terça-feira, 21 de junho de 2016

Araucária, sem manejo adequado será extinta e vai virar somente uma fotografia

Publicado em junho 20, 2016 por


Araucária não é peça de museu. Sem manejo adequado, elas serão extintas e vão virar somente uma fotografia. Entrevista especial com Flávio Zanette

“Está comprovado experimentalmente e descritivamente que a araucária não se regenera dentro da floresta. Essa conversa de preservar a araucária é o equivalente a compreendê-la como peça de museu, mas planta não é peça de museu, que você limpa bem, coloca conservante, tira a poeira e ela dura milhares de anos”, afirma o engenheiro agrônomo.
Foto: www.spvs.org.br


A exploração madeireira e a legislação ambientalestão entre as principais causas que têm contribuído para que a araucária integrasse a lista das espécies em extinção. Prova disso é que no início dos anos 1940 a mata de araucária compunha 15% do território gaúcho, 25% do território catarinense e 35% do paranaense.



Contudo, em menos de 80 anos, essa mata nativa foi reduzida a “1,5% no Rio Grande do Sul, em torno de 3% em Santa Catarina, e no Paraná, conforme o levantamento feito pela Fundação de Ciências Florestais, não chega a 1,5% de mata virgem em relação ao original”, informa Flávio Zanette à IHU On-Line.


Nos últimos 30 anos, o engenheiro agrônomo tem estudado e acompanhado o desenvolvimento dearaucárias nos três estados e frisa que, em função da legislação ambiental, a qual proíbe o corte das araucárias e exige uma série de certificações para aprovar o corte das espécies plantadas pelos produtores rurais, tem havido uma prática comum nesses três municípios: o corte antecipado da araucária.



 “Quem tinha uma área de terra começou a cortar todas as mudas de araucária que nasciam, justamente para não perder aquele espaço, porque uma vez que as araucárias crescessem, elas não poderiam ser cortadas. Esse tipo de atitude passou a ser muito normal no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, porque os agricultores ficaram revoltados por não poder explorar o espaço da propriedade plantado com araucária”, relata.


Favorável à proibição da “retirada indiscriminada” da araucária, a fim de evitar a exploração ilegal, Zanette também faz críticas à legislação ambiental, porque ela “se esqueceu da outra parte, quer dizer, além de proibir, a legislação deveria garantir uma política de incentivo ao plantio”. Segundo ele, as pesquisas recentes têm demonstrado que a simples preservação das araucárias em mata fechada não garante a preservação das espécies, ao contrário, a sombra da mata fechada tem dificultado o desenvolvimento de novas plantas.


“Nós fizemos experimentos plantando araucária na sombra, no sol e em pleno sol, porque é absolutamente sabido por qualquer biólogo ou fisiologista vegetal, que a araucária é uma das plantas que exige muita luz para crescer, ou seja, ela não se desenvolve abaixo de uma determinada intensidade luminosa. Consequentemente, aquelas belas florestas que existem em São José dos Ausentes, e também no caminho de Caxias do Sul para o litoral, são museus de 50 ou 70 anos. Por isso, tenho afirmado que daqui a 120 anos, se não houver replantio da araucária, ela ficará só em fotografia”, adverte.



Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Flávio Zanette propõe novas formas de preservar amata de araucária e explica sua proposta de desenvolver as espécies a partir de pomares enxertados e de um processo de seleção de matrizes de araucárias que produzam mais de 100 pinhas todo o ano, garantindo a produção do pinhão, que atualmente está decaindo. “Se está provado que ramos novos de pinheiro só se formam até quando a planta tem 60 anos, basta ver que a grande maioria dos pinheiros que temos por aí em nossas florestas têm mais de 60 anos e não estão mais formando ramos novos. Então, se não nascem mais galhos novos e a cada ano eles vão caindo e diminuindo, a tendência é diminuir a produção”, alerta.


Flávio Zanette é graduado em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, mestre em Fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e doutor em Fitotecnia pela Universite de Clermont II. Atualmente é professor da UFPR, onde atua no Laboratório de Micropropagação Vegetal, pesquisando técnicas de enxertia da araucária.



Confira a entrevista.
Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
IHU On-Line – A araucária está na lista das espécies que corre risco de extinção. Desde quando as matas de araucária estão sendo diminuídas no Brasil e qual é a probabilidade de essa planta entrar em extinção no país?
Flávio Zanette – A ameaça de extinção da araucária iniciou durante a exploração madeireirano país, nos anos 1940. Contudo, antes de falar sobre isso, vou explicar como se dá o processo de extinção. Uma espécie da fauna é considerada ameaçada de extinção – e isso eu confirmei recentemente com representantes da CTNBio – quando ela está em níveis críticos no sentido de que não é mais possível garantir a sobrevivência da espécie, portanto ela estará em processo de extinção.
Com o vegetal o processo é diferente, especialmente para plantas perenes que são nativas de um local e, portanto, não são cosmopolitas, ou seja, não se reproduzem em vários locais do mundo – milho e feijão, por exemplo, nunca estarão ameaçados de extinção.


No caso das araucárias nativas, elas têm seus sítios definidos, a exemplo do Hemisfério Sul – falando daangustifólia, que é espécie que se reproduz nessa região. Essas plantas estão desaparecendo, não há mais quase nada no Paraguai e existem algumas naArgentina. No Espírito Santo e no Rio de Janeiroelas também estão sumindo, e ainda restam algumas em Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.



Então, como disse anteriormente, a ameaça de extinção começou com o início da exploração madeireira. Nos próximos dias vou publicar um livro que está no prelo, intitulado Por que a araucária está em extinção? Por que a legislação atual não salva a araucária? Perspectivas de sustentabilidade da araucária pelo uso.
A araucária está ameaçada porque neste período todo, desde o início do século passado, mais precisamente na década de 1940, quando começou a intensa retirada da araucária, não houve equivalente reposição. Já vou adiantar que no livro que irei publicar está comprovado experimentalmente e descritivamente que a araucária não se regenera dentro da floresta. Essa conversa de preservar a araucária é o equivalente a compreendê-la como peça de museu, mas planta não é peça de museu, que você limpa bem, coloca conservante, tira a poeira e ela dura milhares de anos. A araucária é confundida com rabanete ou com inseto ou com outra espécie de ciclo curto, mas a mesma regra não vale para a araucária em termos de tempo, pois ela é uma planta que vive de 100 a 200 anos. Portanto, a extinção não será vista pela nossa geração.



As araucárias vivas, que estão envelhecendo, a cada ano produzem safras menores de pinhões e isso está acontecendo porque diminuem os galhos da planta, ela vai ficando velha, alguns galhos vão caindo, e sabemos que não são formados novos galhos na araucária depois que a planta atinge 60 anos. Os últimos galhos só crescerão na ponta dos ramos já formados, mas, obviamente, a cada um ou dois anos os ramos vão caindo e, consequentemente, não se formam novos ramos. Portanto, diminuirá o número de pinhões, porque o pinhão não é jabuticaba; ele só se forma onde houver crescimento dos ramos.
Desse modo, quanto aos pinhões, a tendência é diminuir a produção. Você pode até perguntar sobre o pinhão que cai no meio da floresta, mas esses vão ser comidos pelas cotias, pela gralha azul. Hoje, o processo comum de reprodução de araucária se dá com o pinhão que cai em torno da árvore-mãe, pois o vento só carrega o pólen, não carrega o pinhão, assim ele cai no local e nascerá sem problemas. Entretanto, hoje temos provas empíricas de que pinheiros dentro da floresta, embaixo de belas matrizes com 14 ou 16 anos, são da grossura do meu polegar, quando uma planta de 12 anos deveria estar mais ou menos com 60 centímetros de diâmetro.

“No cenário atual de legislação, pesquisa e política pública, a araucária não está ameaçada de extinção; ela já está em extinção”

IHU On-Line – O que tem ocasionado esse baixo desenvolvimento da araucária?
Flávio Zanette – A sombra, e isso já é claríssimo nos estudos que estamos desenvolvendo. Nós fizemos experimentos plantando araucária na sombra, no sol e em pleno sol, porque é absolutamente sabido por qualquer biólogo ou fisiologista vegetal, que a araucária é uma das plantas que exige muita luz para crescer, ou seja, ela não se desenvolve abaixo de uma determinada intensidade luminosa. Consequentemente, aquelas belas florestas que existem em São José dos Ausentes, e também no caminho de Caxias do Sul para o litoral, são museus de 50 ou 70 anos. Por isso, tenho afirmado que daqui a 120 anos, se não houver replantio da araucária, ela ficará só em fotografia. Portanto, no cenário atual de legislação, pesquisa e política pública, a araucária não está ameaçada de extinção; ela já está em extinção.


IHU On-Line – Quais são as demais razões desse fenômeno ou o que tem contribuído para chegarmos a esse estágio? As mudanças climáticas já são um fenômeno que impacta as araucárias?
Flávio Zanette – Estudando a questão das mudanças climáticas, recentemente comentei com os moradores da região de São Joaquim (SC) que, quando não existirem mais araucárias, dentro de dois ou três mil anos talvez, ela desaparecerá por último naquela região, por razões climáticas. Ou seja, conforme a média da temperatura subir, ela impedirá a reprodução e formação de sementes da araucária e, portanto, essa espécie irá desaparecer porque não tem regeneração. Porém a mudança climática atinge tudo, não só a araucária, e também atingirá fortemente muitas outras espécies que exigem o frio para se reproduzirem.


Então, minha tese é a de que a araucária só será salva se houver plantios, e o plantio não deve ocorrer ou porque ela é bonita, ou somente para preservá-la, mas porque ela é um grande bem econômico desses territórios. Além de fornecer madeira de qualidade incomparável a qualquer outra espécie, ela produz pinhões, algo que é de altíssimo interesse e de altíssimo rendimento para as propriedades.


Durante esses 31 anos em que estudo a araucária, desenvolvemos desde 2000, juntamente com a Embrapa, a tecnologia de fazer um pomar enxertado por meio da seleção de pinhões grandes, que coletamos em Lages, Caçadore em outras regiões. Com esse pomar será possível colher, no mínimo, depois de 30 anos de plantio, pinhão por três gerações – estou falando apenas do período de 30 a 100 anos -, que ganharão em torno de R$ 32 mil com a venda de pinhões por hectare/ano. Faça a conta e me responda qual é o outro produto agrícola que gera toda essa renda? Claro que outros produtos geram esse faturamento, mas eles têm um custo ambiental, que a araucária não gera.

“A araucária pode ser salva pelo uso, porque conseguimos provar que ela é um grande bem econômico”


IHU On-Line – Em que consiste a sua pesquisa de produção de mudas enxertadas de araucária para formar pomares? Pode nos falar da proposta de técnicas de enxerto como uma saída para estimular o plantio da espécie?
Flávio Zanette – Quando digo que a araucária pode ser salva pelo uso, é porque conseguimos provar que ela é um grande bem econômico. Ao longo desses mais de 30 anos, temos estudado formas de viabilizar o manejo adequado e concluímos, depois de fazer pinheiro de proveta, que para a araucária ser econômica devemos fazer a seleção das sementes: recentemente conseguimos provar que uma planta matriz em Lages, SC, da qual durante 30 anos foram colhidas sementes, as quais foram plantadas em outros locais a 60 quilômetros de distância, se produziram pinhões enormes, com o dobro do tamanho normal. Para termos uma ideia, o pinhão normal tem em média sete, oito gramas, e esse pinhão de que falo teve entre 14 e 16 gramas. Portanto, desenvolvemos e constatamos a possibilidade de produzir pinhões de alta qualidade plantando pinhões de alta qualidade.



Em Caçador, SC, o produtor de araucária Vânio Czerniak tem uma planta que já produziu 674 pinhas e, neste ano, produziu 539, quando na floresta se produz de 10 a 15 pinhas e, em algumas plantas mais bem situadas, sabemos que é possível produzir um pouco mais de 100 pinhas. Então, trabalhamos com um processo de seleção de matrizes de araucárias que produzam mais de 100 pinhas todo o ano. Imagine que, através de um processo de seleção das melhores matrizes de araucária, podemos passar de uma produção de 30 a 40 pinhas para 600 pinhas por araucária.


Durante a pesquisa, eu inclusive desenvolvi um processo para clonar algumas plantas, que foram clonadas in vitro, mas não fiquei satisfeito com o resultado porque o custo de produção em laboratório era muito elevado. Então, desde o ano 2000 passei a me dedicar a estudar formas de enxertar a araucária. A partir disso já surgiram teses de doutorado em que demonstramos essa experiência e produzimos um livreto publicado pela Sociedade Brasileira de Fruticultura.



Na seção de frutas nativas consta o plantio da araucária como fruteira para a produção de pinhões, e é nessa linha que falamos das técnicas de enxertia. Nesse momento nós produzimos – está sendo publicado e divulgado – um manual de como enxertar a araucária, porque nós não temos mão de obra para produzir mudas e distribuí-las, então fazemos o mais simples: uma pessoa planta o pinhão, e um ano e meio depois, usando o nosso manual de enxertia, ela mesma pode fazer o enxerto. Nós temos o que eu chamo de “jardim clonal”, onde cultivamos os pinhões selecionados dessas matrizes e enviamos as mudas até pelos Correios para quem tiver interesse em plantar araucárias.


IHU On-Line – Como é feito o plantio das mudas enxertadas?
Flávio Zanette – As mudas são cultivadas na Universidade, nesse jardim clonal, que me fornece um broto. Eu corto esse broto em pedaços e as pessoas que querem plantar a araucária fazem o enxerto seguindo o manual, que está publicado e distribuído através de uma parceria que fizemos com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Senarda Federação da Agricultura. Nós temos material à vontade e podemos enviar digitalmente para quem quiser, porque com esse material em mãos, ninguém precisa comprar a muda enxertada, a pessoa mesmo enxerta e, assim, o que acontece?


Em primeiro lugar, não precisa plantar 50 fêmeas e 50 machos por hectare, mas 20 machos, que são suficientes, e 80 fêmeas, porque aí a produção já sai ganhando com 30% a mais de fêmeas. Segundo, não é preciso plantar uma ao lado da outra, a cada dois ou três metros, porque nós concluímos que a araucária, para produzir e ter muitos galhos, precisa estar de oito a dez metros de distância uma da outra. É por isso que em um hectare são plantadas somente entre 100 e 120 plantas, e após 12 anos da araucária enxertada começa a cair pinhão. Considerando essa distância entre uma planta e outra, sobra espaço numa faixa do meio para plantar trigo, soja ou qualquer outra cultura anual, ou ainda uma carreira de erva-mate, que é o binômio natural, pois a erva-mate faz parte da ombrófila mista. Na verdade, a terra será usada somente para o pinhão quando a araucária começar a produzi-lo. Portanto, é possível perceber como esse processo é economicamente interessante.


IHU On-line – Já é possível saber qual é o percentual de araucárias plantadas a partir dessa técnica?
Flávio Zanette – Orientado para a produção de pinhões, iniciei esse processo há 10 anos. Inclusive, neste ano comemoramos os 10 anos de distribuição de mudas produzidas a partir dessa técnica e realizamos uma festa para comemorar e, nos dois dias de comemoração, distribuímos 10 mil mudas de araucária. As pessoas levaram a araucária para plantar com nossas orientações e ficaram com a opção de enxertá-las daqui a um ano e meio. Neste ano também adquirimos 10 mil pinhões do Vânio Czerniak, de Caçador, daquela famosa araucária que no ano passado produziu as 674 pinhas e neste ano produziu 539, a R$ 1,00 cada pinhão, para fazermos novas mudas, porque aqui há um grande interesse em plantar mudas desta árvore.


“A legislação não incentiva o plantio”










IHU On-Line – Qual é a função ambiental das araucárias para o ecossistema como um todo?
 Flávio Zanette – A araucária vale mais em pé do que deitada, porque em pé ela continuará produzindo, e quando ela morrer ou estiver velha, na fase em que produz poucos pinhões, é possível derrubá-la e teremos uma madeira excepcional, que dará nó-de-pinho – nós aqui do Sul sabemos a importância de um nó-de-pinho para jogar na lareira, uma vez que é o material vegetal mais denso que se conhece e, portanto, é uma fonte de energia com alto rendimento. Além disso, a araucária também nos dá o pinhão.
Ecologicamente, se plantarmos araucárias no campo, dentro de 25 ou 30 anos haverá um capão naquele local, porque ela é uma pioneira e, quando começar a crescer, várias aves irão se refugiar nela para se protegerem dos predadores, como o gambá. Assim, as aves ficam aninhadas ali, dormem ali e, consequentemente, jogam suas fezes ali, cultivam as sementes que caem da araucária e começam a nascer novas plantas. Com o passar do tempo o local vai virar um bosque, um capão.



IHU On-Line – O senhor afirma que a legislação é equivocada em relação à preservação da araucária. Quais os problemas que evidencia e o que seria uma política ambiental adequada para preservar as matas de araucária e incentivar sua reprodução?
Flávio Zanette – A legislação foi constituída assim: em um dado momento viu-se que não ia sobrar nenhumaaraucária em pé, porque ela estava sendo derrubada e, com isso, definiu-se que era proibido derrubá-la. Assim, quem tinha uma área de terra começou a cortar todas as mudas de araucária que nasciam, justamente para não perder aquele espaço, porque uma vez que as araucárias crescessem, elas não poderiam ser cortadas. Esse tipo de atitude passou a ser muito normal no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, porque os agricultores ficaram revoltados por não poder explorar o espaço da propriedade plantado com araucária. A meu ver, tem que proibir mesmo a retirada indiscriminada de araucária. O ponto é que a legislação se esqueceu da outra parte, quer dizer, além de proibir, a legislação deveria garantir uma política de incentivo ao plantio.



Além disso, se não houver um manejo adequado de derrubar algumas araucárias pelo meio da floresta, essa mata, mais cedo ou mais tarde, morrerá completamente, porque as araucárias têm idades próximas, portanto todas elas envelheceram. O mais triste é que as araucárias não caem, não tombam quando morrem, elas se decompõem, vão soltando os galhos, ficam com o tronco seco, as cascas vão caindo e, por conta disso, não se abre uma clareira quando elas morrem; desse modo, não há nem condição de nascer outra no lugar dela. É por isso que defendemos que sejam realizados estudos urgentes para que as florestas densas, fechadas com araucárias, sejam preservadas. Precisamos derrubar algumas pelo meio da mata para permitir que entre a luz e, assim, as novas plantas se desenvolvam.



A legislação não incentiva o plantio. Nós produzimos mudas e as distribuímos de graça, mas muitas pessoas as jogam fora porque não querem saber de plantar araucária por causa da legislação. Apesar disso, nesses dez anos, já conseguimos distribuir mais de 70 mil mudas em todo o Brasil, tendo em vista a produção do pinhão. No meu banco de dados, tenho o nome, o CPF, o local de plantio, o número de mudas e contato de mais de três mil pessoas. Portanto, já temos mais de três mil pessoas interessadas na nossa técnica.



IHU On-Line – Como os órgãos ambientais e parlamentares se posicionam sobre uma possível mudança na legislação?
Flávio Zanette – Essa é uma batalha que estou travando há sete, oito anos, participando de reuniões e audiências públicas para mudar a legislação. O secretário de Meio Ambiente da minha região estava bem engajado nesse projeto e agora vai trabalhar como assessor do Ministro do Meio Ambiente. Quero tentar trazer o Ministro para fazer uma discussão inteligente sobre o assunto, porque não adianta o “ecologista borboleta” dizer não pode isso ou aquilo, tem de apresentar um fundamento.



IHU On-Line – Que percentual da mata de araucária ainda existe no Brasil?
Flávio Zanette – A literatura informava que o Rio Grande do Sul tinha 15% do território com araucária, ou seja, floresta ombrófila mista, Santa Catarina tinha 25% do território, e o Paraná, 35%. Contudo, depois da exploração madeireira que ocorreu a partir da década de 1940, restou, de mata nativa, 1,5% no Rio Grande do Sul, em torno de 3% em Santa Catarina, e no Paraná, conforme o levantamento feito pela Fundação de Ciências Florestais, não chega a 1,5% de mata virgem em relação ao original. É muito pouco.
Apesar desses dados, alguns lutam para retirar a araucária da lista de espécies ameaçadas. Ao invés disso, não é muito melhor fazer uma legislação específica para a araucária do que ficar mexendo e decidindo se ela deve ou não estar na lista? Ela está mais do que na lista, ela está ameaçada.

“Nós produzimos mudas e as distribuímos de graça, mas muitas pessoas as jogam fora porque não querem saber de plantar araucária por causa da legislação”

IHU On-Line – Então, a queda na produção do pinhão está relacionada com o envelhecimento da araucária e o baixo plantio de novas plantas?
Flávio Zanette – É indiscutível que o volume total de produção, na sequência de quatro ou cinco anos, tem caído e a curva é descendente. O pinhão leva de 30 a 36 meses para se formar: da indução floral, passa por todo o processo de frutificação e demora um ano até formar a flor; depois de um ano, ele fecunda, aí fica mais um ano crescendo e mais um ano em maturação. Eu estudei, junto com alguns alunos, in loco, a produção do pinhão. Usamos um caminhão com plataforma elevada e acompanhamos esse processo de desenvolvimento durante três anos.



Claro que se em um ano aaraucária está sobrecarregada com muitas pinhas, naquele mesmo período ela está preparando os botões para a produção que irá ocorrer daqui a dois anos. O clima pode ajudar nesse processo, mas não é como as pessoas dizem, que num determinado ano tem bastante pinhão porque deu frio – nada a ver. O frio deste ano vai favorecer a indução floral para 2018, pois o pinhão de 2018 tem a ver com o inverno deste ano, enquanto o pinhão do ano que vem não tem nada a ver com o inverno deste ano, porque ele já está formado, fecundado, está crescendo e ficará maduro a partir do mês de abril do ano que vem.



Então, se está provado que ramos novos de pinheiro só se formam até quando a planta tem 60 anos, basta ver que a grande maioria dos pinheiros que temos por aí em nossas florestas têm mais de 60 anos e não estão mais formando ramos novos. Portanto, a produção está se dando naqueles galhos que estão aí. Então, se não nascem mais galhos novos e a cada ano eles vão caindo e diminuindo, a tendência é diminuir a produção.



IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
Flávio Zanette – Gostaria de insistir que deve haver pressão geral e urgente para que a legislação mude e para incentivar o plantio de araucária, porque a legislação de hoje autoriza o corte da araucária que o produtor plantou, mas a dificuldade é provar que foi ele quem plantou. Para provar isso se exige uma burocracia muito grande e complicada, se exige o relatório de um engenheiro florestal e a elaboração de um projeto. Mas o pequeno produtor, que é quem tem o grande interesse, porque quem preserva é o pequeno e não o grande, não tem condições de fazer tudo que a legislação determina.


Aproveito para registrar que perto de São Joaquim, SC, está acontecendo um encontro sobre fruticultura: um ano esse evento acontece em São Joaquim, e no outro, em Fraiburgo, SC. São Joaquim só viu a araucária como madeira, porque aquela região só se desenvolveu graças à madeira e ao extrativismo puro, mas agora eles sabem que aquela região ainda é altamente produtora de pinhão, e apesar disso nem começaram a plantar pomares de araucária para produção de pinhão. Com isso, é possível observar como é o sentimento geral em relação à araucária. Então, só pelos meios de comunicação, que foi o que sempre usei, é que convenceremos a população da importância do plantio da araucária.
Por Patricia Fachin

(EcoDebate, 20/06/2016) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.


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