- segunda-feira, 27 junho 2016 18:11
- Por Sandra Tavares
O ritmo do ser humano na chamada sociedade moderna, trabalhando muitas horas por dia, submetendo-se a uma alimentação menos natural, compromete a qualidade de vida. Mas, o que aconteceria se as pessoas optassem por passar parte do dia, principalmente nas folgas de fins de semana, em contato direto com a natureza?
Só há uma certeza: quando mergulham em uma floresta, as pessoas relaxam e se aproximam do estado de bem estar. A natureza, por meio de seus estímulos visuais, sons e cheiros, tem o poder de acalmar a todos. Basta um tempo em ambiente natural para que mente, corpo e alma se sintam revitalizados.
O Brasil conta com vários locais para relaxamento na natureza. Os mais propícios são as chamadas unidades de conservação (UCs), berçários de biodiversidade. Mais conhecidas popularmente como parques e reservas naturais, elas se espalham pelos biomas Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pampa, Pantanal e Marinho/Costeiro.
Ao todo, são 325 áreas protegidas por lei federal, geridas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Juntas, somam mais de 76 milhões de hectares. O número de visitantes nas UCs cresce a cada ano. No último ranking divulgado, o Brasil saiu de um patamar de quase 3 milhões de visitantes em 2007 para mais de sete milhões em 2015.
Clique aqui para conferir os dados sobre o aumento de visitantes nos parques e outras unidades de conservação.
E, como não poderia deixar de ser, toda essa riqueza natural preservada promove a melhoria da saúde humana. O conceito de floresta ou, no geral, natureza como instrumento de terapia e de prevenção a doenças ganha aliados mundo afora.
Ser humano: miniatura do mundo natural
Para Aristein Woo, filho de Mestre Woo e médico da Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal (GDF), responsável técnico pelas aulas de tai chi chuan ministradas há anos na Praça da Harmonia, em Brasília, a filosofia e as práticas de saúde da medicina tradicional chinesas consideram o ser humano como uma miniatura do mundo natural.
“Vários pontos de acupuntura têm nomes de rios, lagos e montanhas, por exemplo. Os elementos da natureza, como calor, frio, secura, umidade, também tem seus correspondentes no nosso organismo e, nos desequilíbrios, são causadores de doenças. O organismo (microuniverso) e a natureza devem estar em harmonia. A humanidade doente acaba por adoecer a natureza, e, por outro lado, a natureza “adoentada” é prejudicial ao homem”, frisa Aristein.
Segundo ele, tudo que é vivo tem energia da vida e essa energia nutre a saúde humana, fortalecendo-a para que o homem resista às doenças, bem como promove a recuperação do corpo. “Concreto, cimento, prédios, carros, são estruturas não-vivas, ou seja, destituídas dessa energia. Os sadios precisam de ter mais contato com a natureza para promover a sua saúde. Os doentes precisam disso também, para recuperá-la”, explica o médico e professor de tai chi.
Como exemplo, Aristein cita um caso simples. “Um paciente asmático, que vive num grande centro urbano, sujeito à poluição e ansiedade – dois agentes desencadeadores de crises – tem mais saúde se puder estar próximo da natureza, no campo, onde o ar é mais puro e a vida, mais tranquila”, explica ele.
Para o médico, o ser humano toma contato com o mundo exterior por meio de seus cinco sentidos (visão, paladar, olfato, tato e audição). “Somos seres necessariamente gregários e interagimos com os outros ao nosso redor por meio da fala, da comunicação, mas o mundo atual nos oprime emocionalmente”.
No livro sagrado do taoismo Tao Te Ching, se diz que “as cinco cores cegam a visão”. Segundo Aristein, na vida urbana moderna somos constantemente bombardeados por cores, formas e luzes, que se alternam alucinadamente.
“Muitos desses estímulos não tem um sentido próprio, diferente da realidade primitiva, quando havia um equilíbrio yin-yang entre a luminosidade do dia, relacionada à atividade; e a obscuridade noturna, relacionada ao repouso”, afirma ele.
Contra o estresse, a volta à natureza
A quantidade da comunicação se ampliou enormemente, mas a qualidade tornou-se preocupante. “Grande parte da nossa comunicação se dá onde passamos a maior parte do nosso período ativo do dia – no trabalho. E lá, o foco da comunicação tem sido a produtividade. Há cobranças, competitividade, permeando diversos momentos. O estresse gerado acaba por contaminar nosso diálogo com aqueles que nos são mais queridos”, frisa Aristein.
Daí que a volta à natureza, ainda que não seja possível de maneira integral, permite às pessoas “aterrar”, estabilizar nossa mente, contemplar a vastidão do universo e a excessiva importância que damos a coisas menores do dia-a-dia.
“Podemos ver o horizonte livre, nos tons harmoniosos da natureza. Podemos ouvir o silêncio em sua riqueza de ensinamentos. Aprendemos a ouvir o nosso corpo, a regular a nossa respiração, a ouvir a nossa voz interior. Esta, com certeza, é uma grande necessidade do homem moderno”, diz Aristein.
Para Jane Borralho Gama, psicóloga clínica da linha junguiana em Brasília, a psicologia considera o homem um componente da complexidade do que seja a natureza. “A nossa vida está sob uma crescente necessidade de ações, na qual temos, a todo instante, que tomarmos significativas decisões. Nós vivemos em cidades, onde estamos constantemente sob tensão do tempo, em um ir e vir sob fortes ruídos e imagens que fazem com que haja uma desconexão de nós mesmos”, afirma ela.
Segundo a especialista, quando a pessoa se encontra sob forte tensão emocional, comprometendo seu estado de equilíbrio psicológico, de modo a interferir no trabalho, nas relações afetivas, os psicoterapeutas podem recomendar um afastamento do paciente.
“Esse afastamento tem por objetivo favorecer um estado de introspecção, de observação de si mesmo, de modo a promover uma organização das ideias, dos sentimentos.
E, nesse sentido, o contato com a natureza é sempre recomendado, exatamente porque favorece esse estado de silêncio, de maior percepção e integração de si mesmo”, explica a terapeuta.
Como a natureza é viva, o contato diário oferece uma identidade na condição de humanidade. “Ela nos propicia um olhar permanente sob nós mesmos. Podemos pensar a vida, como faziam e ainda fazem os filósofos, e nos proporcionar um bem viver”, relembra Jane.
Ainda de acordo com ela, há casos comprovados de melhoria em quadros psíquicos de pacientes, a partir do contato com a natureza. “Em quadros de estresse, por exemplo, na psicologia clínica evidenciamos que o melhor a fazer é o paciente se dispor a essa integração com ambientes que propiciem tranquilidade e que possam diminuir o estado de ansiedade, de angústia, pois dessa maneira o paciente pode caminhar na direção de um estado de equilibro com a sua própria natureza humana”, reitera.
Pioneiro na medicina preventiva natural
No Japão, uma cultura conhecida mundialmente pela conexão de seu povo com a natureza, o pesquisador Yoshifumi Miyazaki, co-diretor do Centro para Meio Ambiente e Saúde da Universidade de Chiba, próximo a Tóquio, desenvolve estudos sobre os chamados fitocidas – os aromas dos óleos essenciais das plantas e das árvores das florestas.
Segundo ele, em entrevista à imprensa brasileira, parques, jardins, flores e fitocidas (substâncias produzidas por plantas contra micro-organismos) têm efeitos benéficos nos seres humanos. No Japão, os parques e reservas ganham selo de floresta certificada para tratamento, após análise de sua beleza cênica, biodiversidade e estrutura voltada para receber os visitantes.
O Japão é o país onde mais se estuda a relação entre saúde e natureza e tem investido fortemente na medicina preventiva, melhorando ainda mais sua excelência em saúde pública. O princípio é básico: se a qualidade de vida da pessoa melhora, e passa pelo contato maior com a natureza, os episódios de adoecimentos tendem a cair. E o governo japonês percebeu que investir na medicina preventiva reduz gastos do sistema público de saúde.
A equipe envolvida na pesquisa de Yoshifumi Miyazaki já promoveu mais de 50 estudos sobre os fitocidas, envolvendo cerca de 600 voluntários. Os resultados saltam aos olhos. Pessoas com problemas de saúde, como pressão arterial alta, após terem contato com a floresta, registram uma redução de 16% do hormônio do estresse, de 2% na pressão arterial, de 4% na frequência cardíaca e um aumento de mais de 100% das atividades do sistema nervoso parassimpático – que mede o nível de relaxamento.
Segundo o professor Miyazaki, o ser humano passou 99,99% de seus cinco milhões de anos de evolução como primata em meio à natureza. “O corpo humano foi feito para se adaptar à natureza. Estamos em essência conectados a ela”, reforça o pesquisador.
Outros estudos desenvolvidos em países como Holanda, Reino Unido e Japão revelaram que, ao entrar em contato com o ambiente natural, o corpo logo responde, de forma sutil, com pressão mais baixa e maiores níveis de glóbulos brancos, responsáveis pelas defesas do organismo.
Ecologia Profunda
Para o filósofo e mentor da teoria da Ecologia Profunda, Arne Næss (1912-2009), em um nível superficial, o homem coloca-se como centro do mundo e quer preservar os rios, o oceano, as florestas e o solo porque são instrumentos do seu próprio bem-estar.
Mas, em um nível mais profundo, o homem pode buscar viver em uma nova civilização, culturalmente solidária, politicamente participativa e ecologicamente consciente. Para Naess, esta ecologia surge do reconhecimento interior da nossa unidade com a natureza.
Segundo sua teoria, a natureza possui valor em si mesma, independentemente da utilidade econômica que tenha para o ser humano. Para ele, o homem é parte inseparável – física, psicológica e espiritualmente – do ambiente em que vive.
*Matéria publicada originalmente no Portal ICMBio em 22 de junho de 2016
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