Nações Unidas, 1/6/2016 – No Dia Mundial sem Tabaco, celebrado ontem, 31 de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou aos países que adotem uma embalagem neutra para os cigarros a fim de reduzir o consumo, mas até agora somente os mais ricos puderam fazer frente ao custo que essa medida implica.
Várias iniciativas em diferentes partes do mundo contribuem para reduzir o consumo de tabaco, como impostos, restrições por idade, proibição de fumar em espaços públicos, limitações à publicidade, bem como a embalagem neutra, que tem a Austrália na dianteira.
Esta última medida, lema do Dia Mundial Sem Tabaco deste ano, deriva de uma lei australiana de 2011 e ganhou impulso na Grã-Bretanha, França, Nova Zelândia e Canadá, que se comprometeram a implantar a embalagem neutra. “Sabemos que a embalagem do maço de cigarros procura ser atraente, frequentemente para um público específico, como mulheres ou jovens”, explicou à IPS Nicole Hughes, que trabalha em pesquisas para o controle do tabaco no Instituto Nossal para a Saúde Global.
“Por isso, reduzir a atração motivada pelo maço e seu uso como meio para a publicidade, é incrivelmente importante para combater o consumo de tabaco”, acrescentou Hughes. O tabagismo diminuiu em muitos países de alta renda, como a Austrália, onde caiu pela metade desde 1991, mas ainda se fuma muito nas nações mais pobres, onde a regulamentação costuma ser mais frouxa.
Segundo a OMS, os países mais pobres têm quase o dobro de publicidade de tabaco do que os mais ricos, e, quanto mais pobres são, mais locais podem vender cigarros. “A metade das pessoas que fumam tem grandes probabilidades de sofrer alguma enfermidade relacionada ao tabaco, enquanto a outra metade morrerá”, afirmou Edouard Tursan D’Espaignet, coordenador da Iniciativa Livre de Tabaco, da OMS.
“Trata-se de umas poucas pessoas que ganham milhões de dólares graças à deterioração da saúde e à morte de pessoas em todas as partes do mundo”, apontou D’Espaigne. A iniciativa da embalagem neutra, que também pode implicar a incorporação de advertências sobre os cigarros, é uma forma de contribuir para combater o problema, mas não avança sem a luta da indústria do tabaco.
Em 1993, muito antes de se considerar ou se pesquisar sobre a embalagem neutra, a indústria criou um grupo de trabalho para estudar o que aconteceria se essa iniciativa viesse a ocorrer, recordou D’Espaignet. O grupo concluiu que prejudicaria seus ganhos porque reduziria de forma significativa a atração pelo fumo. Sabendo das consequências negativas da medida, a indústria empreendeu táticas para impedir que os governos impusessem essa legislação, inclusive recorrendo à justiça.
Em maio, um alto tribunal da Grã-Bretanha rejeitou a apelação de uma companhia de cigarros contra a embalagem neutra. Foram descartadas 17 ações contra o Estado, mas ao custo de milhões de dólares em julgamentos e processos legais. “Com a informação legal desses casos, outros países podem aproveitar a experiência quando a indústria do cigarro tentar processá-los”, pontuou D’Espaignet.
“O temor que os grandes fabricantes têm da embalagem neutra e de suas possíveis consequências é enorme, e seu comportamento alarmista demonstra isso claramente. Têm medo de que funcione e querem fazer todo o possível para evitá-la”, acrescentou D’Espaignet. Mas, na medida em que os países de alta renda implantam e defendem suas políticas de controle do tabaco, a indústria do setor dominada por Philip Morris, British American Tobacco, Imperial e Japan Tobacco International, transfere seu mercado para as nações de rendas baixa e média.
Cerca de 80% das pessoas que fumam vivem em países de rendas baixa e média, e o Banco Mundial prognostica que, até 2030, esses países registrarão sete milhões de mortes ao ano, 70% do total de fumantes. Segundo a OMS, 92% da população mundial vive em países cujos impostos estão abaixo do que a organização recomenda. E, lamentavelmente, apesar de o consumo de tabaco continuar sendo a segunda causa de mortes no mundo, em 2011, apenas US$ 68 milhões dos US$ 31,4 bilhões destinados à assistência ao desenvolvimento para a saúde foram canalizados para controle do tabaco.
“Sabemos que, quanto mais pobre é o país, mais ilimitados são os esquemas de comercialização da indústria do cigarro”, indicou D’Espaignet. Para Chris Bostic, subdiretor de políticas da organização Action for Smoking and Health, com sede em Washington, a batalha legal dos grandes fabricantes é um bom sinal.
Sua organização, junto com outras, leva adiante uma campanha para mudar os acordos comerciais e evitar os julgamentos das fábricas. Bostic afirmou que nem todas as medidas contra o tabaco estão sujeitas à jurisdição comercial, por isso os países podem avançar com confiança na maioria de suas ações.
“De certa forma, esses julgamentos são um bom sinal. A indústria do cigarro se preocupa que a embalagem neutra reduza seriamente suas vendas. Esse é o ponto”, pontuou Bostic à IPS. “Nesta etapa, são necessárias mais pesquisas e preparação pelas complexidades legais e econômicas, o que implica criar e defender as leis. Mas a publicidade e o debate associado ao interesse da OMS pela embalagem neutra, com sorte, poderão gerar oportunidades de mais pesquisas no contexto dos países de rendas baixa e média”, ponderou.
Países como Uruguai, Togo e Namíbia tiveram dificuldades para derrotar as multinacionais que recorreram a ações comerciais e de investimento para impedir ou atrasar a implantação de leis sobre rotulagem e publicidade dos cigarros. Os problemas com a implantação se agravam pela corrupção governamental, dependência econômica da indústria ou pela falta de recursos para combater as ameaças de litígios dos grandes fabricantes.
Para Hughes, “o apoio da OMS à embalagem neutra também é relevante nos países de rendas baixa e média, mas na maioria deles poderá levar mais tempo”. O Programa de Controle do Tabaco do Grupo do Banco Mundial ajuda a implantar reformas tributárias nas Filipinas, Indonésia, Senegal, Colômbia, Botswana, Etiópia, Armênia e Geórgia.
As pesquisas a respeito concluíram que o aumento dos impostos sobre o cigarro é muito efetivo para reduzir o consumo e, portanto, reduzir os custos na saúde pública. Envolverde/IPS
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