Por Marina Amaral, da Agência Pública –
“Para cada problema africano existe uma solução brasileira.” A frase do professor queniano Calestou Juma para celebrar a cooperação brasileira no governo Lula é lembrada com ironia pelo jornalista Jeremias Vunjanhe enquanto conversamos em um café no inverno ameno de Maputo.
O jovem ativista de direitos humanos faz um paralelo com a Amazônia para explicar a decepção dos movimentos sociais de seu país com as promessas brasileiras. Lá como cá, ele me diz, a receita de desenvolvimento à base da exploração dos recursos naturais e incentivo ao agronegócio desandou em degradação ambiental e expulsão das comunidades tradicionais. Um problema gigante em um país em que 67% da população de 27,2 milhões de habitantes vive em áreas rurais. “A terra é o legado da independência para os camponeses”, ressalta Vunjanhe.
Desde a expulsão dos colonizadores portugueses, que submeteram os camponeses a trabalhos forçados em pleno século 20, a terra é do Estado em Moçambique. Naquele mesmo ano de 1975, Samora Machel declarou o país socialista e se tornou seu primeiro presidente. Em 1987, um ano depois da morte de Samora, o país massacrado por uma década de guerra civil recorreu ao FMI e teve de se declarar uma democracia nos moldes ocidentais, mas a Constituição de 1990 continuou a impedir a comercialização da terra.
Legislação que se manteve depois da assinatura do acordo de paz entre a Frelimo (Frente da Libertação de Moçambique) e a Renamo (Resistência Nacional de Moçambique) em 1992.
Até hoje as duas forças políticas se enfrentam – no momento o país vive uma crise política e um surto de violência militar que geraram 6 mil refugiados no Malavi, mas se transformaram em partidos políticos bem diferentes de suas origens.
A Renamo, que nasceu como guerrilha anticomunista financiada pelos países vizinhos e seus aliados na guerra fria, foi ganhando apoio dos camponeses moçambicanos até se tornar a principal força de oposição aos ex-revolucionários da Frelimo, que estão no poder desde a independência. Estes, por sua vez, são os responsáveis pela entrada dos projetos de desenvolvimento dos investidores estrangeiros, baseados na exploração dos recursos naturais e na concessão de terras, que pressionam o território dos camponeses.
Toda a região de influência da Vale, incluindo o recém-inaugurado corredor logístico de exportação de carvão, fica no norte do país, área simpática a Renamo. As minas ficam em uma área de 220 km2, concessionada à mineradora desde 2004, na bacia carbonífera de Moatize. É dali que vem a maior parte dos refugiados do Malavi, não reconhecidos como tais pelo governo.
O distrito (município) de Moatize tem 80% das terras ocupadas pela mineração e fica na província (estado) de Tete, a mais atingida pelos atuais conflitos. Nas eleições passadas, mais uma vez vencidas pela Frelimo, a Renamo obteve a maior parte dos votos em Tete, gerando grande frustração na província – é o presidente eleito que indica os governadores em Moçambique.
O problema se repete nas províncias de Niassa e Nampula, atravessadas pela ferrovia controlada pela mineradora brasileira e por uma de suas acionistas, a japonesa Mitsui. Ali a inquietação dos camponeses também se deve à implantação de outro projeto polêmico, o ProSavana, em colaboração com os governos do Brasil e do Japão. A meta é “modernizar” a agricultura através da concessão de terras para a produção de commodities, tal como foi feito no cerrado brasileiro nos anos 1980, que resultou na expulsão da população tradicional. Uma história que eles temem que se repita em seu país.
Longe dos centros urbanos como a capital Maputo, no sul do país, a terra em Moçambique continua a ser um bem compartilhado nas aldeias, que vivem da agricultura familiar e mantêm os costumes e a língua de sua etnia há gerações. “Nos fóruns mundiais, os companheiros latino-americanos sempre questionam: por que vocês não assumem a identidade indígena como nós?
Mas, respondemos, se dizer indígena significa que se é indígena em relação a alguém. Nós somos os donos do nosso país”, explica Vunjanhe, 31 anos, que nasceu em uma aldeia de Sofala e é um dos fundadores da Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (Adrecu).
Formada por jovens de origem rural como Vunjanhe, graduado na Universidade Eduardo Mondlane, a Adecru promove os direitos humanos levando informação à parcela mais pobre do país – com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,393 em 2013, um dos mais baixos do mundo e inferior à média da África subsaariana, de acordo com o Banco Mundial. Conforme o relatório da FAO, divulgado em outubro do ano passado, 25% dos moçambicanos passam fome, e a desnutrição crônica atinge 40% das crianças menores de 5 anos de idade. Na área rural, dois terços dos habitantes vivem abaixo da linha da pobreza e mais de 60% são analfabetos, segundo o relatório.
Vunjanhe conhece a rotina de trabalho com a enxada de cabo curto na machamba (roça) para garantir a chima, a papa de milho branco que é a base da alimentação moçambicana, e as hortaliças vendidas no mercado para completar a renda. Foi assim que conseguiu estudar – as escolas só são gratuitas até o fim do 7o ano e o material escolar é por conta do aluno. Ele também é funcionário da União Nacional de Camponeses (Unac) – que congrega mais de 100 mil agricultores familiares moçambicanos e vem constatando que as promessas de desenvolvimento podem trazer ainda mais pobreza para os que vivem da terra. Mesmo quando o PIB cresce mais de 7% ao ano, como acontece em Moçambique desde 2001.
Com investimento total de US$ 8,5 bilhões, equivalentes a 60% do PIB do país africano, o projeto Carvão Moatize, da mineradora Vale, é visto hoje como uma grande promessa frustrada de melhoria de vida da população. De 2009, quando a primeira mina de carvão a céu aberto começou a ser construída, à recente inauguração do Corredor Logístico de Nacala, com potencial para exportar entre 30 a 40 milhões de toneladas de carvão por ano, 3.165 famílias foram expulsas de suas terras pela companhia brasileira (1365 em Moatize e 1800 no corredor de Nacala). Outras 10 mil famílias “foram impactadas de outras formas, e as indenizações estão sendo realizadas de acordo com o que estabelece as leis vigentes em Moçambique e no Malavi”, conforme e-mail da assessoria de imprensa da Vale.
Do lado da geração de empregos, porém, a conta do megaprojeto é modesta. Com a conclusão das obras de ampliação das minas, que elevaram o potencial anual de produção de 11 milhões para 22 milhões de toneladas de carvão por ano, e do corredor logístico que atravessa o norte do país (e o vizinho Malavi) até o porto de Nacala-a-Velha no Índico, a companhia tem hoje apenas 2 mil trabalhadores próprios no país – 1.860 deles, ou 93%, moçambicanos – e cerca de 9 mil trabalhadores terceirizados, segundo sua assessoria de imprensa. De acordo com o Relatório de Sustentabilidade da Vale de 2013, porém, apenas 35% dos cargos de liderança são ocupados por moçambicanos. (Agência Pública/ #Envolverde)
* Leia a reportagem completa no site Agência Pública.
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