domingo, 31 de julho de 2016

Pegada ecológica no mundo, Canadá e Índia: o que fazer? artigo de José Eustáquio Diniz Alves


Publicado em julho 29, 2016 por
 
“O lema do debate sobre população e desenvolvimento no século XXI deveria ser:
menos gente, menos consumo, menor desigualdade social e
maior qualidade de vida humana e ambiental”.
Alves, 20/07/2016

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[EcoDebate] O Canadá e a Índia são dois grandes países, com ampla disponibilidade de recursos naturais, e uma biocapacidade total de aproximadamente 560 milhões de hectares globais. Porém, o Canadá possui superávit ambiental e a Índia possui déficit ambiental.
Vamos recordar os conceitos da Global Footprint Network.



A Pegada Ecológica é uma metodologia de contabilidade ambiental que avalia a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos naturais. Expressada em hectares globais, permite comparar diferentes padrões de consumo e verificar se estão dentro da capacidade ecológica do planeta. A biocapacidade é a área que um país tem para satisfazer as necessidades de consumo e assimilação dos resíduos dos seus habitantes, correspondendo à capacidade de geração e regeneração dos serviços ecossistêmicos.




A população mundial tinha uma Pegada Ecológica per capita de 2,84 hectares globais (gha) em 2012. A Pegada do Canadá era de 8,2 gha e a da Índia era de 1,2 gha. Assim, a maior Pegada Ecológica do Canadá reflete o maior padrão de consumo do país. Os canadenses, em média, consumiam quase 7 vezes mais do que os indianos, em 2012. Se o padrão de consumo fosse o único problema a situação ecológica do Canadá seria muito pior do que a da Índia.



Porém, a Pegada per capita é só parte do problema. Para se calcular a Pegada Ecológica total é preciso multiplicar a Pegada per capita pela população. Fazendo estas contas achamos que a Pegada total da população canadense (de 35 milhões de habitantes) era de 284 milhões de gha. Como a biocapacidade era de 560 milhões de gha, então o Canadá apresentou superávit ambiental. A biocapacidade era o dobro da Pegada Ecológica total.




A Pegada Ecológica total da Índia (população de 1,237 bilhão de habitantes) era de 1,435 bilhão de gha. Como a biocapacidade era de 560 milhões de gha, então a Índia apresentou grande déficit ambiental. A Pegada Ecológica total da índia era mais do dobro da biocapacidade total e o déficit ambiental está crescendo e tende a aumentar ainda mais com o crescimento demoeconômico do país, que inclusive vai passar a China como a nação mais populosa do mundo a partir de 2025.




O que estes números mostram é que o alto padrão de consumo não gera déficit ambiental se o volume da população é pequeno em relação à biocapacidade. E um padrão de consumo baixo, como na Índia, pode levar ao déficit ambiental se a população for muito grande em relação à biocapacidade.



Nos últimos 45 anos a Pegada Ecológica mundial ultrapassou a biocapacidade do Planeta. Desde o início dos anos 1970, o déficit ambiental vem subindo constantemente. Em 2012, o mundo tinha uma população 7,1 bilhões de pessoas, com uma pegada ecológica per capita de 2,84 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 1,73 gha, como mostra o gráfico abaixo.

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O mundo tinha em 2012 uma biocapacidade total de 12,2 bilhões de hectares globais, mas tinha uma pegada ecológica de 20,1 bilhões de hectares globais. Portanto, a pegada ecológica ultrapassava a biocapacidade em 64%. Ou dito de outra maneira, o mundo estava consumindo o equivalente a 1,64 planeta. Portanto, a população mundial vive no vermelho e provoca um déficit ambiental que cresce a cada ano.



A planeta Terra é único. Não dá para usar mais de um planeta, no longo prazo, sem destruir toda a herança acumulada pela natureza durante milhões de anos. Portanto, é preciso decrescer do uso de 1,64 planeta para 1,0 planeta. Existem três alternativas: 1) diminuir o padrão de consumo dos habitantes do globo (principalmente o consumo conspícuo e os tipos de consumo mais poluidores e degradadores do meio ambiente); 2) diminuir o volume da população mundial; e 3) diminuir o consumo e a população ao mesmo tempo.



Evidentemente a terceira alternativa é a mais rápida. Acontece que não dá para reduzir o volume da população mundial no curto prazo, pois a estrutura da pirâmide etária mundial é ainda jovem. Atualmente, a taxa de fecundidade total (TFT), na média mundial, está em torno de 2,5 filhos por mulher e na tendência de queda lenta da TFT a população mundial chegaria a mais de 11 bilhões de habitantes em 2100. Se a taxa de fecundidade cair em ritmo mais rápido nos próximos anos, para algo em torno de 1,7 ou 1,8 filho por mulher, então a população mundial começaria a diminuir em meados do século XXI e poderia ficar abaixo de 7 bilhões de habitantes em 2100.



Se o mundo atuar agora poderá reduzir o ritmo do crescimento atual e iniciar um decrescimento na segunda metade do século XXI.



Assim, a Terra pode ter 4 bilhões de pessoas a menos do que o previsto em 2100. Serão 4 bilhões a menos de pessoas a sofrer as consequências deixadas pelos seus antepassados na destruição da biocapacidade e no aumento das emissões de gases de efeito estufa. Como disse Condorcet, em 1794: “não é racional colocar filhos no mundo para serem infelizes”. Lembrando que a Índia caminha para ser a nação mais populosa do mundo e já ocupa o terceiro lugar entre os país mais poluidores do Planeta.




Desta forma, de imediato o que se pode fazer é garantir os direitos sexuais e reprodutivos, possibilitando a redução do número médio de filhos dos casais e das pessoas solteiras. Ao invés de nascer 140 milhões de bebês por ano, o mundo pode reduzir este número para, por exemplo, 100 milhões. Seria, de imediato, uma redução de 40 milhões de pessoas por ano e 400 milhões de pessoas em uma década. Porém, mesmo que esta diminuição imediata, a redução da população total (redução do volume do número de habitantes) só aconteceria na segunda metade do século XXI.



Assim, paralelamente ao avanço da transição demográfica, a redução do consumo necessita ser imediata. Segue abaixo uma série de medidas que poderiam ser colocadas em prática instantaneamente para reduzir a Pegada Ecológica.



A alternativa mais impactante e inadiável para mudar o padrão de produção e consumo é a transformação da matriz energética, saindo dos combustíveis fósseis para as energias alternativas, o que reduziria muito as emissões de carbono. Outra tarefa urgente é reduzir o tamanho dos rebanhos bovino e de outros animais (escravizados pela humanidade) que são grandes emissores de metano que acirra o efeito estufa e o aquecimento global.



Para tanto é urgente mudar a dieta alimentar, abandonando o consumo de carnes e produtos animais para uma dieta vegetariana e/ou vegana. Outra alternativa é mudar a forma “petroficada” de produção agrícola, reduzindo significativamente o uso dos fertilizantes químicos, dos defensivos e dos agrotóxicos, avançando com a agricultura orgânica e a permacultura. Reduzir os desperdícios de comida, energia e mudar a cultura da “obsolescência programada”.



Não menos importante é reconfigurar a organização das cidades incentivando o transporte coletivo, a eficiência energética e a reciclagem de materiais, lixo e resíduos sólidos. Outra alternativa são os enterros e cemitérios sustentáveis com a substituição dos túmulos por capsulas biodegradáveis que gerem árvores e florestas (cada morto uma árvore e cada cemitério uma floresta). Por fim, e não menos importante, reduzir o máximo possível os gastos militares e as despesas de guerra e violência, etc.


Portanto, existem muitas alternativas para reduzir a Pegada Ecológica e para eliminar o déficit ambiental mundial. Falta se chegar a um consenso ideacional e político. O fato é que o mundo precisa alcançar uma sustentabilidade econômica, entendida como a capacidade de suportar um determinado nível de produção econômica indefinidamente em equilíbrio com a natureza; e uma sustentabilidade social, entendida como a capacidade de um sistema social funcionar plenamente e indefinidamente em um determinado nível de bem-estar social. Tudo isto com respeito às demais espécies vivas da Terra e sem mudar a química da atmosfera e degradar os ecossistemas.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 29/07/2016

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