Temos fechado os olhos para um futuro muito problemático para o nosso país.
São importantes as informações de que o Ministério do Meio Ambiente e outros órgãos se mobilizam diante de notícias que levantam preocupações por alguns ângulos na Amazônia. Uma delas é a de que o desmatamento ali pode estar em tendência de aumento, enquanto outras sugerem estabilização e até queda.
Algumas instituições, entre elas o Sistema Nacional de Estimativas de Emissão de Gases do Efeito Estufa (SEEG) e o Observatório do Clima, apontam para um “sinal amarelo” na área. Após queda de 2005 a 2010, as emissões por desmatamento mantiveram o patamar até 2014: 0,82 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente por ano.
Agora, as emissões por desmatamento fariam crescer a preocupação com o compromisso brasileiro de redução de emissões no âmbito da Convenção do Clima. De acordo com os últimos dados, o setor de mudanças no uso da terra emitiu entre 1990 e 2014 cerca de 56 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, a maior parte por desmatamento em três biomas: Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica (65% na Amazônia). Com diversas ações governamentais, as emissões médias anuais haviam caído 13% em 2014, comparadas com as do ano anterior.
O desmatamento ainda é o principal responsável pelas emissões nacionais, com 42% (amazonia.org, 3/10). Pará e Mato Grosso concentram metade das emissões. Há poucas semanas (Valor Econômico, 4/8) o Ministério Público Federal do Pará começou a investigar esquema de desmatamento que envolveria até empresa de titular de cargo oficial.
Avanços no desmatamento significam ameaças aos 7 milhões de quilômetros quadrados (60% dos quais em território brasileiro) onde vivem 2,5 milhões de tipos de insetos, dezenas de milhares de espécies de árvores e mais de 2 mil animais entre peixes, anfíbios répteis e mamíferos – fora os desconhecidos. Em estudo recente, pesquisadores na Amazônia apontam estar ali o hábitat de ao menos 12 mil espécies de árvores (Amazônia.org, 25/7).
Várias instituições continuam a pesquisar formatos de valorizar produtos nativos da Amazônia, na tentativa de consolidar caminhos que possam contribuir para a valorização econômica e a preservação do bioma. É o caso do buriti, que vem sendo muito estudado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) pelo cientista Afonso Rabelo e sua equipe, principalmente na área de doces e sorvetes. Com forte aceitação, da mesma forma que o pato no castamburi (buriti, castanha e tucumã). Ele lembra que só nas feiras de Manaus são comercializados 300 frutos regionais e seus produtos.
Por outro ângulo, a jornalista Camila Faria enfatiza (Eco 21, agosto 2016) que, segundo um grupo internacional de pesquisadores, “a floresta com tipos diferentes de plantas se recupera melhor aos ser submetida a um aquecimento moderado” – e isso é vital para a biodiversidade. Tem também maior potencial de adaptação a mudanças do clima – a Amazônia é um “estudo de caso”.
A pesquisa Resilience of amazon forest emerges from plant trait diversity reforça “a importância da preservação da biodiversidade como instrumento de políticas públicas contra o agravamento da crise climática (…). A diversidade vegetal pode permitir que o maior ecossistema tropical do mundo se ajuste a certo nível de mudança climática – árvores que hoje são espécies dominantes, por exemplo, poderiam dar lugar a outras que seriam mais adaptadas às novas condições”.
Também é um bom sinal que se amiúdem estudos sobre a riqueza e a importância nutricional da biodiversidade brasileira. Como é o caso dos peixes, que hoje representam apenas 1,69 quilo no nosso consumo anual por habitante, enquanto os importados chegam a 2 quilos por habitante/ano – e ainda assim 55% do consumo é fora de casa. Compradores em feiras e mercados exigem que o peixe já venha sob a forma de filé.
Segundo o biólogo Fernando Reinach, “cientistas observaram que basta remover 10% da floresta de uma bacia hidrográfica para que entre 20% e 40% da biodiversidade desapareça. E essa perda de biodiversidade aumenta gradativamente, à medida que a região em volta da floresta remanescente é desmatada”.
Uma conclusão: “Se queremos preservar 80% da biodiversidade da Amazônia, a fração da área que poderia ser desmatada é significativamente menor que os 20% permitidos hoje pelo Código Florestal”. Ou seja, temos fechado os olhos para um futuro muito problemático para o País; porque uma floresta intacta, localizada numa região onde o desmatamento pode ser de 20% da área total, perde entre 39% e 54% de seu valor como área de conservação da biodiversidade.
Pode ser ainda mais grave se se levar em consideração notícia recente (geodireito, 26/9) de que já haveria “estimativa maior de desmatamento”. Uma revisão do desmatamento entre 2014 e 2015 teria mostrado que o corte raso nas florestas da região alcançou 6.207 quilômetros, ou seja, 6,45% mais que os 5.831 km2 até aqui conhecidos. Essa estimativa reajustaria de 16% para 24% o aumento do corte na Amazônia, em comparação com o período de 2013 a 2014, que foi de 5.012 km2.
Há preocupações vindas também de fora. Uma ONG holandesa quer criar “um corredor gigante de biodiversidade no Brasil, com 2,6 mil quilômetros contínuos e até 40 quilômetros de largura, 10,4 milhões de hectares e 2 bilhões de árvores plantadas” (Estado, 8/9). Outros estudiosos já discutem modelos de desenvolvimento para o Brasil que tenham seu centro em projetos de valorização da biodiversidade e de novos produtos para o mercado que tenham esse ponto de partida.
É também preciso dar muita atenção ao secretário executivo da Convenção da Diversidade Biológica da ONU, o cientista brasileiro Bráulio Dias (Estado, 11/9): o Brasil pode perder o acesso a recursos genéticos para várias áreas se não ratificar o Protocolo de Nagoya, que regula essa matéria. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.com.br).
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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