Com informações da BBC -
23/09/2016
Promissora na década de 1980, a indústria brasileira entrou em declínio e hoje representa apenas pouco mais de 10% do Produto Interno Bruto do país.
O conjunto de fatores que colaboraram para essa tendência foi observado em toda a América Latina, mas o Brasil, por seu tamanho e relevância, é o mais significativo caso de desmantelamento precoce da indústria, aponta um relatório da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento).
O documento anual, que avalia o cenário econômico mundial, abordou amplas tendências econômicas e, no caso do Brasil, destacou o quadro de retrocesso.
De acordo com a Unctad, no começo da década de 1970 a participação da indústria na geração de emprego e valor agregado no Brasil correspondia a 27,4% do PIB enquanto em 2014 essa participação caiu para 10,9%.
"Todo o sistema que tinha por objetivo industrializar o país entrou em colapso," disse Brasil Alfredo Calcagno, chefe do departamento de Macroeconomia e Políticas de Desenvolvimento da Unctad.
Câmbio irreal
Na avaliação da Unctad e de vários especialistas que discutiram o relatório, o processo de desindustrialização brasileira teve início com os choques econômicos vividos nos anos 1980, se intensificou com a abertura comercial no começo dos anos 90, seguido pelo abandono das políticas desenvolvimentistas, e pelo emprego da taxa de câmbio como ferramenta no combate à inflação.
Depois, a desindustrialização foi favorecida por reformas liberalizantes do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial e, mais recentemente, pela pauta exportadora focada em commodities e por um real considerado valorizado.
Desindustrialização
A desindustrialização é considerada precoce pela Unctad quando uma economia não chega a atingir toda sua potencialidade produtiva manufatureira e, em vez de evoluir em direção à indústria de serviços com alto valor agregado - setor terciário -, regride para a agricultura ou cai na informalidade.
Países ricos também passam pelo fenômeno de desindustrialização, mas de forma diferente. Com o acúmulo de riqueza, esses países investiram na capacidade produtiva intelectual da população por meio de educação e pesquisa, o que gerou empregos mais sofisticados no setor de serviços. É um movimento de transformação e geração da mais riqueza, e não necessariamente a perda dela.
A produção de um iPhone é um bom exemplo. O celular em si é fabricado na China, mas seu design foi desenvolvido na Califórnia, nos Estados Unidos. O trabalho de um engenheiro de design californiano é muito mais bem pago e complexo do que o de um montador de componentes na linha de produção da China - setor secundário. O trabalho executado nos EUA é mais produtivo, pois agrega maior valor - riqueza - à economia.
Desmantelamento da indústria nacional
O Brasil sempre teve expressiva produção agrícola (setor primário), cuja riqueza a partir dos anos 1930 foi canalizada para incentivar o desenvolvimento de uma indústria nacional (setor secundário) por meio de planos estatais.
Para muitos economistas, o amadurecimento econômico de um país, do setor primário até o terciário, passa necessariamente pela etapa do desenvolvimento industrial, que permitiria o acúmulo de capital e conhecimento produtivo necessários para sustentar a transição rumo a empregos com maior sofisticação intelectual e mais produtivos.
Inicialmente impulsionada pela substituição de importações e sequencialmente estimulada por políticas desenvolvimentistas, a indústria brasileira experimentou seu auge no começo dos anos 1980, quando chegou a responder por mais de 30% da geração de valor agregado e emprego no país, segundo números da ONU. A década, porém, além de testemunhar o auge, também registrou o começo da queda.
"Os anos 80 foram marcados por crises de choque na América Latina. No Brasil se desmontaram as instituições e mecanismos que eram capazes de manter um sistema industrial competitivo", explica Pedro Rossi, professor de economia da Unicamp, escola tradicionalmente ligada ao desenvolvimentismo.
A dívida externa, a desorganização fiscal e a hiperinflação consumiram a capacidade do governo de promover políticas ativas, levando à negligência da indústria.
Com a abertura do mercado às importações, no início dos anos 1990, produtos estrangeiros conquistaram a preferência do consumidor, em detrimento de similares nacionais. Posteriormente, a adoção de um câmbio forte com o Plano Real como forma de combate à inflação contribuiu para a perda de competitividade nas exportações, outro abalo à indústria.
Reindustrialização
Num cenário pós-crise de 2008, a retomada do crescimento econômico global passará pelo resgate do consumo da classe média nos países ricos, opina a Unctad. Aos países em desenvolvimento é feita a recomendação de que trabalhem em suas economias domesticamente, frente a um cenário internacional pouco otimista.
Ao Brasil, num momento em que anda profundamente imerso nos seus próprios problemas, a organização recomenda apoio estatal ao estímulo industrial - uma política oposta à do atual governo, que acena com a privatização. A Unctad também recomenda o uso do capital estrangeiro - seja ele em investimento direto ou especulativo.
"A experiência de sucesso de países industrializados demonstra que a transformação estrutural exige atenção a diferentes fontes de crescimento, incluindo estimular investimento privado e público, apoiando o desenvolvimento tecnológico, fortalecendo a demanda doméstica e aumentando a capacidade dos produtores domésticos de cumprir exigências internacionais," diz o relatório
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