estável e lucrativa que pode até evoluir para um comensalismo ou mutualismo – como pencas de ácaros, bactérias, fungos e nematóides que vivem em você –, há outros que se comportam como se não houvesse amanhã e sugam o que podem o mais rápido possível.


O resultado é o que vemos quando se pega raiva ou quando uma estatal é dominada por políticos.


Os impactos dos parasitas afetam a capacidade dos hospedeiros de passar seus genes para as próximas gerações e isso os torna uma força seletiva extremamente importante.  No seu nível mais básico, a evolução é influenciada pela "corrida armamentista" entre parasitas e hospedeiros.

Sexuados
Por quê existe sexo é uma das grandes questões da biologia evolutiva. Pense bem. Por quê algo que é tão complicado (pense nos rituais e processos de escolha de parceiros) evoluiu quando seria tão mais fácil simplesmente produzir clones? Afinal, há muitos seres vivos, de algas a lagartos, que podem se reproduzir de maneira clonal.


Mas estes são exceção.


Uma das melhores teorias, apoiada por observações e experimentos, é a da Rainha Vermelha, popularizada pelo zoólogo e escritor Matt Ridley no livro homônimo. Recomendo.
Lewis Carroll, autor de Aventuras de Alice no País das Maravilhas, levou sua heroína à Terra Além do Espelho. Ali ela conhece a Rainha Vermelha, que explica que “aqui temos que correr o máximo possível para continuarmos no mesmo lugar”.


Parasitas devem encontrar maneiras de vencer o sistema imunológico de seus hospedeiros. Afinal, eles não se rendem sem uma briga. Mas esses mesmos sistemas podem ser cooptados para fazer aquilo que parasitas almejam.


Criaturas como os vírus HIV, as salmonelas, microbactérias e listerias, usam as próprias células que deveriam ser os Judge Dredd – polícia, juízes e executores – de nosso organismo para nos infectar e matar.


Da mesma forma que os programas anti-vírus de seu computador têm que se atualizar contra novos vírus e trojans, porque os programadores do mal sempre estão criando novas formas de driblá-los, os sistemas imunológicos também têm que desenvolver formas de combater novas versões dos parasitas.


A melhor dessas maneiras é criando novas variantes das moléculas que mediam e combatem os parasitas. A reprodução sexual, ao misturar genomas, faz exatamente isso.


Enquanto nós, que nos reproduzimos sexualmente, temos desde pessoas que nem percebem que pegaram zika a pessoas que morrem disso, uma população de clones sem variação genética pode ser 100% suscetível se uma cepa do vírus desenvolve a contramedida certa. E pagar caro por isso.


O mesmo vale para os parasitas. Sem inovação seus truques acabam manjados e isso significaria seu fim.


O sexo pode ser visto como o processo que cria a variação que nos mantém numa corrida armamentista contra os parasitas. Como a Rainha Vermelha, tanto parasitas como hospedeiros correm, mas permanecem no mesmo lugar.


Ecossistemas e sociedades humanas compartilham muitas semelhanças. Por exemplo, a Economia e a Ecologia possuem a mesma base, inclusive matemática. Ambas giram em torno de oferta-demanda, competição-cooperação, fatores limitantes e idiossincrasias evolutivas e a modelagem pode ser muito parecida.  Não  e a toa que há quem considere a Economia como Ecologia Humana Aplicada.

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As semelhanças entre a dinâmica entre hospedeiros e parasitas e a dinâmica interna das sociedades também são evidentes. Há mutualismos como pagar impostos para ter serviços públicos de qualidade, gerando empregos associados a estes, até o parasitismo explícito, com atores que se apropriam dos recursos de outros e dominam suas vontades pela força ou pela lábia para que sejam parasitados felizes.


Para isso usam não apenas ferramentas psicológicas baseadas na nossa necessidade inata de pertencer a uma tribo ou time, partido, religião, clube; na leitura seletiva da realidade, à la Síndrome da Velhinha de Taubaté, e no tempo extremamente lento de adaptação do “sistema imunológico” que deveria combatê-los. Isso quando não o subverte para seus fins.


Não serei o primeiro a notar que dispositivos como o foro privilegiado (uma jabuticaba brasileira) foram distorcidos para servir a gente que estaria presa se deixasse o país; ou que malabarismos processuais – tudo absolutamente legal - são usados por criminalistas para postergar julgamentos ao infinito e livrar até réus confessos.


Nas sociedades humanas o equivalente ao sexo está na adaptabilidade das instituições que respondem às demandas da sociedade.  Processos e ritos existem para uma finalidade e não como um fim em si mesmos e devem mudar em velocidade compatível às mutações dos parasitas – respeitados os valores em que a sociedade se baseia.


É preciso mudar quando um instrumento deixou de servir a todos e passou a servir apenas a poucos que manipulam regras a seu favor. E evitar que os parasitas, que sempre terão seus zumbis, emplaquem contramedidas e voltem a dominar o sistema, a exemplo do que aconteceu na Itália como reação à Operação Mãos Limpas.


Nossa carga parasitária produz catástrofes ambientais como Belo Monte, que existe antes para alimentar empreiteiras e políticos do que por necessidade. E ameaça nosso organismo social faz tempo.  Quase 60% dos 594 membros do Congresso são acusados por crimes que vão de homicídio a fraude eleitoral.  Será que 60% da população adulta de nosso país também tem problemas com a justiça ou há algo muito errado?

Um PIB negativo de uns 7% previsto para 2015-2016 (sendo otimista) e mais de 1,5 milhão de empregos destruídos só em 2015 mostram parte do custo do parasitismo.


Enquanto isso, nesta analogia da biologia com a política, entre as falhas do nosso sistema imunológico escancaradas desde o Mensalão, apenas duas das sete medidas propostas no tal Pacote Anti Corrupção de 2015 saíram do papel. Por que será?


Precisamos correr mais porque nem ficar no mesmo lugar estamos conseguindo.

 PS – As fotos dos fungos zumbis foram feitas pelo meu amigo Edélcio Muscat no Projecto Dacnis, uma iniciativa privada de conservação e pesquisa da Mata Atlântica em Ubatuba, São Paulo, onde novas espécies estão sendo descobertas, assim como muitas novas informações sobre a história natural do bioma brasileiro mais ameaçado. Sem um pingo de dinheiro público. Quando o Estado se omite, há quem ocupe o espaço.

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