quarta-feira, 27 de julho de 2016
Pesquisa oferece novos subsídios para proteção da biodiversidade de florestas
Artigo de cientistas de 18 instituições publicado na revista Nature pode ajudar em ações de conservação da Floresta Amazônica
Estudo realizado no Pará por cientistas de 18 instituições
internacionais, entre as quais 11 brasileiras, todas integrantes do
consórcio científico Rede Amazônia Sustentável (RAS), mostra que a
degradação no interior de uma floresta causada por atividade humana pode
ter tanta importância na geração de perdas da biodiversidade tropical
quanto o desmatamento.
O trabalho “Anthropogenic disturbance in tropical forests can double
biodiversity loss from deforestation” (Perturbação antropogênica em
florestas tropicais pode dobrar a perda da biodiversidade por
desmatamento) foi publicado no dia 29 de junho, na revista Nature.
Pesquisadores consideram que ele oferece subsídios para fortalecer o
Código Florestal e aperfeiçoar as políticas públicas.
Os cientistas participantes do estudo mediram o impacto geral das
alterações florestais (degradação florestal) mais comuns causadas por
ação humana, entre elas os incêndios florestais, a exploração madeireira
ilegal e a fragmentação de florestas remanescentes, em 1.538 espécies
de árvores, 460 de aves e 156 de besouros. A pesquisa foi feita nos
últimos seis anos tanto no campo, em 371 áreas espalhadas por três
milhões de hectares nos municípios de Paragominas e Santarém (nordeste e
oeste do Pará, respectivamente), como em laboratório de análise de
imagens de satélite.
Os dados avaliados permitiram as primeiras comparações já feitas entre a
perda de espécies em áreas florestais remanescentes sob distúrbios pela
ação do homem e a decorrente da perda de habitat pelo desmatamento
(corte raso). “O estudo concluiu que, no Pará, a perda de biodiversidade
estimada com base no estado atual da degradação florestal é equivalente
ao que se perdeu por desmatamento desde 1988”, relata a pesquisadora
Joice Ferreira da Embrapa Amazônia Oriental (PA), uma das autoras do
trabalho.
A descoberta dessa equivalência levou os cientistas a constatarem que a
biodiversidade perdida no Pará é o dobro do que se imaginava. “Levando
em conta a estimativa da perda de espécies por degradação, é como se
outros quase 140 mil quilômetros quadrados de floresta intacta tivessem
sido derrubados”, compara a pesquisadora, referindo-se à taxa de
desmatamento desde 1988 no Pará disponibilizada pelo Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais). Essa mesma estimativa também revela
que as perdas de biodiversidade por degradação só no Pará são maiores do
que as derivadas do desmatamento na Amazônia inteira na última década
(2006-2015).
Com respeito à quantificação de área equivalente de desmatamento, o
engenheiro florestal Giampaolo Pellegrino, pesquisador e presidente do
Portfólio de Mudanças Climáticas da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária – Embrapa, que não participou do estudo, mas conheceu seus
resultados, pondera: “justamente por seu ineditismo e por uma primeira
aproximação, que à primeira vista poderia parecer superestimada,
acredito que, como de praxe, essas estimativas ainda serão debatidas
pela comunidade científica e poderão ser confirmadas ou ajustadas em
estudos mais específicos, onde algumas premissas adotadas no atual
estudo, a exemplo da distribuição das áreas de amostragem, e sua
extrapolação para todo o Pará possam ser revisitadas”.
Por outro lado, Pellegrino ressalta que o trabalho traz alertas
importantes sobre a perda da biodiversidade brasileira e destaca a
necessidade de políticas públicas para conter esse problema.
Nesse sentido, a autora Joice Ferreira destaca que “o resultado da
pesquisa pode vir a subsidiar tecnicamente o desenvolvimento de
políticas públicas voltadas à conservação e restauração de florestas,
pois oferece evidências convincentes de que as iniciativas de
conservação amazônica também precisam levar em conta a redução de
perturbações florestais”.
Ao enfatizar a importância do monitoramento em estratégias de redução de
perdas, o pesquisador Luiz Aragão, do Inpe, lembra que o Brasil
conseguiu reduzir seu desmatamento em cerca de 80% como resultado do
Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
(PPCDAm). “O próximo passo é avançar na quantificação da extensão e
impactos da degradação florestal tendo em vista o resguardo da nossa
biodiversidade, estoques de carbono e serviços ecossistêmicos”, antevê
Aragão.
Efeitos das atividades humanas
O estudo demonstrou que a intervenção humana provoca significativas
perdas de biodiversidade que vão além dos danos mais visíveis causados
pela derrubada de árvores.
A pesquisadora Joice Ferreira ressalta outro aspecto da importância de
se controlar a degradação florestal. “O valor da conservação cai se a
floresta sofre perturbações como as estudadas. Além do efeito direto da
perturbação em si, perde-se biodiversidade e qualidade no que resta
afetado por ela. A adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis e a
recuperação de florestas na paisagem reduzem a incidência do fogo,
constituindo uma solução importante para esse problema”, explica.
Sobre o mesmo aspecto, o pesquisador Toby Gardner, do Instituto
Ambiental de Estocolmo (Suécia), recomenda cuidados com a vegetação
remanescente. “As florestas tropicais correm risco se as iniciativas de
conservação focarem exclusivamente nas extensões de floresta
remanescentes, sem levar em conta o estado de saúde dessas áreas”,
pontua.
O novo estudo também demonstra que espécies sob o risco máximo de
extinção foram as mais vulneráveis a essas perturbações causadas por
atividade humana. A pesquisadora Ima Vieira, do Museu Paraense Emilio
Goeldi, informa que o Estado do Pará abriga mais de 10% das espécies de
aves do planeta, muitas das quais endêmicas. “Nossos estudos demonstram
que são justamente essas espécies as que estão sofrendo o maior impacto
da ação antrópica, pois elas não sobrevivem em ambientes com esses
níveis de perturbação”, revela.
Código Florestal e Saúde da floresta
Silvio Ferraz, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), lembra a
importância do Brasil no cenário da conservação florestal mundial, já
que o País possui 40% dos remanescentes de florestas tropicais da Terra.
O pesquisador da Embrapa Giampaolo Pellegrino observa que o trabalho
permite realizar avaliações positivas sobre o Código Florestal. “É de
reconhecimento internacional que, mesmo considerando questionamentos
sobre sua última alteração, o Código Florestal Brasileiro é um
instrumento essencial na preservação de áreas de importância ecológica
para o País, além de regularizar e reduzir significativamente o
desmatamento, e os próprios autores reforçam isso. Reduzir o
desmatamento permitido a 20% é muito significativo, a ponto de a perda
do valor de conservação provocada pelas perturbações internas e na
paisagem das grandes áreas florestais remanescentes serem da mesma ordem
da perda das áreas desmatadas com corte raso – o que certamente seria
muito maior sem o Código”, diz Pellegrino.
Sobre os alertas do estudo, Giampaolo Pellegrino chama a atenção para o
fato de que a função do Código é preservar os processos hidrológicos,
conservar o solo e seus processos, assim como a biodiversidade,
baseando-se num índice facilmente mensurável e de aplicação geral pelo
País, a área preservada. Na visão do pesquisador da Embrapa, “o Código
não deve ser a única política pública e essa é a grande contribuição do
estudo, ou seja, alertar para um efeito que não era claro e quantificado
e que demanda atenção do governo e da sociedade”.
Para o pesquisador Jos Barlow, da Universidade de Lancaster (Reino
Unido) e principal autor do estudo, “o Brasil demonstrou uma liderança
sem precedentes no combate ao desmatamento na última década e o mesmo
nível de liderança é necessário agora para proteger a saúde das
florestas restantes nos trópicos”.
O estudo publicado na Nature é fruto da Rede Amazônia Sustentável, um
consórcio de instituições brasileiras e estrangeiras, coordenado pela
Embrapa Amazônia Oriental, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade de
Lancaster e Instituto Ambiental de Estocolmo. A RAS também tem parte do
INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia, financiado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.
Acesso ao original na Nature:
Por Izabel Drulla Brandão (MTb 1084/PR)
Embrapa Amazônia Oriental
Fonte: EcoDebate
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